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Espanha rompe o "pacto de silêncio" 70 anos depois da Guerra Civil

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postado em 19/10/2008 17:05
A Espanha precisou de mais de 30 anos de democracia para romper o "pacto de silêncio" estabelecido depois da morte de Franco pelos inimigos da Guerra Civil, que, deste modo, pretendiam contribuir para a reconciliação nacional. O juiz espanhol Baltasar Garzón anunciou nesta semana sua competência para iniciar uma investigação sobre os "desaparecidos" da Guerra Civil espanhola e do franquismo, assim como pediu a abertura de várias valas comuns, entre elas a que contém os restos do poeta Federico García Lorca. Garzón se declarou competente para investigar os desaparecimentos durante o franquismo abrindo formalmente uma instrução sobre as milhares de vítimas da Guerra Civil esquecidas nas valas comuns. Esta decisão responde às demandas apresentadas por várias associações de famílias de vítimas republicanas para que a justiça investique o desaparecimento de seus parentes durante a Guerra Civil (1936-39) e a ditadura franquista (1939-75), localizando os corpos e esclarecendo as circunstâncias de sua morte. As denúncias também assinalam a "existência de um plano sistemático e pré-concebido de eliminação dos oponentes políticos a partir de assassinatos, torturas, exílio e desaparecimentos forçados de pessoas a partir de 1936, durante os anos da Guerra Civil e os seguintes do pós-guerra", segundo afirma o auto de Garzón, de 68 páginas. Ao fazer isso, o juiz decidiu, indo contra a opinião da promotoria, passar por cima da lei de anistia de crimes políticos aprovada em 1977, dois anos depois da morte de Franco para fechar feridas. Esta investigação, cujo futuro é bastante incerto do ponto de vista jurídico, constitui a última resposta das instituições espanholas a uma exigência cidadã bastante recente. Foi preciso esperar até o início dos anos 2000 para que algunas associações de famílias das vítimas colocassem em primeiro plano um debate que a Espanha moderna, próspera democracia integrada na Uniao Européia, acreditava ter definitivamente acertado durante a transição para a democracia. A Associação para a Recuperação da Memória Histórica (ARMH) foi a primeira a levantar a questão e há oito anos exuma valas e identifica os desaparecidos dessa época e, sem ajuda estatal, realizou a maior parte das 4.000 exumações praticadas em mais de 170 valas. Sob a pressão dessas associações, o governo do socialista José Luis Rodríguez Zapatero, neto de um combatiente republicano fuzilado, elaborou uma controvertida lei da Memória Histórica, que finalmente foi aprovada em 2007, e tem por objetivo reabilitar moralmente as vítimas republicanas e localizar e exumar desaparecidos. Sinal de que as feridas estão longe de fechar é que essa lei trouxe consigo uma grande polêmica e descontentamento em vários setores. A esquerda reprova o governo por não ter anulado os processos sumários dos tribunais franquistas, que foram declaraados apenas ilegítimos, e a direita acusa Zapatero de "reabrir inutilmente as feridas do passado". O decano da política espanhola, o senador Manuel Fraga, fundador do Partido Popular (PP, direita) e ex-ministro de Franco, classificou de "gravíssimo erro" e "disparate" a decisão de Garzón, alegando a anistia de 1977. Frente a isso, os cineastas espanhóis continuam retomando uma vez ou outra os dramas da Guerra Civil e do período franquista. Dois filmes de sucesso nacional estrearam este ano: "13 rosas", a história real de 13 meninas fuziladas pelos franquistas, e "Os girassóis cegos", que representará a Espanha na pré-seleção do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, sobre o drama de um casal de esquerdistas nos anos 40. Até o diretor Pedro Almodóvar anunciou que seu próximo filme se baseará nas memórias do poeta comunista Marcos Ana, que passou 23 anos na prisão sob a ditadura franquista.

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