postado em 18/02/2009 16:04
A Argentina convocou nesta quarta-feira o embaixador da Itália em Buenos Aires para lhe pedir explicações sobre declarações de mau gosto atribuídas ao chefe de governo italiano, Silvio Berlusconi, sobre os "vôos da morte" durante a ditadura (1976-1983). A informação foi divulgada por um funcionário do ministério argentino de Relações Exteriores.
Berlusconi teria declarado sábado em Cagliari, na Sardenha que "os dias eram belos. Fazia-se, então, que descessem dos aviões", segundo o jornal argentino Clarin citando, nesta quarta-feira, o jornal italiano L'Unità.
O governo argentino "expressou preocupação e mal-estar com as palavras atribuídas a Berlusconi" em uma reunião entre o embaixador da Itália na Argentina, Stefano Ronca, e o chefe de gabinete da Chancelaria, Alberto D'Alloto, segundo a fonte que pediu para não ter o nome divulgado.
Umas 30.000 pessoas desapareceram durante a ditadura argentina, entre elas cerca de cem cidadãos italianos, segundo organismos humanitários. Estima-se, também, que 500 bebês nascidos em maternidades clandestinas durante o cativeiro de suas mães tivessem sido roubados por repressores.
Fontes do governo italiano consultadas pela AFP qualificaram o episódio como "um equívoco".
"O chefe de Governo italiano queria destacar a crueldade dos crimes cometidos contra os opositores e a tragédia dos desaparecidos para explicar como se sente pessoalmente ofendido e insultado quando seus opositores o comparam a ditadores como Hitler ou Videla", explicaram.
Jorge Videla, 83 anos, um dos chefes do golpe militar de 24 de março de 1976 e que exerceu a presidência de fato até 1981, cumpre prisão preventiva acusado de crimes contra os direitos humanos.
Entidades humanitárias argentinas repudiaram o fato e anteciparam ações ante o governo italiano.
"É motivo de repúdio que (Berlusconi) brinque com um episódio como este da vida argentina; tratou do assunto levianamente, o que é uma falta de respeito mesmo porque esses fatos aberrantes são considerados crimes de lesa humanidade", disse Taty Almeida, da organização Mães da Praça de Maio.
A titular das Avós da Praça de Maio, Estela de Carlotto, de nacionalidade argentino-italiana, disse que a entidade enviará uma carta ao embaixador Ronca para pedir explicações.
"Estamos ofendidas, principalmente porque os argentinos sempre obtiveram da Itália uma grande solidaridade" disse.
O incidente acontece num momento em que a justiça italiana estuda abrir um processo contra Eduardo Massera, ex-almirante do regime militar, pelo desaparecimento de cidadãos italianos na Escola de Mecânica da Armada (ESMA).
A ESMA, um local emblemático de repressão, por onde passaram 5.000 pessoas das quais apenas sobreviveram uma centena, foi convertida em Museu da Memória em 2004.
Na sexta-feira passada, foi inaugurado ali o primeiro centro mundial para a promoção dos direitos humanos da UNESCO.