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Guerra em Gaza: quase mil mortos e tropas atingem centro urbano

Soldados de Israel avançam pela cidade de 410 mil habitantes e são surpreendidos por militantes islâmicos. Combates já mataram 971 palestinos e expulsaram 80 mil de suas casas

postado em 14/01/2009 07:43
;A agressão israelense contra o nosso povo torna-se mais feroz a cada dia, enquanto cresce o número de vítimas. Israel está mantendo esta agressão para aniquilar o nosso povo.; A declaração de Mahmud Abbas, presidente da Autoridade Palestina (AP), procurou dar o peso da catástrofe humanitária provocada pelas 2.300 bombas lançadas por Israel em 18 dias. Até as 23h de ontem, a maior ofensiva israelense contra a Faixa de Gaza nos últimos 60 anos já havia deixado 971 palestinos mortos ; sendo 311 crianças, segundo fontes palestinas, e 275, de acordo com as Nações Unidas ;, e 4.418 feridos. Pelo menos 80 mil moradores abandonaram suas casas, com medo dos bombardeios. Os soldados das Forças de Defesa de Israel (IDF, pela sigla em inglês) conseguiram avançar lentamente pela periferia da Cidade de Gaza em direção a áreas mais centrais e encontraram forte resistência de militantes islâmicos. Na madrugada mais sangrenta desde o início do conflito, os guerrilheiros do movimento islâmico Hamas e de outras facções palestinas aguardaram os militares com mísseis antitanque. Enquanto avançavam pelos bairros de Tal Al-Hawa, Xeque Ajiline e Zeitun, soldados escoltados por tanques de guerra disparavam contra os inimigos, que revidavam com morteiros. ;O Exército de Israel tentou entrar na cidade, mas as tropas foram surpreendidas pelos guerrilheiros. Os soldados os cercaram em Tal Al-Hawa, chegaram até a borda sul do bairro ; área agrícola pouco habitada ;, destruíram várias casas e mataram seus donos;, relatou ao Correio, pela internet, o engenheiro civil palestino Maher Ashour, de 43 anos. ;Muitas pessoas têm pedido ajuda à Cruz Vermelha para que as ambulâncias as retirem das casas destruídas, mas o Exército atira em qualquer pessoa, inclusive em crianças;, acrescentou. Por telefone, o assistente social Adham Khalil, de 23 anos, contou à reportagem que, por volta das 20h (hora de Brasília), era possível escutar tanques israelenses nas proximidades de sua casa, no campo de refugiados de Jabaliya. ;Eles tentaram entrar ontem e acho que tentarão de novo amanhã (hoje);, disse. Suicidas De acordo com a agência de notícias palestina Maan, 47 pessoas foram mortas ontem. A mesma fonte informa que as Brigadas dos Mártires de Al-Aqsa, braço armado do partido Fatah, matou 12 soldados no norte da Faixa de Gaza. ;Às 15h35 (11h35 em Brasília), o guerrilheiro Abd Ar-Rahman Bawady, de 22 anos, se explodiu em meio a 18 soldados em Atatra;, afirma a nota enviada pela organização. As IDF não confirmaram a notícia e admitiram que quatro soldados ficaram feridos ontem. Citando o chefe do Estado-Maior de Israel, Gabi Ashkenaz, o site do jornal Haaretz divulgou que militantes do Hamas se disfarçam de soldados para cometer ataques suicidas. A despeito das baixas civis, Israel garante o sucesso da operação. As IDF teriam destruído 30 túneis no campo de refugiados de Rafah e acreditam que o poderio de lançamento de foguetes do Hamas reduziu substancialmente. O Shin Bet, agência de segurança de Israel, revelou que os militantes de Gaza dispararam 565 foguetes e 200 morteiros contra o sul do país desde 27 de dezembro. Somente ontem, 12 artefatos de curto e médio alcance tiveram como alvo o oeste do Deserto do Negev ; sete a menos que segunda-feira. Para Aaron J. Klein, ex-capitão da Inteligência das IDF, Israel está conseguindo impedir o Hamas de atacar. ;Os militantes sabem que se ameaçarem os civis israelenses poderão sofrer sérias consequências.; Batalha ao vivo O canto do galo, o barulho intenso das metralhadoras, um choro ao longe. O Correio acompanhou a madrugada do 18; dia de guerra na Faixa de Gaza, no exato momento em que Israel avançava cada vez mais para dentro da área urbana. Por meio de um site indicado pelo irmão de um combatente brasileiro na Givat ; o pelotão de elite das Forças de Defesa de Israel ;, foi possível ver tudo o que acontecia no horizonte da Cidade de Gaza. Com som perfeito e imagem bastante nítida. Uma câmera da agência de notícias Ramattan revelou bombas caindo do céu, explosões esporádicas e balas traçantes. Por volta das 4h (0h em Brasília), quatro ogivas de fósforo branco iluminaram casas ao redor. Às 4h40, o som do muezim ecoou por toda a cidade, chamando para a primeira oração do dia. Seu cântico logo se encontrou com o de outro muezim de voz mais grave, provocando um espetáculo sombrio. Ao fundo, rajadas de metralhadoras. Os primeiros raios de sol trouxeram a sirene das ambulâncias. Era hora de tentar socorrer os feridos na noite. Começava mais um dia de bombas, mortes e desespero. Esperanças na diplomacia Amos Gilad, alto funcionário do Ministério da Defesa israelense, viaja hoje para o Egito com o objetivo de preparar negociações ;decisivas; sobre um cessar-fogo com o grupo islâmico Hamas. Até então, Gilad levou vários dias adiando a ida ao Cairo. As gestões diplomáticas para deter a ofensiva em Gaza têm fracassado por causa das divergências entre Israel e Hamas, que se negam a dialogar diretamente. Israel exige que os túneis do sul do território palestino sejam fechados e defende vigilância permanente sobre o complexo, por onde o Hamas estaria contrabandeando armas.
Entrevista ; Miguel Portas ;O povo de Gaza vive em uma prisão a céu aberto;
O eurodeputado português Miguel Portas, de 49 anos, e mais sete legisladores do Parlamento Europeu decidiram visitar a Faixa de Gaza ;por sua própria conta e risco;. Ele contou ao Correio, por telefone, o que viu em Rafah, na fronteira com o Egito, e na cidade de Arafat. Por duas horas, no domingo, Portas esteve em um centro de refugiados, onde 1.215 pessoas mostraram ;extraordinária dignidade;. O político do Bloco de Esquerda denunciou uma ;matança; por parte de Israel. Como avalia a situação dos civis em Gaza? A situação humanitária confirma as piores expectativas. Os funcionários da ONU em Gaza não têm como responder às necessidades de distribuição de alimentos. Eu visitei uma escola preparatória transformada em um dos 25 centros de refugiados e eles distribuíam latas com feijão. Eram 1.215 mulheres e crianças em uma das grandes zonas de combate, em Arafat. Ficamos duas horas em Gaza, durante o período de trégua diária, e vimos quatro bombas de grande porte caírem. Israel não respeita a trégua humanitária. O que mais lhe marcou nesta rápida visita? Foi ver os quarteirões destruídos, ao lado do centro de distribuição de alimentos. Também o modo como as mulheres, crianças e jovens receberam os oito deputados. Eles mostraram uma extraordinária dignidade, exibiram um olhar severo, de protesto e choro. Aquela gente que está cercada soube que fora da Faixa de Gaza há protestos em vários países. O presidente Mahmud Abbas acusou Israel de aniquilar a população ; É evidente que nós temos uma matança, um massacre, com cerca de mil mortos. Cada dia que passa morrem mais civis. As bombas caem mais à noite, quando não há luz, não há gás, faz muito frio e as pessoas têm de deixar os vidros abertos, pois eles podem se partir com o impacto das bombas. A população de Gaza vive em uma prisão a céu aberto. O que a União Europeia tem feito pelo cessar-fogo? É preciso dizer que a União Europeia tem evoluído em sua posição. Quinze dias antes da invasão a Gaza, decidiu elevar o nível das relações diplomáticas com Israel. Depois, apoiou a ação de Israel. Ao perceber a proporção da catástrofe, pediu pela trégua. Não há posição clara. A trégua é passível de ser alcançada logo? Uma trégua deve ser obtida nos próximos dias. O que transforma isso num completo absurdo é que os israelenses sabem que terão de fazer um acordo de cessar-fogo. Eles percebem que é imbecil e delirante prolongar essa guerra e seguem bombardeando as cidades. Essa guerra não tem sentido. Ouça entrevista: Miguel Portas, deputado do Parlamento Europeu

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