postado em 06/09/2008 09:03
A cada 600 nascimentos, um bebê apresenta as características da síndrome de Down: baixa estatura, flacidez muscular, pescoço curto e grosso, olhos com linha ascendente e comprometimento intelectual. A doença, descrita em 1866 pelo médico britânico John Langdon Down, somente agora começa a ser decifrada pela ciência. Pesquisadores da Faculdade de Medicina Barts and the London, com sede em Londres, e de um consórcio envolvendo mais quatro países (Estados Unidos, Austrália, Espanha e Suíça) descobriram que as células-tronco embrionárias de ratos ; estruturas capazes de se transformar em qualquer tipo de tecido ; sofreram uma alteração provocada pela cópia extra do cromossomo humano 21.
;Nós concluímos que o cromossomo 21 extra perturba um gene regulador importante, o NRCF ou Rest. Por sua vez, esste gene também altera toda uma cascata de genes responsáveis pelo controle do desenvolvimento normal das células-tronco embrionárias;, explicou ao Correio o croata Dean Nizetic, professor de biologia molecular e celular e autor da pesquisa publicada na revista científica American Journal of Human Genetics. ;A dose elevada do gene DYRK1A no cromossomo 21 parece ser o fator desencadeador dessas mudanças.;
Os cientistas também não sabiam por que pacientes em que apenas 15% das células apresentam trissomia (aberração) do cromossomo 21 ainda assim desenvolvem todos os sintomas da síndrome de Down. ;Isso significa que os sintomas surgem em um estágio muito primitivo do desenvolvimento, antes mesmo de o terceiro cromossomo se perder das divisões da maior parte das células;, comentou Nizetic.
O professor croata reconhece que a medicina tem um longo caminho pela frente até encontrar soluções para prevenir o surgimento do distúrbio. ;Estamos apenas no início da compreensão dessa cadeia de eventos;, disse. ;Mas já podemos dizer que múltiplos genes do cromossomo 21 contribuem com essa sucessão de alterações de modos específicos, o que faz com que a origem da doença afete vários órgãos.;
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Confira entrevista com Dean Nizetic
O cientista croata Dean Nizetic acaba de revelar as mudanças nos primórdios do desenvolvimento que levam à Síndrome de Down. Alterações nas células-tronco embrionárias são provocadas pela presença de uma cópia extra do cromossomo 21. O "cromossomo invasor" interfere em um gene chamado Rest, que então atrapalha uma cascata de outros genes que controlam o desenvolvimento normal das células-tronco embrionárias. Em entrevista ao Correio, Nizetic falou sobre a pesquisa e a perspectiva do desenvolvimento de terapias contra a Síndrome de Down.
O senhor encontrou a assinatura genética da Síndrome de Down? Qual é a ligação do cromossomo 21 extra com a doença?
Esse trabalho utiliza o único modelo transcromossômico, um rato com um cromossomo humano 21 supernumerário (extra). Nossa pesquisa mostra mudanças precoces no desenvolvimento, provocadas pelo cromossomo 21 extra, em células-tronco embrionárias (células que de qualquer forma são capazes de gerar todos os tipos de célula e organismo). Descobrimos que o cromossomo 21 extra perturba um gene regulador importante, chamado NRF ou Rest. Por sua sua vez, ele perturba toda a cascata de outros genes que controlam o desenvolvimento normal do estágio das células-tronco embrionárias. Temos identificado um gene (chamado de DYRK1A) no cromossomo humano 21, cuja overdose na trissomia é responsável pelos efeitos observados.
Podemos afirmar que as bases da Síndrome de Down são as alterações genéticas dentro das células-tronco embrionárias?
Temos encontrado na literatura raros relatos dos chamados pacientes com Síndrome de Down mosaica, na qual apenas 15% de todas as células adultas apressentam trissomia, e 85% são normais, e ainda assim a pessoa apresenta todos os sintomas de Síndrome de Down. Isso significa que os sintomas aparecem em um estágio muito inicial do desenvolvimento, antes que o terceiro cromossomo se perdeu das divisões da maior parte das células. Por isso, acreditamos que as mudanças devem ser observadas nos primórdios do desenvolvimento.
Qual é a real função da trissomia no cromossomo 21 dentro da cadeia de eventos que levam à doença?
Estamos apenas no início da compreensão dessa cadeia de eventos. Nós já podemos dizer que múltiplos, provavelmente não todos, os genes do cromossomo 21 contribuem para essa cadeia de eventos de modos específicos. A origem da doença afeta múltiplos sistemas do órgão.
Que impactos o senhor acredita que a pesquisa terá sobre a prevenção? A ciência será capaz de criar mecanismos que revertam essas modificações genéticas?
A Síndrome de Down é causada por uma herança aberrante de uma cópia extra de um cromossomo 21 perfeitamente normal (estado genético conhecido como trissomia 21). Ela pertence ao grupo de doenças chamadas de "aneuplóides", definidas pelo ganho ou perda anormal de material genético, como fragmentos de cromossomos ou cromossomos inteiros. Todas as células do câncer estão no estado de aneuploidia. Várias formas de retardo mental e atraso no desenvolvimento são causados por aneuplóides, muitas dos quais ainda estão no processo de serem descobertas. Os aneuplóides provocam anomalias congênitas que são a principal causa de mortes de bebês nos Estados Unidos e na Europa. O número de pessoas com Síndrome de Down na Europa já passa de meio milhão. Os portadores de Síndrome de Down desenvolvem sinais do mal de Alzheimer muito mais cedo que outras pessoas, mas são protegidas de tipos comuns de câncer, com exceção das leucemias pediátricas. A maior parte dos defeitos associados à Síndrome de Down e outras aneuplóides ocorre durante o desenvolvimento intra-uterino, resultado em abortos espontâneos. A Síndrome de Down é mais comum do que a combinação de distrofia muscular e fibrose cística, mas as possibilidades de desenhos de novos conceitos terapêuticos são atrapalhadas pelo fato de que o cromosso 21 humano (contendo cerca de 300 genes) ainda precisa ser dissecado em contribuições individuais dos genes para os sintiomas da Síndrome de Down. Nosso trabalho apenas revelou as conseqüências moleculares de um desses genes.
Quais serão os próximos passos da pesquisa?
Muito mais pesquisa é necessária nos componentes da cascata genética alterada, mas esperamos que novos estudos levem a pistas para o desenho de novas técnicas terapêuticas, obstruindo o atraso de desenvolvimento, o retardo mental, o envelhecimento e a regeneração das células do cérebro. Em outras palavras, esperamos que nosso trabalho abra novas rotas para impedir desordens de saúde.