postado em 06/11/2008 07:47
O canadense Douglas Seville, de 57 anos, procurou chegar cedo ao Grant Park, o principal parque de Chicago. Comoveu-se com a emoção do reverendo Jesse Jackson, o discurso do presidente eleito Barack Obama e o choro dos milhares de negros presentes ao evento. ;Eles têm apoiado o Partido Democrata por muitos anos e finalmente tiveram a oportunidade de ;participar; da política;, lembra. Apesar da eleição de um afro-americano e muito além das lágrimas de Jackson ; o homem diante do qual Martin Luther King tombou em 1968, adiando os sonhos da igualdade racial ; , Douglas reconhece a cor da pele como tabu. ;Nós nos reunimos ao redor de nossos heróis, não importa a cor de sua pele, enquanto eles conseguirem fazer dólares no cinema e marcar pontos em esportes, mas não aceitamos sentar com o ;outro; a uma mesa de jantar;, reclamou.
Durante a jornada até a Casa Branca, o primeiro presidente negro quase nunca falou em racismo. Em 19 de março passado, revelou que a avó materna Madelyn Dunham era a ;típica mulher branca;. ;Ela é uma mulher que ajudou a me criar, que se sacrificou por mim, que me amou mais do que tudo mundo, mas uma mulher que confessou sentir medo de negros que passavam por ela na rua;, declarou Obama.
O discurso da vitória no Grant Park, na madrugada de ontem, poupou referências raciais. Apenas duas vezes o presidente eleito citou a questão das diferenças. ;Esta é a resposta pronunciada por jovens e idosos, ricos e pobres, democratas e republicanos, negros, brancos, hispânicos, indígenas, homossexuais, heterossexuais, incapacitados ou não;, comentou. Em outra passagem, destacou a figura de Ann Nixon Cooper, uma americana de 106 anos que, no passado, não pôde votar ;por ser mulher e pela cor da sua pele;.
Envolvimento
Um país com 40,2 milhões de negros entre 265,3 milhões de brancos e onde a renda anual dos afro-americanos é US$ 16 mil menor começa a tornar real os sonhos de Martin Luther King e Malcolm X e a sepultar o passado obscuro da Ku Klux Klan e a supremacia branca. Para Nelson Olokofá Inocêncio, coordenador do Núcleo de Estudos Afrobrasileiros da Universidade de Brasília (UnB), a eleição de Obama representa o envolvimento da sociedade americana pelos direitos civis. ;Desde que os EUA passaram a lidar com problemas estabelecidos pelas leis segregacionistas, os movimentos sociais investiram numa nova consciência e essas mudanças começaram.;
Inocêncio afirma que a transformação exige tempo. ;O fenômeno Obama não é resultado apenas dessa mudança, mas de políticas públicas. Sem elas, a consciência da população não teria mudado;, disse. De acordo com o especialista da UnB, os EUA têm experimentado um amadurecimento transparente com a indicação de dois negros ao cargo de secretário de Estado: Colin Powell (2001-2005) e Condoleezza Rice (atual). O professor não tem dúvidas de que toda a sociedade americana está mudando. ;Temos de ficar atentos, porque segmentos conservadores estão insatisfeitos com a eleição de um negro;, alertou.
;O Brasil precisa aprender com a eleição de Obama;, aconselhou Inocêncio. ;Durante muito tempo, falávamos apenas do desempenho dos negros na música e nos esportes;, criticou. Obama foi além: estabeleceu alianças, forçou a sociedade a se deparar com a pluralidade, alcançou o lugar que sempre sonhou e agora tem a chance de consolidar os direitos civis no país antes marcado pela opressão.
Nelson Inocêncio, professor da UnB, fala sobre a mudança na sociedade dos EUA
Famosos afrodescendentes da cultura e da política saúdam a eleição do primeiro presidente negro da história dos Estados Unidos
Joaquim Barbosa, ministro do Supremo Tribunal Federal
;A eleição de Obama vai significar muito para o mundo, para as relações dos Estados Unidos com o mundo. É uma transformação. Os Estados Unidos vêm fazendo um progresso nas relações raciais há pelo menos quatro décadas. O que ocorreu ontem foi uma consolidação;
Benedita da Silva, secretária de Assistência Social e Direitos Humanos do Rio de Janeiro
;É um novo tempo para os Estados Unidos. O Brasil e o mundo estão chorando de alegria. Nós temos visto uma comoção positiva de todos nós com o Mandela e agora com o Obama, o primeiro presidente negro dos EUA. Temos certeza de que ele vai poder contar não só com o sentimento de cada um de nós, mas com todos aqueles que querem paz, que a multiracialidade possa acontecer e as diferenças possam ser respeitadas. Esse é o presidente que quebrou todos os paradigmas. Mas não podemos ignorar o sonho do Martin Luther King. O sonho dele reproduz a história de Mandela e de Desmond Tutu. Esse é o começo de uma campanha eleitoral em que esses sonhos foram se perfilando e se agregando ao sonho de Barack Obama;