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Íntegra da entrevista com Martin Chalfie: cientista ataca política de Bush

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postado em 09/10/2008 07:56
Os cinco minutos de entrevista combinados logo foram triplicados. O entusiasmo, evidente na voz do norte-americano Martin Chalfie, impedia que a conversa seguisse o acordo. Por telefone, o cientista de 61 anos da Universidade de Columbia (Nova York) contou ao Correio que perdeu ontem o telefonema da Academia Real Sueca de Ciências e só percebeu que se tornou o novo Nobel de Química ao visitar o site da entidade. "Meu nome estava lá", afirmou, surpreso. A saga de Chalfie pela ciência começou sem a pretensão de ganhar um dos prêmios mais importantes da humanidade. Em 1994, ele publicou os experimentos sobre a ação da proteína fluorescente verde (GFP), extraída de uma espécie de água-viva, no corpo do verme Caenorhabditis elegans. A substância que brilha sob a luz ultravioleta ganhou novas utilidades, se tornou uma arma da medicina contra doenças como câncer e mal de Alzheimer. Além disso, permite que os cientistas acompanhem, em tempo real, complexos processos biológicos fundamentais. "É uma ferramenta muito poderosa para ver como um organismo vivo funciona", explica. Os 15 minutos de fama, como ele mesmo se referiu ao dia da premiação, permitiram que Chalfie falasse inclusive sobre política. Ele considerou "muito escasso" o apoio dado pela Casa Branca à ciência nos últimos oito anos ; tempo do governo de George W. Bush ; e prometeu assinar uma carta de apoio ao democrata Barack Obama. Ouça entrevista exclusiva em inglês com o Nobel de Química Martin Chalfie Como recebeu a notícia sobre a premiação do Nobel de Química? Eu acordei pela manhã, por volta das 6h10, e ouvi um barulho de telefone bem baixo. Pensei que fosse nos vizinhos. Alguma coisa aconteceu com nosso telefone, então nós não conseguimos escutá-lo bem. E eu não o ouvi quando aparentemente a Academia Real Sueca de Ciências me ligou. Eu me levantei e disse: "Oh, são 6h10, eles devem ter dado o Nobel de Química para outra pessoa". Então, eu acessei o site da Academia Nobel para ver quem ganhou (risos). E meu nome estava lá! O senhor esperava por isso? Você sabe. Temos tido tantas coisas maravilhosas que as pessoas têm feito na ciência durante todos esses anos. Algumas pessoas já chegaram até mim e disseram: "Nós realmente gostamos do que você tem feito! Você não acha que vai ser premiado?". Então; É claro que quando o mês de outubro se aproxima, você pensa sobre isso e diz: "Eles podiam estar certos, isso poderia acontecer". Você nunca diz: "Eu vou ganhar o Nobel neste ano". Isso seria um absurdo. Na verdade, você diz: "Hummm; Maravilha, seria legal se dessa vez fosse verdade". Quais são os princípios da pesquisa com a proteína fluorescente verde? Eu estava assistindo a um seminário com Paul Brehm (cientista da Universidade de Ciência e Saúde do Oregon). Ele citou essa proteína e essa foi realmente a primeira vez que ouvi falarem dela. Mas o trabalho que faço no laboratório a maior parte do tempo é com um um organismo muito pequeno, com 1mm de comprimento (o verme Caenorhabditis elegans). A genética desse animal foi objeto do Prêmio Nobel de Medicina em 2002 (para os americanos Sydney Brenner e Robert Horvitz e para o britânico John Sulston). Sabemos muito sobre esse animal. De fato, foi o primeiro a ter todo o DNA seqüenciado. A principal característica do C. elegans é a sua transparência. Eu percebi que poderíamos colocar essa proteína nas células e introduzi-las nesse animal, poderíamos vê-las dentro do animal vivo. Eu colaborei com um cientista realmente incrível, o dr. Douglas Prasher. Então, esse Nobel é um pouco amargo, porque Douglas Prasher foi quem realmente tornou tudo possível. Nós dois colocamos essa proteína em bactérias e vermes e funcionou (risos), conseguimos ver seu interior. A esperança é de que isso pudesse ser usado em muitos organismos, genes e proteínas. E as pessoas agora a pegaram para realizar coisas maravilhosas. Eu nunca pensei nisso. Muitas pessoas têm feito adaptações maravilhosas dessa proteína. De que modo essa substância fluorescente pode ajudar a medicina? Deixe-me dizer a real importância disso. A GFP nos permite enxergar dentro das células em funcionamento. Ela possibilita às pessoas assistirem à célula em tempo real. Isso as ajuda a estudar processos biológicos fundamentais, incluindo aqueles que têm ligação com doenças. Se realmente compreendermos os processos biológicos fundamentais das células, teremos uma nova percepção sobre os tratamentos. Essa técnica não significa necessariamente a cura, mas capacita as pessoas a terem um conhecimento que lhes permite chegar à cura. Deixe-me dar dois exemplos. Suponha que você seja um pesquisador interessado em descobrir como uma infecção por bactéria leva à doença. E você deseja saber o que acontece com as bactérias quando elas entram no corpo de um rato. Se você marcá-las com a GFP, verá para onde elas se encaminharão, onde a infecção ataca os pulmões, como essas bactérias se distribuem pelo corpo. O mesmo pode ser aplicado ao câncer e suas metástases. Você pode estudar o processo, não em seres humanos, e avaliar em que áreas as metástases estão ocorrendo. É uma ferramenta muito poderosa para ver como um organismo vivo funciona. Por que não aplicar a GFP diretamente no corpo humano em pacientes com câncer para estudar a doença instantaneamente? Eu não gostaria de fazer isso (risos). Eu me oponho à recomendação de usar pessoas. Como um meio de compreensão dos processos biológicos, há tantos organismos similares (que podem ser usados). Quando iniciou suas pesquisas o senhor imaginou que pudesse estar no caminho de um Nobel? Você sabe; Não acho que nenhuma pessoa faça um trabalho pensando que vai receber algum prêmio por ele. Você faz o trabalho porque você tenta responder a uma questão ou desenvolver um procedimento que será útil para outros cientistas. Há 14 anos, na época em que publiquei esse experimento, eu devo dizer, vivi a fase mais excitante. Vi que nossa idéia havia funcionado. Esse prêmio foi dado por um trabalho feito no passado. O que esse Nobel de Química significa para o senhor? Em primeiro lugar, foi muito gratificante obter o reconhecimento da Academia Real Sueca de Ciências e do Comitê Nobel. A outra coisa é que, ao menos por poucos minutos hoje, tive um monte de gente bastante interessante me telefonando e fazendo perguntas (risos). Nesses 15 minutos de fama ou o que quer que tenhamos aqui, certamente há coisas para falar. Uma delas que eu já lhe disse é a importância dessa proteína para as pesquisas básicas. Isso é um combustível para a indústria de biotecnologia e para descobertas na medicina. É uma ferramenta extremamente importante, que deve ser apoiada. A outra coisa que quero dizer é que, francamente, o Nobel me dá a oportunidade de dizer que o apoio dado pela Casa Branca aos cientistas tem sido muito escasso. Acredito que o reconhecimento aos três norte-americanos que levaram esse prêmio deve despertar as pessoas para a importância de o governo apoiar a pesquisa básica. Com as eleições próximas, os democratas seriam a melhor opção para estimular a ciência? Eu acredito que quando o vírus HIV foi descoberto 20 anos atrás tivemos um apoio inteligente e maravilhoso para as ciências biomédicas. Não sinto que tenhamos tido esse apoio nos últimos oito anos. Se você me perguntar quem estou apoiando; Eu estou definitivamente apoiando Barack Obama. Uma das primeiras coisas que fiz foi telefonar para um amigo que ganhou o Nobel alguns anos atrás e disse a ele que sabia de uma carta que eu posso assinar, como Prêmio Nobel, em apoio a Barack Obama. Porque eu acredito que essa seja a melhor forma de aumentar o incentivo à ciência. E o senhor assinará essa carta? Oh; Definitivamente; Tão logo eu saia do telefone (risos). Conquistar o Prêmio Nobel é o máximo que um cientista pode almejar. Depois disso, quais são seus planos? Como eu disse, esse é um prêmio dado para o que as pessoas fizeram no passado. Nosso trabalho foi publicado em 1994. Temos feito outros trabalhos e pesquisas desde então. Tenho muita esperança de continuar o trabalho que meu laboratório está fazendo para descobrir novas coisas. Como o senhor pretende celebrar essa conquista? Já pensou em como vai gastar o dinheiro? Em primeiro lugar, eu tenho alguns amigos e vou curtir com eles nos próximos dias. Em relação ao dinheiro, o meu primeiro artigo fala sobre genes reguladores. Se você usá-los para produzir a GFP, poderá obter a proteína. Eu vou gastar o dinheiro, mas antes de gastá-lo terei de falar com uma pessoa, que foi muito importante em meus experimentos. E essa pessoa é minha mulher. Ainda não pensamos realmente sobre isso.

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