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Progresso desigual na África

Histórias de sucesso político e econômico, como em Angola e Moçambique, e de dificuldades quase insuperáveis para o desenvolvimento, como na Somália e no Sudão, ilustram um continente dividido

postado em 09/10/2008 08:03
Duas realidades, duas Áfricas. O continente que já foi considerado ;perdido;, por conta da miséria e dos conflitos internos, se transforma neste começo de século e mostra uma outra face, com estabilidade política e crescimento econômico nunca vistos. Angola é um exemplo. O trânsito continua muito problemático, o saneamento básico ainda é precário, e a comunicação falha constantemente. Mas a quantidade de construções na capital, Luanda, impressiona. ;A coisa que você mais vê nas ruas são as gruas de construção. Só da janela do meu quarto eu contei nove. É uma coisa absurda a quantidade de gente trabalhando todo dia em obras de infra-estrutura;, conta, por telefone, o brasileiro Antônio Spíndola, 28 anos. Ouça: Antônio Spíndola fala sobre Angola O analista de sistemas saiu do Recife há dois anos, atrás de uma oportunidade de emprego em Angola. Seis anos depois da guerra civil, o país prospera e, neste ano, acabou com a hegemonia da Nigéria como maior produtor de petróleo da África. ;A transição para uma situação de pós-conflito pode gerar oportunidades econômicas positivas, como demonstra recentemente o caso de Angola, com a maior taxa de crescimento do mundo em 2007 (22,3%);, disse Patrícia Magalhães, do Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais de Portugal. Os angolanos estão cada vez mais perto da estabilidade econômica da África do Sul e Nigéria, líderes no continente. Antônio desenvolve softwares de sistema para os hospitais angolanos, para interligar os pacientes com Aids nas 18 províncias do país. ;Angola ainda é um lugar de ótimas oportunidades. Os angolanos estão animados com o crescimento econômico e têm uma receptividade muito boa com os brasileiros.; A falta de mão-de-obra faz as empresas estrangeiras procurarem por profissionais no Brasil. ;Os investimentos nas indústrias de mineração, imobiliária e energia têm reforçado rapidamente o papel do Brasil como um importante parceiro externo de Angola;, analisou Patrícia. Um outro país africano com estabilidade pós-conflito também conseguiu encantar os investidores estrangeiros e aumentar as oportunidades de negócio. ;Cerca de 30% da população da África vive em países que não têm petróleo e apresentam performances econômicas verdadeiramente notáveis (acima dos 4% anuais, nos últimos nove anos), sendo encabeçados por Moçambique;, explicou Patrícia. Para Zenaida Machado, 28 anos, editora da Rádio Moçambique, o país cresce, mas ainda não chegou à fase do desenvolvimento. ;Há cinco anos não víamos tanta gente com carros, por exemplo. Porém, se olharmos os pequenos detalhes que fazem a economia de um país, verificamos que esse crescimento ainda não se nota na vida de cada um;, contou a moçambicana por telefone. Embora o governo tenha começado a investir em educação e saúde, o grande problema ainda é o desemprego. Brasileiros têm sido cada vez mais requisitados para viver no país. ;São empregos de multinacionais que exigem uma mão-de-obra qualificada, inexistente em Moçambique;, explica Zenaida. O outro lado Enquanto Angola e Moçambique traçam o caminho do progresso, boa parte do continente africano ainda tropeça em problemas históricos. Por oito semanas, em agosto e setembro, o carioca David Oliveira de Souza, 32 anos, acordava no acampamento em Kambata (sul da Etiópia) e custava a acreditar. Mil pessoas desesperadas entravam na fila diariamente para serem atendidas no posto da organização Médicos sem Fronteiras. ;Na Etiópia, a gente vê o limite da vida, da sobrevivência;, relatou. Em 2000, cerca de 15 países africanos se encontravam em situação de guerra. Em 2007, o número caiu para cinco, o que permitiu a várias nações adotar políticas econômicas mais avançadas e melhorar o ambiente de investimento. O professor Alpha Houmar Diallo, coordenador do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário La Salle, de Canoas (RS), é do Senegal e está há 16 anos no Brasil. Ele apontou para o Correio quatro países que podem atrasar o desenvolvimento da África: Sudão, Zimbábue, Somália e Etiópia. ;É obvio que sem paz não há desenvolvimento. A solidariedade continental tem de ser melhorada;, explicou. ;A maioria dos minérios necessários para o desenvolvimento no mundo estão na África. A África não é pobre, os africanos sim.; David Oliveira de Souza ajudava, por dia, cerca de 600 crianças em estado grave de desnutrição. O critério para escolher se a pessoa seria atendida ou não era a medida da circunferência dos braços, o peso e a altura. ;Esse momento é muito difícil, porque algumas pessoas com fome a gente tem de mandar pra casa;, lembrou David. Histórias como a da menina desnutrida de 11 anos que enterrou os pais e caminhou com o irmão de 5 nas costas até o centro de atendimento impressionaram o brasileiro, que mora no Rio de Janeiro. ;É uma situação muito cruel. Os olhos não têm brilho, as crianças têm a cara triste, não têm energia.; A seca é a causa tanta devastação. O país vive da agricultura e todos os anos passa pelo mesmo problema. Os alimentos ficam escassos e o preço aumenta até 100%. ;Quando a situação se agrava, começa a marginalização e a comunidade entra em colapso. É um fenômeno muito silencioso;, explicou o médico. Desafio parecido ocorre na Somália, país comandado por um governo provisório e abrigo de terroristas. Sudão e Zimbábue completam a lista de nações mais problemáticas. O líder sudanês, Omar Al-Bashir, é acusado no Tribunal Penal Internacional (TPI) de genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra cometidos na região de Darfur, no oeste do país. O ditador Robert Mugabe comanda o Zimbábue há 28 anos e, nas eleições deste ano, seu governo foi acusado de minar a oposição com ataques violentos e tortura. O número 54% do Produto Interno Bruto da África Subsaariana corresponde apenas às riquezas da África do Sul e da Nigéria 34% da população africana vive em países com crescimento sustentável, onde o aumento do PIB foi superior a 4% nos últimos 10 anos 50,5 anos é a expectativa média de vida no continente africano, o mais devastado pela Aids no planeta

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