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Chefe da Scotland Yard não suporta pressão e renuncia

Acusado de proteger os policiais que mataram o brasileiro Jean Charles de Menezes, Ian Blair entrega cargo. Família do eletricista comemora

postado em 03/10/2008 07:46
Passava das 15h (meio-dia em Brasília) de ontem quando mais uma sessão do inquérito sobre a execução do brasileiro Jean Charles de Menezes foi suspensa para o intervalo. Dessa vez, o bom humor da quase sempre sisuda advogada Gareth Peirce ; cuja história foi retratada no filme Em nome do pai ; surpreendeu o motoboy Alex Pereira, primo do eletricista assassinado em 22 de julho de 2005. Ele só se deu conta do que havia ocorrido ao ser informado por uma jornalista britânica sobre a renúncia de Ian Blair, chefe da Polícia Metropolitana de Londres (Scotland Yard). Na quarta-feira, o comissário teve uma tensa reunião com o prefeito conservador Boris Johnson, que o convidou a se retirar do cargo. Sem escolha, Blair reuniu a imprensa e, mantendo o olhar baixo, anunciou a decisão de entregar o posto em 1; de dezembro. ;Eu ofereci hoje minha renúncia como comissário ao Ministério do Interior, que de modo relutante, mas gracioso, aceitou-a;, afirmou. ;Sem o apoio do prefeito eu não creio que possa continuar esse trabalho. Renuncio ;, acrescentou. Durante três anos, Ian Blair comandou 31 mil policiais e foi acusado de obstruir o trabalho da Justiça no caso Jean Charles e de corrupção ; ele teria ajudado um amigo a se tornar alto oficial da polícia, em troca da promoção de sua imagem. Alex Pereira, primo de Jean Charles de Menezes analisa renúncia de Ian Blair Matozinho Otone da Silva, pai de Jean Charles de Menezes, fala sobre o filho Ainda que a saída do comissário não traga Jean Charles de volta, a família do eletricista mineiro se mostra aliviada. Em entrevista ao Correio, por telefone, da zona rural de Gonzaga (MG), o agricultor Matozinho Otone da Silva, de 69 anos, não poupou críticas ao oficial britânico. ;O Ian Blair devia ter prendido o Jean primeiro, o levado à delegacia para investigá-lo. Se ele tivesse culpa qualquer, que desse o castigo merecido;, afirmou. Com simplicidade e emoção, revela que o filho ;faz falta de minuto em minuto;. ;O que eu queria era o Jean vivo, concosco. Era um filho que a gente considerava demais em casa, e a população de Gonzaga gostava muito dele;, ressaltou. ;Não era santo, mas sabia conviver com as pessoas.; Matozinho espera que a Justiça cumpra seu papel e puna os policiais que confundiram o rapaz com um terrorista e o assassinaram com sete tiros na cabeça e um no ombro. Arrogância Em Londres, Alex Pereira aguarda hoje a chegada da tia Maria Otone de Menezes, de 62 anos. A mãe de Jean Charles foi convocada pelos advogados Gareth Pierce e Michael Mansfield para assistir ao inquérito público. ;A saída de Blair é a maior punição que ele poderia receber, pois ele nunca seria apenado por ter atrapalhado o curso da Justiça;, declarou Alex à reportagem. ;Ele não estará lá atrás (da cadeira), como todo-poderoso.; O primo do brasileiro assassinado lembra que o comissário foi obrigado a pedir desculpas. ;Foi uma humilhação para ele;, comemorou. O motoboy atacou a posição ;arrogante e abusiva; do chefe da Scotland Yard ao ;bater o pé; e dizer que não entregaria o cargo. ;Ele não é culpado pela morte do Jean, mas por sua conduta em aceitar as coisas erradas que aconteceram. Além disso, estava na posição de não punir os culpados e se isentou disso;, acrescentou. Alex não tem dúvidas de que a execução na estação de metrô Stockwell e a abertura do inquérito público contribuíram com o destino do homem forte da Polícia Metropolitana. Ian Blair foi o primeiro chefe da Scotland Yard a se demitir em mais de 100 anos. O último caso de renúncia na corporação ocorreu em 1890, quando James Monro reconheceu sua incapacidade em capturar a lendária figura de Jack, o Estripador ; o criminoso matou cinco supostas prostitutas entre 31 de agosto e 9 de novembro de 1888. Após dezembro, Blair vai embolsar uma pensão de R$ 11,4 milhões. Professor do Centro para Estudos da Justiça Criminal na Universidade de Leeds, o britânico Clive Walker admitiu ao Correio que o afastamento de Blair representa uma humilhação à Scotland Yard. ;Ian Blair afirmava que não tinha feito nada errado e que ficaria até o fim do seu mandato. Como o prefeito não tinha autonomia para demiti-lo, ele sentiu a pressão pública de que poderia perder controle da situação;, explicou. ;A renúncia é uma confirmação da necessidade de um novo gerenciamento da polícia londrina.; Selton Mello vive o mineiro O ator Selton Mello, de 35 anos, será Jean Charles de Menezes no filme Permissão para ficar (nome provisório), que conta a vida dos imigrantes brasileiros em Londres. Mello embarcou para o Reino Unido em 7 de agosto passado, onde realizou um laboratório, antes das filmagens: durante vários dias, manteve um contato mais próximo com os familiares e amigos do eletricista de Gonzaga (MG). Realizado pelas produtoras Mango Filmes e Já Filmes, o longa conta com um orçamento de R$ 8 milhões e recebe o apoio do órgão governamental UK Film Council. Boa parte da ação se foca na chegada a Londres de Vivian Figueiredo, uma das primas de Jean. A personagem, interpretada por Vanessa Giácomo, experimenta a transição da inocência ao sucesso em um país desconhecido. Alex Pereira, também primo de Jean Charles, é vivido pelo ator Luís Miranda. Memória: Trágico fim na estação de metrô Uma execução extrajudicial selou o destino de Jean Charles de Menezes, um brasileiro que temia ser morto em um atentado terrorista em Londres e acabou confundido com um extremista suicida. A morte do eletricista de 27 anos ocorreu 15 dias depois que a rede Al-Qaeda explodiu bombas em três vagões de metrô e dentro de um ônibus da capital britânica, matando 52 pessoas ; além dos quatro terroristas ; e ferindo 700. Na manhã de 22 de julho de 2005, policiais da Scotland Yard monitoraram um flat em Scotia Road, no bairro de Tulse Hill, o qual acreditavam ter ligações com os atentados. Os agentes viram Jean Charles sair do prédio e o seguiram até a estação de metrô Stockwell, acreditando estarem no rastro do homem-bomba Hussain Osman, suspeito dos ataques frustrados da véspera. Segundo testemunhas, o eletricista mineiro entrou na estação caminhando normalmente, mas os policiais alegaram que ele pulou a catraca e correu em direção ao metrô. Após Jean Charles ter se sentado dentro do vagão, os agentes o identificaram ;positivamente; como sendo o terrorista. O rapaz se levantou e foi atingido com sete disparos na cabeça e um no ombro. No dia seguinte, a Scotland Yard reconheceu que a vítima não tinha ligações com o complô extremista. Em 25 de julho, Ian Blair pediu desculpas à família do brasileiro, mas afirmou que a política do ;atirar para matar; não sofreria mudanças. O incidente provocou um mal-estar diplomático entre Brasil e Reino Unido, e o chanceler Celso Amorim exigiu investigação criterosa, ao denunciar uma ;execução sumária;. A Comissão Independente de Queixas contra a Polícia (IPCC) estudou o caso e denunciou graves erros cometidos pela Scotland Yard. Em 1; de novembro de 2007, a entidade foi declarada culpada por violar a Lei de Segurança e Higiene no Trabalho, durante a operação antiterrorista que terminou na morte de Jean Charles. Apesar de colocar a Polícia Metropolitana em descrédito perante a opinião pública, o veredicto não teve o peso de uma sentença criminal.

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