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Barack Obama planeja convidar ao diálogo o regime iraniano

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postado em 30/01/2009 07:45

Barack Obama riscou definitivamente de seu mapa-múndi o ;eixo do mal; definido em 2002 por George W. Bush, e ensaia o passo mais arriscado de política externa justamente em direção ao Irã, que se transformou nos últimos anos em ;inimigo número 1;. Menos de 10 dias passados desde a posse de Obama, o Departamento de Estado admitiu ontem tacitamente que um grupo de diplomatas trabalha, desde a eleição do novo presidente, no texto de uma carta que deve ser enviada ao regime iraniano. A informação, revelada em reportagem do diário britânico The Guardian, não foi oficialmente desmentida ; o porta-voz Robert Wood limitou-se a afirmar que ;nem a secretária Hillary Clinton nem o presidente pediu uma carta;. Da parte iraniana, a resposta foi pronta e favorável. ;Se o novo governo dos Estados Unidos, como disse o senhor Obama, vai mudar suas políticas, não em palavras mas nos atos, encontrará na região (o Oriente Médio) reações cooperativas;, disse o chanceler Manouchehr Mottaki durante um painel de que participou em Davos (Suíça), no ambito do Fórum Econômico Mundial. ;E o Irã não se exclui desse consenso regional;, emendou. Na avaliação de Mottaki, ;todos os países da região estão esperando para ver se será uma mudança estratégica ou apenas tática;. Washington e Teerã trocam sinais desde o início da semana. O presidente americano retomou na segunda-feira uma passagem do discurso de posse, na qual ofereceu uma mão estendida aos ;regimes que se agarram ao poder;, caso ;descerrem os punhos;. Falando à TV Al-Arabiya, na mesma entrevista em que fez acenos ao mundo islâmico, Obama repetiu a frase mencionando o Irã pelo nome, e acrescentou: ;É importante que estejamos dispostos a dialogar com o Irã, para indicarmos claramente os pontos de divergência e também as possibilidades de progresso;. Dois dias depois, discursando no interior do país, Ahmadinejad deu boas-vindas a ;mudanças reais; da política americana. O presidente, que tentará a reeleição em junho, cobrou ;desculpas; pelo que classificou como ;crimes; cometidos pelos EUA contra o Irã ; citou desde o golpe contra o premiê nacionalista Mohammed Mossadegh, nos anos 1950, até a derrubada de um Airbus comercial iraniano por um navio de guerra americano que patrulhava o Golfo Pérsico, em 1988, nos últimos meses da guerra Irã-Iraque. Linguagem Encontrar o tom exato para o conteúdo e a linguagem da carta é um dos desafios para os diplomatas americanos, que segundo o Guardian já teriam elaborado ao menos três rascunhos. No que diz respeito ao teor, o texto conterá garantias de que a Casa Branca não almeja derrubar o regime islâmico, mas questionará a relação de Teerã com grupos acusados de terrorismo, como o Hamas palestino, e tentará mostrar as vantagens da integração à comunidade internacional. A carta será endereçada ;à nação iraniana;, mas o Departamento de Estado ainda estuda a melhor opção: enviá-la ao líder supremo do regime, o aiatolá Ali Khamenei, ou publicá-la como carta aberta. Essa e outras decisões, inclusive a de enviar efetivamente a mensagem ; e quando ;, passarão pela secretária de Estado Hillary Clinton. Por ora, ela e sua equipe trabalham em uma revisão geral da política seguida pelo governo anterior em relação ao Irã, com resultados considerados contraproducentes. Nos últimos oito anos, avaliam alguns dos principais estudiosos e analistas que assessoraram Obama durante a campanha, as guerras contra os talibãs, no Afeganistão, e Saddam Hussein, no Iraque, ajudaram a expandir a influência do regime islâmico no Oriente Médio. Os EUA, enquanto isso, atrelaram seus esforços de contenção do Irã a regimes ainda mais autoritários e retrógrados, como a monarquia saudita. O engajamento diplomático (e não militar) com Teerã foi recomendado a Bush, dois anos atrás, pelo cientista político Vali Nasr, de origem iraniana, professor de Política Internacional na Tufts University e colaborador do Conselho de Relações Exteriores. Nasr acaba de ser convidado para assessorar o ex-embaixador Richard Holbrooke, nomeado por Obama como enviado especial para Paquistão e Índia. ESPERA POR UM TELEFONEMA A presidenta argentina, Cristina Kirchner, redobrou os esforços diplomáticos para conseguir um primeiro contato telefônico com Barack Obama. A ofensiva, segundo o jornal La Nación, intensificou-se depois que Obama conversou com Lula nesta semana. Procurando reduzir a ansiedade, o embaixador dos EUA no país vizinho, Earl Anthony Wayne, disse que a Argentina ;é um sócio muito importante;.

Memória Uma década perdida Partiu de Teerã o passo mais ousado no rumo de uma aproximação entre o regime islâmico e os Estados Unidos, que romperam relações em 1980, em represália pela ocupação da embaixada americana no Irã, onde dezenas de diplomatas e funcionários foram mantidos como reféns por mais de um ano. Em janeiro de 1998, menos de um ano depois de tomar posse, o presidente Mohammad Khatami, reformista em matéria de religião e moderado na política, concedeu uma longa entrevista à rede de TV CNN. Nela, derramou-se em admiração pelo que apontou como fundamento da civilização americana: o encontro entre fé e liberdade. Disse que ;um muro de desconfiança; afastava os dois países e que era preciso abrir brechas para enfim derrubá-lo ; uma referência à queda do Muro de Berlim e ao fim da Guerra Fria entre EUA e União Soviética. Não houve contrapartida do governo Bill Clinton. Três anos depois, Khatami esteve entre os primeiros governantes estrangeiros a condenarem em público os atentados de 11 de setembro e dirigir uma mensagem oficial de condolências a George W. Bush. Quando Bush ordenou o ataque militar ao Afeganistão, em represália, o Irã manteve discreta comunicação funcional com as forças americanas e absteve-se de protestar quando mísseis violaram seu território. O comportamento se repetiu em 2003, na invasão do Iraque, condenada por Teerã a despeito do ódio nutrido por Saddam Hussein, que em 1980 invadiu o Irã e iniciou uma guerra de oito anos ; na qual foi apoiado tacitamente pelos EUA e pelo Ocidente.

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