A Igreja Católica anunciou nesta terça-feira que considera a teoria da evolução das espécies compatível com a Bíblia, mas não planeja um pedido de desculpas póstumo ao cientista britânico Charles Darwin. Em entrevista ao Correio, por e-mail, o padre italiano Joseph Fessio e o reverendo irlandês Vincent Twomey condenaram a visão evolucionista apregoada por Darwin para explicar a criação do mundo. Segundo eles, a questão é muito mais filosófica do que religiosa e tem sido usada por fundamentalistas protestantes norte-americanos como ferramenta de radicalização de discurso contrário à ciência.
O Vaticano aceitou a teoria da evolução como compatível com a Bíblia, mas não pretende se desculpar com Charles Darwin. Como o senhor vê isso?
JOSEPH FESSIO: O catequismo da Igreja Católica oferece uma "catequese da criação", que não fala diretamente da evolução. Há muitos significados para a palavra "evolução". Algumas são compatíveis com os ensinos da Igreja Católica e outras não. Qualquer teoria que exclua ou considere desnecessário um agente sobrenatural transcendental da origem e da continuação do universo material contradiz o ensinamento católico. Mas essa teoria não seria também científica, mas filosófica. A ciência, com a autolimitação de seu próprio método, apenas trata do que é quantificável, empírico e mensurável. Apenas pode investigar o processo dentro da natureza. Qualquer questão sobre uma realidade para além do empírico pertence à filosofia, não à ciência. É possível, filosoficamente, concluir que a existência do sobrenatural (Deus) advém da ordem, da beleza e da existência da natureza. Como nada pode ser ou permanecer separado de Deus, não pode haver evolução "sem Deus". Os cientistas corretamente tentam entender os mecanismos físicos envolvidos. O filósofo busca entender a relação entre um Deus criador e um provedor externo, mas presente em tempo e espaço, e o mundo material criado. Ao alegarem que mutações aleatórias ou a seleção natural são suficientes para explicar a origem da vida e do homem, Darwin e os darwinistas se opõem não apenas à Igreja Católica, mas também à filosofia.
VINCENT TWOMEY: A teoria científica da evolução, como foi refinada no século passado, tenta explicar como o processo de criação ocorreu. A Bíblia (e, por conseqüência, a Igreja) ensina-nos por que há criação em tudo. Por isso os seres humanos devem amar e servir a Deus. A Igreja não tem que pedir desculpas a Darwin. A Igreja freqüentemente se opôs ao darwinismo, uma filosofia baseada na teoria da evolução, que tentou projetar o princípio da "sobrevivência do mais saudável" à esfera política e então justificou movimentos de eugenia e ideologias como o nazismo e o marxismo. A Igreja rejeita uma compreensão materialista da realidade que algums filósofos, tais como Max, lêem na teoria científica, que transformaram o espírito (inteligência e vontade) em produto da matéria. A Igreja simplesmente ensina que "no início era o Verbo", isto é, a razão, o significado, o amor, fora do qual a criação foi formada, e nada mais. A teoria científica da evolução tem sido bastante ajustada nas últimas décadas, ajudando muitos cientistas a reconhecerem a realidade como inteligível e divina.
De acordo com o arcebispo Gianfranco Ravasi, as teorias de Darwin nunca foram condenadas pela Bíblia, e os livros do naturalista jamais foram banidos pela Igreja Católica;
JF: A evidência para a seleção existe. Não é possível para a ciência saber com certeza que qualquer evento é "aleatório". No nível filosófico, isso é uma contradição, apesar dos apelos à mecânica quântica. Mas não há pistas de qualquer transformação de uma espécie a outra.
VT: Eu não estou ciente de nenhuma condenação dos livros de Darwin por parte da Igreja. A teoria da evolução é sempre vista como uma hipótese científica, não uma asserção de fé.
Como a religião encara criacionismo e evolucionismo? Uma teoria exclui a outra?
JF: Algo que a fé católica faz é defender a razão e apontar suas limitações. Deus é extratemporal. Ele não criou o mundo no passado (Big Bang) e então assistiu como desenvolveu-se. Seu ato de criação comporta todo o tempo. Qualquer desenvolvimento dentro do tempo é parte do ato criativo eterno de Deus. O mundo é uma dança cósmica.
VT: O criacionismo não é uma crença católica. É o produto de fundamentalistas protestantes nos Estados Unidos. Eles vêem a teoria da evolução como contraditória ao texto literal do livro Gênesis, que é especialmente absurdo, já que ignora o seu gênero literário. Aqueles que mantêm o criacionismo estão ansiosos em ver sua interpretação literal não ser ensinada apenas nas aulas de religião, mas também nas de ciência. Isso é igualmente absurdo, pois confunde fé e ciência.