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Aids surgiu bem antes do que se imaginava

Pesquisa revela que o vírus HIV-1 começou a infectar o homem entre 1884 e 1924. Epidemia teve início com expansão de cidades na África

postado em 02/10/2008 07:50
O subtipo mais comum do vírus da Aids surgiu bem antes do que a medicina imaginava e a pandemia se moldou com a crescente colonização da África colonial. O norte-americano Michael Worobey, professor de biologia evolucionária da Universidade do Arizona, descobriu que o HIV-1 começou a infectar seres humanos em algum momento entre 1884 e 1924 ; até então, acreditava-se que ele tivesse surgido na década de 1930. O surgimento das cidades propiciou comportamentos de alto risco, uma condição básica para a disseminação da doença. ;Fomos capazes de recuperar vários pequenos fragmentos de HIV-1 a partir de amostras de tecidos de linfonodo embebidos em parafina, datados de 1960, para produzir uma nova fotografia da epidemia de Aids em seus primórdios;, afirmou Worobey ao Correio, em entrevista por e-mail.

Para chegar a essa conclusão, o especialista e sua equipe confrontaram a amostra retirada de uma soropositiva de Kinshasa, na República Democrática do Congo, com uma seqüência viral de 1959. ;A comparação revelou que o número de diferenças genéticas entre as duas seqüências de genes levou mais de 40 anos para se desenvolver;, explicou à reportagem a epidemiologista Rosemary McKaig, da Divisão de Aids do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (Niaid), com sede em Maryland (Estados Unidos). ;Isso significa que o único ancestral comum desses dois vírus já existia por volta de 1900;, acrescentou.

De acordo com Worobey, é possível calibrar a taxa evolucionária do HIV por meio da análise de amostras coletadas ao longo de muitos anos. ;Ao inferirmos essa taxa, retrocedemos no tempo e chegamos à época de surgimento do ancestral do HIV-1;, contou o cientista, cujo estudo foi publicado ontem na revista científica Nature. O estudo revela ao menos três detalhes sobre o comportamento do subtipo pandêmico do HIV-1. Em primeiro lugar, a pesquisa prova que o vírus não se espalhou por muitas décadas. ;Ele surgiu no início do século 20, mas não se tornou pandemia global até 70 anos depois;, disse Rosemary. Em segundo lugar, o HIV-1 só ganhou status epidêmico no Centro-Oeste da África após o florescimento das primeiras cidades. Por fim, o vírus se diversificou em subtipos geneticamente distintos, por volta de 1960, em uma região pequena ao redor de Kinshasa.

Benefícios
Worobey acredita que o estudo possa mostrar quais mudanças realizadas pelo homem ajudaram a estabelecer a epidemia. ;É uma lembrança de que podemos criar outras transformações para fazer o caminho inverso e levar o HIV-1 à extinção;, declarou o biólogo evolucionário. Mas a especialista do Niaid, um dos mais respeitados centros de pesquisa dos Estados Unidos, vê uma série de outros benefícios na descoberta do colega. ;Se houver espécimes adicionais de tecido humano preservado no Centro-Oeste da África e que contenham cópias do HIV-1 antes de 1959, isso ajudaria os cientistas a aprender mais sobre como a pandemia se desenvolveu e a antever as mutações futuras do vírus;, comentou Rosemary McKaig.

Esses espécimes também revelariam quais partes do genoma do HIV-1 original foram conservados ao longo do tempo. ;Tais genes codificariam proteínas importantes para a sobrevivência do próprio vírus;, disse a epidemiologista norte-americana. ;Se essas regiões forem identificadas, seriam excelentes alvos para novas drogas ou vacinas.; Além disso, Rosemary explica que a compreensão de como o vírus se desenvolveu no passado pode dar à medicina uma visão sobre a maneira com que o HIV-1 é capaz de criar resistência aos atuais coquetéis de medicamentos.

Algumas pesquisas mostram que o HIV ;saltou; dos chimpanzés para os homens ; provavelmente caçadores ; no sudeste de Camarões. A epidemia entre humanos provavelmente começou na República Democrática do Congo, antigo centro colonial da Bélgica, e se espalhou para República Centro-Africana, Congo, Gabão e Guiné Equatorial. Apenas em 1981 os especialistas deram-se conta do que estava ocorrendo. ;Ainda há muitos trabalhos interessantes que podemos fazer. Temos várias amostras para analisar e esperamos recuperar mais DNAs do vírus;, concluiu Worobey.

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