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Transição nos EUA: Abalo moral é legado de George W. Bush

Presidente que deixa o cargo será lembrado pela resposta lenta ao furacão Katrina e pelo custo da guerra contra Saddam. Cientistas políticos alertam para a degradação da imagem do país

postado em 20/01/2009 07:03
;Eu sempre agi de acordo com os melhores interesses de nosso país. Segui minha consciência e fiz o que achava que fosse o melhor. Vocês podem não concordar com algumas duras decisões que tive de tomar, mas eu espero que vocês concordem que eu estava disposto a tomar decisões difíceis.; George W. Bush bem que tentou se justificar no discurso de despedida, na noite de quinta-feira, mas ainda assim vai entrar para a história como um dos presidentes mais impopulares dos Estados Unidos. O apoio conquistado após os atentados de 11 de setembro de 2001 se desmanchou em meio a uma série de políticas catastróficas. Enquanto as bombas da coalizão ainda caíam sobre o Afeganistão, Bush ordenou que os 775 primeiros prisioneiros de guerra fossem levados para a base naval de Guantánamo, em Cuba. No início de dezembro, caiu Kandahar ; último bastião do Talibã ;, e a milícia perdeu o poder. Sem capturar o terrorista saudita Osama bin Laden, o mandatário norte-americano voltou-se para o Iraque, abriu nova frente de batalha em março de 2003, derrubou Saddam Hussein e celebrou o enforcamento do ex-ditador. Enquanto o número de presos aumentava em Guantánamo, os EUA amargavam o escândalo de abusos cometidos na prisão de Abu Ghraib, em Bagdá. Robert Guttman, diretor do Centro de Política e Relações Internacionais da Universidade Johns Hopkins, classifica Guantánamo como um ;sinal da teimosia e relutância do governo Bush; em promover mudanças, mas aponta o Iraque como o principal legado maldito do líder republicano. ;Bush deixa a Casa Branca com mais de 140 mil soldados no Iraque e sem o fim da ocupação do país à vista;, lembra. ;A história julgará a invasão. Sim, nós derrubamos um terrível ditador, mas Saddam já estava encurralado pela zona de exclusão aérea;, afirma. Para especialistas, o Iraque foi um erro político que custou a vida de 4.227 soldados norte-americanos e de 98 mil civis iraquianos. Boa parte do prestígio de Bush naufragou nas águas que cobriram 80% da cidade de Nova Orleans (Louisiana), após a passagem do furacão Katrina, em 29 de agosto de 2005. O presidente demorou quatro dias para visitar a região atingida pela tempestade que matou cerca de 1,7 mil pessoas. ;O furacão Katrina mostrou-nos problemas sérios em nossa capacidade de resposta, em todos os níveis de governo;, declarou Bush, duas semanas depois da tragédia. Um vídeo divulgado pela rede de TV NBC mostra uma reunião na Casa Branca durante a qual Bush era alertado sobre os possíveis estragos do furacão. De acordo com Matthew Baum, professor de ciência política da Universidade da Califórnia, ;é difícil não ver o Katrina como uma falha em larga escala do governo;. Meteorologistas veem o Katrina como um reflexo da indisposição do governo republicano em ratificar o Protocolo de Kyoto, tratado que regula as emissões de gases causadores do efeito estufa. No entanto, Baum considera a crise financeira global causada pela bolha imobiliária o maior fiasco do legado de Bush. O especialista acredita que uma série de medidas impopulares custou aos EUA a perda da simpatia adquirida perante o mundo após os ataques de 11 de setembro. ;O fim dessa ;boa vontade; internacional danificou a habilidade dos EUA de conduzir uma política externa eficiente em uma gama de temas e destruiu a confiança global no país;, diz o professor. Bush chega ao fim do mandato com um pífio índice de popularidade de 22%, o terceiro mais baixo desde 1938.
Veja vídeo da rede NBC, com um resumo dos oito anos de mandato de George W. Bush (em inglês)

Desconsideração ;O Katrina foi a maior falha interna dos anos Bush, destacando sua desconsideração para com os pobres, exacerbada pelas políticas fiscais que redistribuíram riqueza aos ricos;, critica Timothy Patrick McCarthy, professor de políticas públicas da Universidade de Harvard. Segundo ele, o governo Bush foi um ;fracasso abjeto;, tanto interna quanto externamente. ;O presidente está se engajando em um processo deliberado de revisionismo e de criação de um mito. Mas a história o julgará muito severamente;, alerta. Em relação a Guantánamo, o especialista de Harvard acusa Bush de trair a Constituição, a lei internacional e os princípios dos direitos humanos, causando um dano irreparável à imagem dos EUA no mundo. ;Ainda se Barack Obama fechar Guantánamo ; e parece que ele o fará ;, será difícil resgatarmos a nossa autoridade moral;, analisa. O desprezo pelo Protocolo de Kyoto, na opinião de McCarthy, trará consequências negativas a longo prazo. ;A violação do tratado foi um sinal precoce dos desastres que virão por aí.;

Análise da notícia A mudança começou em 2008 Barack Obama se ocupará, num primeiro momento, da crise econômica no front interno; do Iraque, Afeganistão e Oriente Médio no front externo. Nesses temas, a mudança de postura não será tão excepcional como muitos acreditaram durante a campanha eleitoral. Em 2008, talvez numa tentativa desesperada de reverter o desastre nas urnas, George W. Bush tomou medidas que já vinham sendo prometidas pelo democrata. Um dos maiores exemplos de como Bush convergiu para o plano de Obama foi busca, nas últimas semanas, por países dispostos a receber prisioneiros de Guantánamo. Obama terá de concluir essa tarefa para fechar a prisão, símbolo do desrespeito aos direitos humanos. No caso do Iraque, Bush correu para acertar uma data de retirada das tropas. O cronograma foi concluído, tem como prazo 2011, e foi assinado com as autoridades iraquianas. O democrata quer desocupar o país árabe até maio de 2010. Mas, se o caos político e social no Iraque não permitir, poderá se contentar com o calendário atual. Para o Afeganistão, o atual governo já previu maior presença de tropas ; o novo gabinete vai pôr isso em prática. Também na economia, Obama pegará o bonde andando. As medidas iniciais mais importantes de combate à crise foram tomadas no semestre passado. Portanto, que ninguém se impressione caso o sentimento de mudança não seja tão forte nestes primeiros dias de Obama. (João Cláudio Garcia)
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