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Há 40 anos, a Primavera de Praga era esmagada com banho de sangue

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postado em 18/08/2008 12:58
PARIS - Há 40 anos, na noite de 20 para 21 de agosto de 1968, as tropas russas e de seus aliados do Pacto de Varsóvia invadiram a Tchecoslováquia para esmagar o movimento conhecido como a Primavera de Praga, ignorando completamente a Otan que, pouco disposta a intervir numa disputa entre comunistas, fingiu uma indignada surpresa. Da mesma maneira que 30 anos antes, com Hitler, a Tchecoslováquia viu que seu destino estava de novo em mãos alheias. Desta vez, nas do Kremlin. O ideal de "um comunismo com o rosto humano" representado pelo eslovaco Alexander Dubcek foi despedaçado. As intenções soviéticas não eram secretas: no Ocidente, já se sabia dos preparativos para a operação há semanas. Horas antes de seu início, o líder soviético Leonid Brejnev enviou emissários às principais capitais ocidentais, entre elas Washington, para prevenir que a crise na Tchecoslováquia era um problema exclusivo do lado comunista e não um ato hostil contra a OTAN. Às 23h locais, 200 mil soldados entraram no país. Logo depois, este número aumentaria para 600 mil, em contingentes procedentes da República Democrática Alemã (RDA), Hungria, Bulgária, Polônia e, principalmente, da então URSS. Em seu livro "A Tchecoslováquia desde a Segunda Guerra Mundial", Tad Sczulc escreveu que os poderosos radares da Otan não alertaram os EUA sobre a invasão, devido a uma interferência eletrônica dos soviéticos. Os EUA souberam da invasão apenas horas mais tarde, através de uma agência de notícias. Em Praga, afirma-se que a maior operação militar da Europa no pós-guerra não poderia ter escapado à vigilância dos aviões U2, aos satélites-espiões ou às escutas dos serviços de espionagem da Otan. "Em plena Guerra Fria e ainda sob (o Tratado de) Yalta, o Ocidente não queria ter nada a ver com nosso combate. Estávamos novamente sozinhos na adversidade, como em setembro de 1938, em Munique, contra Hitler", declarou o filósofo Edvard Goldstuecker, ex-presidente da Associação dos Escritores da Tchecoslováquia. "Por que em agosto de 1968 o Ocidente deveria sair em defesa de alguns idealistas que queriam reformar o comunismo contra a hegemonia soviética?", perguntou. A seu ver, "o Ocidente só via nisso a oportunidade de enfraquecer o campo soviético". A luta dos tchecos e dos eslovacos da época não tinha o caráter anticomunista da rebelião húngara de 1956, também abafada pelos tanques soviéticos. "Na Tchecoslováquia, queríamos democratizar o comunismo", lembra Goldstuecker. A Primavera de Praga começou em 6 de janeiro de 1968, com a destituição do chefe do Partido Comunista Tcheco (PCCH), Antony Novotny, substituído por Alexander Dubcek, de 46 anos, que logo se tornaria o símbolo de novos tempos. Dois meses mais tarde, Novotny também foi retirado da chefia do Estado pelo general Ludvik Svoboda, chefe das tropas tchecas no Exército Vermelho durante a guerra. O programa dos reformistas, especialmente a eliminação da censura, despertou entre os dirigentes soviéticos, poloneses e alemães orientais "uma inquietude próxima do pânico", escreveu François Fejto em sua "História das democracias populares". Temendo o "poder do contágio", a RDA denunciou, em maio de 1968, a "contra-revolução" de Praga. Em julho, os radicais Alois Indra e Vasy Bilak, da direção do PCCH, e alguns outros "traidores" enviaram a Brejnev uma carta, pedindo a intervenção do Pacto de Varsóvia na Tchecosolováquia. No início da invasão, que encontrou apenas a oposição da Romênia, Dubcek e outros dirigentes foram presos pelo Exército Vermelho. Mas o plano de levá-los a um tribunal popular e de instalar um governo interino fracassou, diante das manifestações populares e da imprevista resistência do general Svoboda. Os líderes da Primavera de Praga foram levados ao Kremlin e obrigados a assinar o "Protocolo de Moscou", que deixou a Tchecoslováquia sob a tutela de Moscou e ratificou a ocupação soviética. Para Edvard Goldstuecker, "a Primavera de Praga foi a última tentativa de reformar o comunismo. A invasão foi a morte anunciada do marxismo-leninismo" que chegaria, na prática, cerca de 20 anos depois.

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