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Álvaro Uribe enfrenta caldeirão social

Marcha de indígenas contra violência policial é interrompida depois que confrontos causam duas mortes. Na capital, estudantes combatem a polícia na véspera de uma greve nacional de servidores

postado em 23/10/2008 07:54
Do alto de seus 70% a 80% de aprovação nas pesquisas, o presidente Álvaro Uribe enfrenta nas últimas semanas o período de maior turbulência social e política ao longo dos seis anos em que governa a Colômbia (veja o mapa). Uma sucessão de greves em setores do funcionalismo culmina hoje com uma paralisação nacional de 24 horas que deve ser acatada por 500 mil trabalhadores, inclusive 18 mil canavieiros que cruzaram os braços há 40 dias. Do campo, por sinal, vem também o grito de milhares de indígenas em marcha para Cali, terceira maior cidade do país, para protestar inclusive contra a violência policial. Na noite de quarta-feira, em confronto com a tropa de choque, foram mortos dois manifestantes de um grupo que se preparava para engrossar a caminhada. Segundo o general Orlando Páez, comandante de operações da Polícia Nacional, uma bomba caseira que pertencia aos indígenas teria explodido acidentalmente, versão desmentida pelos organizadores da marcha. No fim da tarde, a rede norte-americana CNN exibiu um vídeo gravado por um participante, mostrando que a tropa disparou armas de fogo. A violência logo no primeiro dia da marcha, programada para chegar a Cali na segunda-feira, levou o comando da Organização Nacional Indígena da Colômbia (Onic) a suspender o trecho previsto para hoje. ;Vamos rediscutir a segurança e rever a agenda;, anunciou o porta-voz Vicente Otero. ;Algumas comunidades se atrasaram, e agora estão se somando a nós os afrodescententes e camponeses, por isso vamos ajustar a agenda.; À parte reivindicações específicas, os movimentos sociais colombianos convergem na denúncia de uma ;caça às bruxas; movida pelo governo. O próprio presidente Álvaro Uribe apontou infiltração das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) entre os trabalhadores rurais, acusação repetida por autoridades militares e policiais em relação aos indígenas. Como pano de fundo, está em vigor o estado de comoção interior, decretado por Uribe para dobrar um mês de greve na Justiça, porém mantido mesmo depois que os servidores voltaram ao trabalho, na semana passada. ;Todo setor social que se mobiliza e luta por seus direitos é estigmatizado como guerrilheiro: é assim com os estudantes, os canavieiros, os camponeses e também com os povos indígenas;, disse ao Correio Vilma Almendra, porta-voz da Associação dos Cabildos Indígenas do Norte do Cauca (Acin). Falando por telefone de Santander de Quilichao, primeira escala da marcha iniciada terça-feira no sul do departamento do Cauca, ela comentou as mortes ocorridas em Villa Rica. ;Eles agora dizem que somos nós que nos matamos!”, indignou-se Vilma, que lembrou os companheiros mortos nos distúrbios da semana passada, na reserva de La María. Cerca de 12 mil manifestantes partiram de lá, levando caixões em memória das vítimas. Desde o início do ano, pelo menos 24 líderes e ativistas do movimento indígenas foram mortos em confrontos ou atentados. ;A polícia também disse que um dos rapazes de La María tinha morrido por ;estilhaços de bomba caseira;, mas estamos trazendo as fotos: foram tiros de fuzil.; Paralisação Nessa atmosfera, a Central Unitária de Trabalhadores (CUT) e os sindicatos que promovem hoje a greve de 24 horas pediram às autoridades ;garantias para o direito de manifestação;. Dias atrás, o presidente da CUT, Tarcisio Mora, discutiu diante das câmeras com o ministro da Proteção Social, rebatendo as acusações de infiltração da guerrilha na paralisação. Já na véspera, porém, estudantes enfrentaram a polícia na Universidade Nacional, que foi fechada preventivamente. Senador de oposição espionado Também na frente política o presidente Álvaro Uribe navega em águas revoltas, justamente quando o Congresso começa a debater um referendo para permitir que ele dispute em 2010 o terceiro mandato consecutivo. Ontem, a diretora do Departamento Administrativo de Segurança (DAS, a agência de inteligência colombiana), María del Pilar Hurtado, admitiu que o órgão espionou o senador Gustavo Petro, do Pólo Democrático, núcleo da esquerda civil. A denúncia havia sido feita na véspera por Petro, um dos mais firmes opositores de Uribe e um nome mencionado para disputar a Presidência. Ele apresentou a uma comissão do Senado reproduções de um memorando reservado (veja o fac-simile), datado de 29 de agosto, em que o chefe do setor de Inteligência Política, Jaime Ovalle, instrui os diretores regionais a enviarem informações sobre as atividades de Petro, ;tendo em conta vínculos com organizações à margem da lei e contatos com pessoas que se prestem a testemunhar contra o governo;. Depois de ter desmentido a operação, a diretora do DAS recuou no fim da tarde, mas garantiu que Ovalle ;agiu por conta própria;, e anunciou que ele foi afastado. Um segundo memorando, já de setembro, faz pedido semelhante em relação aos dirigentes do Pólo e aos delegados que assistirão na semana que vem ao 2; Congresso da legenda. Em nota, o secretário-geral da organização, Carlos Bula, exigiu do presidente ;a destituição imediata; da diretora do DAS. O clima entre a oposição de esquerda e o governo acompanha a radicalização social, e nos últimos dias dirigentes do Pólo foram detidos em várias regiões do país, onde davam apoio a manifestações de indígenas e camponeses. O senador Alexander López, acusado de ;financiar greves com dinheiro público; e teve dois assessores presos por ;incitar a violência na paralisação dos canavieiros;, anunciou em plenário que o caso será levado à Organização de Estados Americanos (OEA). ;O Pólo poderá ser exterminado como a União Patriótica;, advertiu, em referência ao partido criado nos anos 1980 pela guerrilha das Farc, durante um processo de paz com o governo. Milhares de integrantes do partido foram assassinados por esquadrões paramilitares de direita, inclusive parlamentares e dois candidatos presidenciais. Ameaçado de processo por seu apoio aos grevistas, López contra-atacou: ;Há uma clara decisão do presidente Uribe de capturar senadores que cumprem seu dever de defender os interesses dos mais pobres. Foi um caminho semelhante que levou ao extermínio da UP.;

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