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Eutanásia de Eluana divide a Itália, mas se torna símbolo da morte digna

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postado em 11/02/2009 15:28
A morte de Eluana, que estava em coma vegetativo desde 1992, comoveu e dividiu a Itália, país que sofre uma fragmentação política e social que se manifestou com força no debate sobre a eutanásia levantado pelo caso. "Eluana não morreu de morte natural, foi assassinada", afirmou o chefe do Governo, Silvio Berlusconi, que tentou aprovar uma lei urgente para bloquear a sentença do Supremo Tribunal italiano, de dezembro de 2008, que autorizou a interrupção da alimentação artificial que mantinha Eluana viva. Eluana Englaro, de 38 anos, faleceu na noite de segunda-feira, em uma clínica de Udine, no nordeste da Itália, quatro dias depois dos médicos retirarem a alimentação artificial. Apesar das acusações de Berlusconi e de vários membros de seu governo, o ministério público da região não encontrou indícios para abrir uma investigação por "crime", informaram fontes judiciais. O Colégio de Médicos da região convocou os profissionais que assistiram Eluana - entre eles o anestesista Amato de Monte - para esclarecer o caso, que também gerou uma disputa médica e científica sobre a ética e os limites da medicina moderna. Os adversários da eutanásia os acusam de ter acelerado a morte da jovem, para evitar que o parlamento italiano tivesse tempo de adotar uma lei urgente que obrigasse a retomada da alimentação artificial para Eluana. O pai de Eluana, que durante mais de dez anos lutou para "desconectar" os aparelhos que mantinham viva sua filha, visitou nesta terça-feira o necrotério para onde seu corpo foi levado. Durante os 17 anos em que ela ficou em coma, ele jamais permitiu que fossem divulgadas fotos suas no hospital. Segundo uma jornalista da televisão pública que cobriu o caso desde o início e visitou a jovem recentemente, Eluana estava "irreconhecível", pesava cerca de 40 quilos, não podia mover braços e pernas e tinha escaras por todo o corpo, apesar de ter a posição mudada pelos enfermeiros a cada duas horas. A direita italiana - apoiada pela Igreja católica - desafiou o Supremo Tribunal, enfrentou o presidente da República e pressionou o Parlamento para promulgar uma lei urgente em prazo recorde para mantê-la viva. A ofensiva do governo conservador dividiu em dois a opinião pública do país, gerando um debate sobre a politização da morte. A hierarquia da Santa Sé, e o próprio Papa Bento XVI, se pronunciaram contra decisão da justiça italiana, obtida pela família de Eluana após mais de 10 anos de batalha judicial. "Que Deus perdoe os responsáveis pela morte de Eluana", declarou o cardeal mexicano Javier Lozano Barragán, considerado ministro da Saúde do Vaticano, ao saber da morte da jovem. "Depois de semanas de angústia, chegou a hora de fazer uma reflexão que una crentes e não crentes", escreveu o jornal oficial da Santa Sé, o L'Osservatore Romano. Sem mencionar o caso explicitamente, o pontífice condenou a eutanásia no último domingo, referindo-se à prática como "a falsa resposta ao drama do sofrimento" e "solução indigna". A oposição de esquerda, por sua vez, dividida pela presença de vários católicos em suas fileiras, decidiu cancelar a manifestação programada para esta terça-feira, que tinha como objetivo defender a Constituição e expressar solidariedade à família Englaro. A morte de Eluana encerra o duro enfrentamento entre a família Englaro e Berlusconi, além de oferecer uma oportunidade à classe política em seu conjunto para que reflita sobre os vários projetos de lei existentes - e jamais colocados em prática - de "testamento biológico". "Um momento de dor e confusão nacional como o de hoje pode ser a oportunidade para uma reflexão comum", declarou o presidente da República, Giorgio Napolitano, cujos poderes foram questionados pela lei urgente promovida por Berlusconi, gerando um conflito institucional sem precedentes. "O caso foi instrumentalizado, foi uma operação política para reduzir os poderes do chefe de Estado e governar com leis urgentes, com farsas ao invés de debates parlamentares", comentou Anna Finocchiaro, líder no Senado do Partido Democrático (esquerda). A maioria das forças políticas, tanto da oposição de esquerda quanto do governo, concordaram em debater nas próximas duas semanas uma lei que regulamente a morte de uma pessoa doente que não pode manifestar sua vontade. Na Europa, Holanda e Bélgica foram os únicos países até hoje a legalizar a eutanásia, enquanto na Suíça a prática é tolerada. Já países como França e Espanha admitem o direito de "deixar morrer". Enquanto isso, a polícia italiana protegia a clínica onde Eluana morreu, para evitar enfrentamentos entre defensores e críticos da eutanásia, que há dias protestam no local. Eluana, cujo corpo será submetido a uma autópsia, será cremada após uma cerimônia íntima, cuja data não será divulgada, informou a família. Os resultados da autópsia serviram para esclarecer a morte da jovem, que aconteceu antes do prazo estimado pelos médicos, revelando desidratação que causou, por sua vez uma parada cardíaca. O exame confirmou que os médicos respeitaram ao pé da letra o protocolo estabelecido em dezembro pelo Tribunal Supremo, que dispunha sobre a retirada da sonda que lhe garantia a alimentação e a hidratação, paralelamente ao fornecimento de sedativos. Eluana sobreviveu apenas três dias depois da interrupção da alimentação artificial o que gerou dúvidas entre os adversários da medida. Os próprios médicos de Eluana calculavam que a agonia poderia ter durado 10 dias, mas as condições físicas da enferma eram muito delicadas.

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