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Sob novo comando desde março, a guerrilha das Farc passa por reorganização

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postado em 04/10/2008 08:49
Passados seis meses, parece tomar forma a nova estratégia das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) para resistir à ofensiva militar incessante que fez de 2008 o ano mais difícil para a guerrilha em 44 anos de combate. Alfonso Cano, o intelectualizado antropólogo que assumiu no fim de março o lugar do lendário camponês Manuel Marulanda, ou Tirofijo, fundador das Farc, enviou em meados de agosto para os demais integrantes do secretariado (alto comando rebelde) uma mensagem de e-mail na qual sistematizou orientações para ;o renascer revolucionário das massas;. Em outras palavras, quase um guia de sobrevivência à guerra total declarada em 2002 pelo presidente Álvaro Uribe. A julgar pelos trechos do documento mencionados em reportagem do jornal El Espectador, Cano voltou a suas raízes na Juventude Comunista (Juco), nos anos 1970, quando já era reconhecido como leitor ávido de Lênin. Suas diretrizes para o ;pequeno exército do povo; ; como se referia carinhosamente às Farc uma década atrás, quando tinham o dobro dos atuais 10 mil combatentes ; têm o espírito de uma obra clássica do líder revolucionário russo: Um passo à frente, dois atrás. Depois de uma sucessão de golpes sofridos, incluindo a perda de mais dois dos sete integrantes do secretariado e vários comandantes de frentes guerrilheiras, além do resgate militar dos reféns que pretendia trocar por camaradas presos, a ordem imediata é preservar forças, retroceder às guerrilhas e recompor a cadeia de comando. ;Ele é um organizador da velha escola marxista-leninista, obcecado pela estrutura conspirativa desde quando dirigiu a Juco na clandestinidade, antes de ir al monte;, disse ao Correio um ex-comandado de Cano nos tempos de universidade. Sintomaticamente, a área sob seu cuidado direto, na região de Cali, foi das que menos sofreram. Ainda no mês passado, unidades do Comando Centro-Ocidental atacaram as tropas oficiais em uma pequena cidade do departamento do Cauca, por dois dias. Foi uma das poucas ações militares de iniciativa das Farc registradas nos últimos dois anos. Retrocesso O comandante das Forças Militares, general Freddy Padilla, reagiu com certo desprezo à reportagem do Espectador: alegou que a guerrilha ;está mais debilitada do que nunca e não tem condições de concatenar estratégias;. Em sua mensagem, Cano admite que o Exército ;ganhou espaço geográfico;. Mais ainda, faz a autocrítica pelo militarismo dos últimos anos e relaciona a ele os pontos de estrangulamento que diagnostica: ;Pela má utilização de nossos recursos sociais, também foi afetado nosso espaço político;. Na prática, o sucessor de Marulanda planeja uma reestruturação das Farc, das formações com centenas de guerrilheiros que dominavam vastas áreas do interior para pequenos grupos com grande mobilidade. ;Eles retrocederam a 40 anos atrás;, exagera o ministro da Defesa, Juan Manuel Santos, candidato potencial a suceder Uribe em 2010. Mas, como decorou na brochura leninista de um século atrás, Cano pensa também no próximo passo à frente. Fiel a sua origem, ele enfatiza a reinserção política da guerrilha em duas frentes: os milhares de camponeses deslocados pelo conflito, amontoados nas cidades; e os estudantes. Nos últimos meses, Bogotá e Cali sofreram atentados atribuídos às milícias urbanas das Farc. O governo denunciou infiltração dos rebeldes em uma greve de canavieiros que se prolonga. E as autoridades revelaram vídeos documentando campanhas de recrutamento realizados em universidades de várias regiões do país por jovens encapuzados, que se apresentam como militantes (clandestinos) do Movimento Bolivariano, criado pelo próprio Cano, em 2000, como contrapeso à militarização das Farc.

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