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Paraguai: cerco aos brasiguaios

Camponeses sem-terra dão 72h para que governo comece a reforma agrária e ameaçam ocupar fazendas de brasileiros. Exercício realizado pelo Exército na fronteira aumenta a tensão entre os países

postado em 22/10/2008 07:56
A fronteira entre Brasil e Paraguai foi, durante muitos anos, um elemento de união entre os dois países marcados pela guerra na segunda metade do século 19. Agricultores brasileiros atravessaram a ponte para comprar terras e produzir do lado de lá. Enquanto os paraguaios vieram atrás de oportunidades aqui. Mas, nos últimos meses, o que uniu está separando. O clima de tensão cresce a cada dia, seja por uma operação do Exército Brasileiro na região fronteiriça (leia a matéria nesta página) ou pela invasão de agricultores sem-terra paraguaios a propriedades de brasiguaios. O movimento dos sem-terra exige que o governo de Fernando Lugo faça a reforma agrária, como foi prometido na campanha presidencial. A maioria dos produtores rurais é de estrangeiros, principalmente alemães e brasiguaios. Os brasileiros são acusados pelos camponeses de terem terras ilegais e de desmatamento. Armados e dispostos a se unirem em uma onda de invasões, eles deram prazo de 72 horas para o governo expulsar os brasileiros que não tenham escrituras legais de suas fazendas. ;O presidente Lugo não deve temer o Brasil, porque a terra é dos paraguaios;, afirmou ontem Elvio Benítez, dirigente do movimento camponês em San Pedro. Brasiguaio comenta a tensão no Paraguai ;Eu não tenho interesse de sair do Paraguai. O problema é que o governo paraguaio está sem pulso, dá uma certa insegurança;, contou ao Correio Márcio Castro Cunha, produtor brasileiro que está há 30 anos no país . Ele tem uma fazenda no departamento Canindeyú, divisa com o Paraná. Há alguns dias, camponeses estão acampados em frente à propriedade de Castro Cunha. ;Nós, estrangeiros, estamos em uma situação de impasse. Eles estão lá na minha porteira, mas a lei está do meu lado. Minha propriedade está dentro da legalidade.; Segundo o Instituto de Desenvolvimento Rural e da Terra (Indert), no momento há 30 assentamentos de sem-terra nos departamentos de Alto Paraná, San Pedro, Concepción e Canindeyú. ;O governo prometeu muita coisa na época de campanha e agora o presidente Lugo não toma atitudes para coibir essas invasões. Nós, estrangeiros, ficamos na insegurança;, lamentou Castro Cunha. Hoje, ele se reunirá com produtores paraguaios em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, para discutir a situação. ;Quem poderia nos ajudar é o governo do Brasil. Pode acontecer com a gente o que aconteceu no Equador e na Bolívia;, disse o brasiguaio, em referência à expulsão de empresários brasileiros dos países vizinhos. ;A gente está começando a perceber que a resposta do governo não vai chegar. Fizemos tudo o que podíamos fazer, dialogamos, assinamos um acordo e nada;, contou por telefone à reportagem Jorge Arévalos, coordenador do Movimento Sem Terra no Alto Paraná. Os camponeses na região ocuparam a fazenda de um brasileiro há mais de 2 meses. ;Muitas fazendas aqui são ilegais. Na escritura, as terras têm mil hectares, mas há produtores brasileiros que utilizam 2 mil hectares;, acusou Arévalos. Ele revelou que mais ocupações estão programadas para os próximos dias, e os protestos podem ser violentos. Segundo o coordenador do MST de Alto Paraná, há uma lista com o nome de 24 dirigentes do movimento ameaçados de morte. Mas quem seriam os mandantes? ;Os brasiguaios;, respondeu sem hesitar. Os assassinatos estariam sendo encomendados com ex-policiais tornados pistoleiros. Durante sua entrevista semanal, o presidente Fernando Lugo pediu calma. ;Sempre afirmamos que o programa de reforma agrária tem de ser resultado de um consenso entre os diferentes setores interessados;, disse. O líder paraguaio explicou que implementará um cadastro nacional de propriedades, mas isso vai demorar. Os brasileiros que compraram terras estatais depois de 29 de dezembro 2004 devem ser obrigados a entregar suas propriedades. ;Mas os brasiguaios que adquiraram um pedaço de terra de forma legal podem ficar tranqüilos que nós vamos defendê-los;, disse ao Correio Juan Néstor Nuñez Irala, presidente da Associação Rural do Paraguai. Para ele, o problema é histórico. As terras eram vendidas apenas para empresários e estrangeiros, muito abaixo do valor de mercado. ;A terra é para quem trabalha nela, quem sabe extrair suas riquezas. Mas não aceitamos a invasão com armas nem o derramamento de sangue. Eles têm de entender que existe um governo, e este governo deve ser respeitado.; Problemas entrelaçados As tensões que irromperam entre Brasil e Paraguai desde a posse de Fernando Lugo colocam mais uma vez no mesmo barco os brasiguaios e a hidrelétrica de Itaipu, que está na origem da migração de agricultores brasileiros para o país vizinho. Hoje cerca de 450 mil, os brasiguaios começaram a atravessar a fronteira nos anos 1970, por causa da construção da usina. Na sua maioria, eram agricultores de origem européia. Tiveram suas terras desapropriadas para a construção da barragem. À medida que receberam suas indenizações, muitos deles optaram por adquirir terras no Paraguai, oito vezes mais baratas que no Brasil, valendo-se de um decreto pelo qual, anos antes, o ditador Alfredo Stroessner havia revogado a proibição para estrangeiros adquirirem propriedades fundiárias. Estabelecidos nos departamentos fronteiriços de Alto Paraná e Canindeyu, inicialmente, os brasiguaios prosperaram nos anos 1980 e se tornaram os principais produtores de soja. Investiram pesado na mecanização e atualmente respondem por mais de 80% da safra paraguaia do cereal. Ao longo das décadas, a concentração fundiária em mãos de brasileiros tornou-se fator de tensão no campo paraguaio. O presidente, Fernando Lugo, destacou-se na defesa da reforma agrária para distribuir terra aos camponeses pobres.

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