postado em 22/02/2009 15:19
O filme "Quem quer ser um milionário?" ("Slumdog millionaire"), franco favorito para ganhar o Oscar 2009, não atraiu muito público no próprio país em que foi rodado, a Índia, que detesta que as câmeras enfoquem coisas como sua imensa pobreza.
O filme não agrada nem mesmo aos pobres do país, onde o título nacional foi traduzido para "O cão das favelas".
"Este filme devia ser considerado um dos maiores fantasmas gratuitos imaginados sobre a Índia no século XXI", afirma o cineasta K. Hariharan, em um artigo intitulado "Orientalismo para um mercado globalizado", publicado no jornal The Hindu.
"Para a maioria dos espectadores ocidentais, arrasados pelo peso da crise econômica mundial, este conto de fadas sobre o lado mais sórdido da Índia deve servir de catarse orgiástica", protesta.
O longa do britânico Danny Boyle já ganhou inúmeros prêmios nos Estados Unidos e Europa e poderá levar o Oscar de melhor filme do ano neste domingo (22/02). Em toda América do Norte, já arrecadou mais de 100 milhões de dólares de bilheteria.
Mas a Índia, com suas ambições de superpotência e orgulhosa de seu fenomenal crescimento econômico, não gosta do que a imprensa chama de "pornografia da miséria", em um país onde 455 milhões de habitantes sobrevivem com menos de 1,25 dólar por dia.
Um programa de tv questionou recentemente se "vender a miséria da Índia" não era a melhor maneira de abrir o país para o Ocidente.
A superestrela de Bollywood (a Hollywood indiana), Amitabh Bachchan, também criticou o filme por revelar "o rosto sombrio de uma Índia que brilha", só mostrando miséria, violência, máfia, drogas e corrupção.
Por outro lado, o autor do romance "Q", Vikras Swarup, que inspirou o filme, defendeu a obra dizendo que ela "é a história do triunfo de um herói, de um homem da favela que triunfa, contra tudo que se esperava".
No entanto, este conto de fadas moderno não atrai o público sequer entre a classe média urbana de língua inglesa.
Sua versão em hindi, "Slumdog Crorepati", é um fracasso comercial nos pequenos cinemas dos povoados.
A crítica de cinema Kishwar Desai, ao comparar "Slumdog Millionaire" com o famoso "Salaam Bombay", se pergunta "por que um filme tão medíocre foi acolhido com tanto fervor (no Ocidente), 20 anos depois do outro longa-metragem que é tão superior".
"'Salaam Bombay' é chocante, real e completamente autêntico, enquanto que 'Slumdog Millionaire' só oferece uma visão superficial e artificial da Índia", afirma Desai.
"O filme de Nair é verdadeiramente indiano: possui uma alma. Para entender quem padece com uma miséria tão atroz na Índia é preciso um cineasta indiano ao invés de britânico", acrescenta.
O representante de uma associação de habitantes de um subúrbio de Bihar (leste), Tapeshwar Vishwakarma, apresentou uma queixa contra o astro indiano Anil Kapoor e o compositor da música original, A.R. Rahman, porque o filme é, a seu entender, uma violação dos direitos humanos e da dignidade dos pobres.
Os milhares de habitantes de Dharavi em Mumbai, a maior favela da Ásia, onde foi rodado em grande parte o filme, também são completamente indiferentes a ele.
"Um filme é um filme. É feito para fazer sonhar", afirma Raju Walla, de 38 anos, que mora num barraco com 21 pessoas. "'Slumdog Millionaire é muito diferente da realidade", conclui.