Os cientistas que conseguiram reprogramar células normais do pâncreas, transformando-as em células produtoras de insulina, consideram o avanço importante, mas defendem as pesquisas com células-tronco embrionárias. Em entrevista exclusiva ao Correio, por e-mail, o norte-americano Douglas Melton e o chinês Qiao Zhou, especialistas do Stem Cell Institute (Instituto de Células-Tronco) da Universidade de Harvard, explicaram que a técnica pode ser útil no tratamento do diabetes e abrir espaço para a cura de uma série de doenças no futuro.
Como o senhor reprogramou as células adultas dentro de animais? Qual é o significado de converter células maduras em células produtoras de insulinas?
DOUGLAS MELTON: As células foram reprogramadas usando-se vírus para insertir três fatores de transcrição (genes) no pâncreas do rato. Ao optar por uma reprogramação direta de um tipo de célula madura em outra, nós evitamos que ela retornasse ao estado pluripotente, e então descobrimos como induzir aquelas células pluripotentes a se diferenciarem no tipo de célula que desejamos. A descoberta não foi acidental. Veio ao fim de dois anos e meio de um trabalho duro e cuidadoso. Nós transformamos células exócrinas, que são cerca de 95% do pâncreas, em células produtoras de insulina, que perfazem cerca de 1% do órgão.
QIAO ZHOU: Usamos adenovírus, que são um tipo de vetor de genes aprovado, para levar três genes reguladores para dentro de um rato adulto, por meio de injeção. Para produzir as células beta secretoras de insulina a partir de células-tronco é preciso seguir dois processos. Em primeiro lugar, as célula-tronco tem de ser criada por meio de sua extração de um embrião ou por meio da reprogramação das células da pele. Isso é então seguido por um segundo passado de diferenciação das células pluripotentes em células beta. Nossa pesquisa mostra que a conversão de células adultas em células beta pode ser reduzida a um único passo.
Que impactos sua pesquisa terá sobre as pesquisas com células-tronco e o desenvolvimento de terapias contra doenças?
D.M.: Esse trabalho fornece aos pesquisadores um terceiro método ; além do uso das células-tronco embrionárias ou das células pluripotentes induzidas (iPS) ; para tentarem desenvolver tratamentos de doenças. Também aumenta nossa compreensão sobre o desenvolvimento e o controle das células.
Q.Z.: Nosso estudo abre um diferente modo de gerar novas células, que pode ser usado no tratamento terapêutico de uma varidade de doenças. Nossa pesquisa é complementar, mas não alternativa, às estratégias baseadas em células-tronco.
A técnica que o senhor desenvolveu poderá ser usada para fabricar insulina em pacientes com diabetes?
D.M.: Isso pode eventualmente se provar muito útil no tratamento da diabetes tipo 2, mas, antes, poderia ser usada largamente no tratamento da diabetes tipo 1 ; uma doença autoimune. Será necessário descobrir como evitar que o sistema imunológico ataque as células produtoras de insulina. Antes que esse método possa ser usado para tratar pacientes, precisamos substituir os vírus com os quais inserimos os fatores de transcrição por substâncias químicas.
Q.Z.: Em princípio, as novas células produtoras de insulina deveriam ajudar a fornecer insulina. Nós enfatizamos que esse estudo é uma prova do estudo de princípios em ratos. Há muitos assuntos que precisam ser resolvidos antes de essa técnica ser transformada em terapias em humanos.
Como será possível usar essa técnica para doenças específicas, como derrame e problemas cardíacos?
D.M.: Eu não vejo uma aplicação óbvia de nossas descobertas para o derrame, mas algum dia ela pode ser usada para gerar células do músculo cardíaco danificadas pelo enfarte.
Q.Z.: Ela deve tornar possível, por exemplo, converter outras células abundantes no cérebro e no coração, tais como células gliais no cérebro, e células não-musculares no coração, em neurônios e músculos cardíacos. Essas novas células deveriam ajudar a reparar os danos e repovoar esses órgãos com neurônios e músculos cardíacos que morreram durante o derrame ou o enfarte.
Sua pesquisa deve encerrar preocupações éticas sobre o uso de células-tronco embrionárias?
D.M.: As células-tronco embrionárias são o "padrão dourado" para pesquisas em biologia regenerativa. Se vamos realmente entender os processos das doenças, e desenvolver tratamentos eficientes, então precisaremos trabalhar com células-tronco embrionárias, células iPS e reprogramação direta. Esse novo método não é um substituto para o uso de células-tronco embrionárias humanas; é um método para ser usado em adição às células-tronco embrionárias humanas.
Q.Z.: O novo método amplamente usado para gerar as células-tronco embrionárias, que é a reprogramação das células da pele, carrega pequenas preocupações éticas. Nossa pesquisa não envolve células-tronco e é complementar a pesquisas baseadas em células-tronco.