postado em 20/09/2008 12:28
Após três semanas de ações violentas, que resultaram na morte de pelo menos 18 pessoas, governo e oposição na Bolívia finalmente tentam uma solução negociada para a crise - num diálogo no qual poucos analistas apostam. Num cenário otimista, diante de posições tão antagônicas, um acordo no qual os dois lados façam custosas concessões poderá adiar por alguns meses o próximo período de tensão.
Quando Evo Morales chegou ao poder, em 2006, a Bolívia via ali a esperança de um fim para décadas de instabilidade política. O presidente indígena, representante de grande parte da população, dizia ter um projeto para "refundar" e unir novamente a Bolívia. No entanto, apesar do apoio de mais da metade dos bolivianos e de boa parte da comunidade internacional, fica a dúvida: por que Evo não consegue tirar o país da crise?
"Apesar do grande apoio popular e dos 67% de votos que obteve no referendo revogatório de 10 de agosto, Evo não conseguiu trazer união para o país porque insistiu no processo de mudança radical", afirmou ao Estado o cientista político Carlos Cordero, da Universidade Mayor de San Andrés. "Processos de mudança democráticos são lentos e complicados e Evo insistiu em reformas rápidas, que tivessem efeitos imediatos, e essa imposição causou a resistência no país, que já deixou claro que rejeita imposições."
Cordero afirma que o grande erro de Evo foi ter convocado por decreto o referendo sobre a futura Constituição para 7 de dezembro. "O governo quis apressar a aprovação do texto", disse. "Assim, perdeu o verniz democrático e começou a enveredar pelo caminho do autoritarismo." Logo após o anúncio do presidente, a oposição - formada pelos Departamentos (Estados) de Santa Cruz, Tarija, Beni e Pando - deu início à série de protestos que deixou o país à beira de uma guerra civil.
"A Bolívia tem divisões históricas estruturais e complexas, e isso não permite decisões impulsivas", disse o analista Gonzalo Chávez, da Universidade Católica Boliviana, em La Paz. "Apesar da trégua, ainda há um longo caminho a percorrer até atingirmos a estabilidade política."
Os presidentes costumam exercer o poder por pouco tempo. "Aqui, os líderes têm um período que dura de três a quatro meses sem crises, como se fosse uma lua-de-mel, mas depois a situação sempre piora", disse Cordero. Entre a independência, em 1825, e o fim da última ditadura, em 1982, os bolivianos viram 193 golpes de Estado, incluindo aí os frustrados. Em média, o presidente ocupa o cargo por apenas dois anos e um mês - desde 2001, seis líderes já ocuparam o Palácio Quemado. Analistas afirmam que apesar de a situação ter atingido níveis críticos nos últimos dias, a crise ainda pode piorar.
INFLUÊNCIA VENEZUELANA
Segundo especialistas, se as relações entre Evo e Hugo Chávez não fossem tão explícitas, o líder boliviano ganharia mais apoio interno no país. A "irmandade revolucionária" compartilhada pelos dois, além dos milhões de dólares enviados a Evo por Chávez desde a posse do boliviano em 2006, dá à oposição autonomista munição para acusar a Venezuela de ingerência nos assuntos internos. O comandante das Forças Armadas bolivianas, general Luis Trigo, chegou a pedir à chancelaria da Bolívia que enviasse uma nota de protesto a Chávez por suas declarações de que apoiaria uma ação armada no país, se Evo fosse derrubado por um golpe.
No auge da crise, o jornal boliviano La Razón lamentou que Evo continuasse tão próximo de Chávez, afirmando que "o presidente boliviano tem uma imagem internacional melhor que a do venezuelano". "Evo tem de dar-se conta de que as declarações de seu amigo Chávez não trazem benefícios, apenas prejudicam seriamente o clima de paz que faz tanta falta nesses dias de fúria", afirmou o jornal.
Um distanciamento, porém, parece improvável. "A Evo não interessa pôr fim aos laços com Chávez porque a Bolívia depende economicamente da Venezuela", disse Cordero. "Além disso, os dois presidentes são amigos e têm afinidades políticas e ideológicas."