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Agosto de 68 na Tchecoslováquia: "um verão lindo demais para acabar bem"

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postado em 18/08/2008 13:10
PRAGA - O ex-dissidente e presidente tcheco Vaclav Havel, um dos artífices da queda do comunismo em Praga em 1989, se recorda perfeitamente do mês de agosto de 1968, quando participou da resistência contra a ocupação da Tchecoslováquia pelas tropas soviéticas. "Naquele verão eu estava cheio de esperança e de alegria, com meus amigos. Entre eles, o ator Jan Triska, que dizia que aquele era um verão lindo demais para acabar bem", contou em entrevista. Na época, Vaclav Havel tinha 31 anos e já era conhecido como autor de teatro do absurdo. Na madrugada de 20 para 21 de agosto, quando os tanques do Pacto de Varsóvia entraram para esmagar as reformas da "Primavera de Praga" lançadas pelo líder thecoslovaco Alexander Dubcek, Vaclav Havel estava em Liberec, noroeste do país. Nessa cidade, de 100.000 habitantes, passou uma semana para participar ativamente da resistência. "Quando os tanques das forças de ocupação chegaram à cidade, fizeram um grande massacre na praça em que o povo estava reunido", contou Havel. Em Liberec, 11 pessoas morreram nas primeiras horas da ocupação. "Vi um tanque disparar. Dentro havia meninos espantados que não sabiam onde estavam, nem por quê", acrescentou o ex-presidente tcheco. "Logo depois disso, passamos a fazer parte da resistência, eu e Jan Triska. Eu escrevia comentários todos os dias para a rádio regional e fundei o círculo de escritores independentes, ou seja, não comunistas", disse Vaclav Havel. "Sempre tínhamos que nos esconder, então colocamos barreiras de cimento em frente à rádio de Liberec para tentar impedir possíveis assaltos. Conseguimos cartões de operários para, eventualmente, poder nos esconder numa fábrica", lembrou Havel. "Foi uma época fascinante, marcada pela solidariedade universal", recordou Havel, presidente de 1989 a 2003, após a queda do comunismo. "Diante da prefeitura havia um grupo de hippies que cantava 'Massachusetts' e outras músicas. O primeiro dia da ocupação, seu chefe, apelidado de 'Cura', foi ver o prefeito e lhe disse: 'chefe, estamos à sua disposição. O que temos que fazer?'. Pediram para tirar os nomes das ruas para que os invasores não pudessem se orientar na cidade", acrescentou Havel. Ao final de uma semana, Dubcek e outros reformistas, enviados como prisioneiros na União Soviética, terminaram por assinar protocolos que enterravam toda a esperança de mudança em nome da lealdade ao Kremlin. "A semana de nossa resistência terminou com a volta de Dubcek de Moscou", disse Havel, que junto com outros resistentes de Liberec foi "muito crítico com relação aos protocolos". "As duas décadas seguintes foram marcadas, segundo Havel, por uma forte desmoralização da sociedade". Alguns escolheram a emigração, como Jan Triska, que foi para os Estados Unidos. Havel decidiu ficar e ser dissidente, uma escolha que pagou com cinco anos de prisão. "Depois, veio a Revolução do Veludo de 1989, e tudo já era diferente, porque o povo não queria um socialismo de rosto humano, mas a liberdade", declarou.

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