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Cientistas explicam a ambiciosa missão Kepler

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postado em 01/03/2009 07:50
William J. Borucki é o chefe da Kepler, missão da Nasa (agência espacial norte-americana) que será lançada na quinta-feira e terá o objetivo de rastrear uma parte da Via-Láctea, em busca de planetas semelhantes à Terra. A norte-americana Natalie Batalha é co-investigadora da missão e professora de astronomia e física na San Jose State University. Em entrevista exclusiva ao Correio, eles falaram sobre uma das odisseias mais ambiciosas da Nasa. Quais são suas perspectivas sobre os resultados da missão Kepler? WILLIAM BORUCKI: Sim, estou certo de que Kepler será bem-sucedida em encontrar planetas do tamanho da Terra, caso eles existam. NATALIE BATALHA: Kepler foi concebida exatamente para encontra vida! E é justamente esse aspecto que faz com que essa missão seja considerada única. Ao todo, já foram feitas mais de 300 detecções de planetas orbitando outras estrelas por telescópios terrestres. Entretanto, nenhum desses planetas é considerado do tipo terrestre (de superfície rochosa). E nenhum é potencialmente habitável. Kepler foi concebido para encontrar planetas na "zona habitável" -- a região em torno de uma estrela onde pode ser encontrada água líquida. Se o planeta estiver muito proximo da estrela, a água ferverá, tornando-se vapor. Se o planeta estiver muito afastado, a água congelará. A zona habitável é aquela onde a temperatura superficial do planeta situa-se entre 0 e 100 graus Celsius. A vida na Terra é muito diversificada. Existem algumas formas de vida que não necessitam de oxigênio, e outras que não requerem luz solar para sobreviver -- mas todas necessitam de água para existir. Eu acho que todos já tivemos a experiência de olhar para o céu, e nos deixarmos embarcar no questionamento de se estamos ou não sozinhos no universo. Até agora, as especulações relativas a existências de outras formas de vida têm sido restritas aos filmes de ficção científica. A missão Kepler dará um passo extraordinário na direção de descobrir se a vida é algo comum ou raro em nossa galáxia. O que é a sonda Kepler e porque é considerada a mais completa espaçonave da Nasa? WILLIAM BORUCKI: A sonda Kepler foi desenhada para encontrar planetas do tamanho da Terra orbitando estrelas. Ela tem um grande telescópio que faz medições de alta precisão dos sinais tênues que são produzidos quando os pequenos planetas como a Terra atravessam a frente de suas estrelas e bloqueiam parte da luz. O telescópio tem lentes corretivas de 0,95m de diâmetro na parte frontal e um espelho de 1,4m na parte de trás para coletar e focar luz no conjunto de detectores de 95 milhões de pixels. O instrumento Kepler constantemente vasculhará uma 'única área do céu que tem mais de 100 mil estrelas que poderiam ter planetas do tamanho da Terra em uma zona onde a água e a vida poderiam estar presentes. É como se fosse uma gigantesca câmera de vídeo que sempre envia imagens das estrelas. Isso nos permite continuar medindo o brilho de cada estrela para detectar a presença de planetas, à medida que eles turvam a imagem da estrela quando passam à sua frente. A espaçonave orbita o Sol, não a Terra. O instrumento pode monitorar as estrelas 24 horas por dia e 365 dias por ano. Se a maior parte das estrelas tem planetas como a Terra, Kepler deverá encontrar centenas. Se muitos forem encontrados, então isso significa que há bilhões de locais em nossa Via-Láctea que poderiam abrigar vida. Se nenhum desses planetas for encontrado, a humanidade poderia estar a sós em nossa galáxia, porque não haveria lugar para fornecer condições necessárias para a vida. NATALIE BATALHA: A missão Kepler é um telescópio espacial como o Hubble. No entanto, Kepler tem um trabalho muito específico a fazer: detectar planetas terrestres orbitando outras estrelas em nossa galáxia. O Telescópio Espacial Hubble é utilizado por astrônomos do mundo inteiro para realizar estudos dos mais diversos. A grande diferença é que o telescópio Kepler foi projetado para olhar apenas uma grande área celeste -- do tamanho do punho de sua mão projetada no céu. O telescópio Hubble foi projetado para obter fotos de regiões bem menores -- do tamanho de um grão de areia projetado contra o céu. A sonda Kepler é o maior telescópio já lançado fora da órbita da Terra. Ela vai medir o brilho das estrelas com precisão muito elevada (precisão de 20 partes por milhão). As câmeras digitais de uso pessoal têm detectores embutidos do tamanho da unha do polegar. O mosaico de detectores na sonda Kepler cobrirá uma área do tamanho de uma bola de futebol. Uma câmera digital típica pode ter de 1 a 10 mega pixels. A Kepler câmera possui mais de 95 mega pixels. Quais são os principais componentes da espaçonave e como eles participação da busca por vida no universo? WILLIAM BORUCKI: O principal componente do satélite Kepler é o telescópio para focar a luz de 100 mil estrelas em 42 detectores CCD. Há um gravador para registrar as imagens e um transmissor para enviá-las e volta à Terra, de modo que possamos constantemente medir o brilho de cada estrela. Há rodas de reação para apontar o telescópio e um computador para coordenar todas as atividades, além de células de energia solar para abastecer o sistema. NATALIE BATALHA: O telescópio mede o brilho de mais de 100 mil estrelas com extrema precisão, uma vez a cada 30 minutos, e por 3,5 anos seguidos. Isso tudo sem "piscar" um só momento! O principal objetivo aqui é o de detectar o enfraquecimento da luz emtida pela estrela central no momento em que um planeta estiver passando em sua frente -- tecnicamente chamado trânsito planetário. Essa diminuição do brilho da estrela dura apenas cerca de 12 horas, e ocorre apenas uma vez por ano para um sistema similar ao Terra-Sol. Essa diminuição do brilho estelar é portanto devido ao "trânsito" planetário e é comparável à diminuição de brilho causada por uma pulga cruzando o farol de um carro a quilômetros de distância, vindo em nossa direção. Se todas as estrelas que observamos tiverem um planeta do tamanho da Terra em sua zona habitável, seremos então capazes de detectar apenas cerca de 50 planetas "terrestres". Se não encontrarmos nenhum planeta terrestre na zona habitável, isso significa que a planetas como a Terra são raros em nossa galáxia. Kepler vai determinar a frequência de planetas terrestres habitáveis: planetas como a Terra são comuns ou raros em nossa galaxia? Uma vez que tenhamos a resposta, poderemos então conceber projetos que vão procurar indicadores de vida, tal como a presença de oxigênio ou metano na atmosfera dos planetas. Então, Kepler é o primeiro passo para saber se de fato vida existe em outros pontos da galáxia. Quando a Nasa terá os primeiros resultados concretos da missão? WILLIAM BORUCKI: Ninguém sabe ao certo o que encontraremos. Nós construímos a missão para encontrar as respostas. Como precisamos encontrar pelo menos três trânsitos antes de termos certeza de que o sinal não é uma mancha da estrela (como as manchas solares), precisaremos esperar três anos. Nós teremos de observar mais de 100 mil estrelas, pois a órbita dos planetas frequentemente não estarão em nossa linha de visão. Por isso, perderemos a maior parte dos planetas. Como saberemos a fração que não conseguimos registrar, podemos corrigir nossas medições para determinar o número de planetas em nossa galáxia. NATALIE BATALHA: Isso vai depender da frequência desses planetas -- quão raros são os planetas terrestres habitáveis. Se cada estrela tem um planeta rochoso na zona habitável, então nós esperamos encontrar várias dezenas. Caso não encontremos nenhum, concluiremos que tais planetas devem ser raros na galáxia. Vai demorar uns três a quatro anos para encontrarmos uma sistema análogo ao nosso Terra-Sol, isso porque temos de detectar pelo menos três trânsitos a fim de obter o período orbital, e estes trânsitos ocorrem somente uma vez por ano para um sistema como o Terra-Sol. Em quais regiões Kepler concentrará a pesquisa? E por que os senhores escolheram essa área específica? WILLIAM BORUCKI: A região do céu que Kepler vai vasculhar está entre as constelações de Cisne, a 11 anos-luz da Terra, e de Lyra, a 25,3 anos-luz. Elas estão muitos próximas da Via-Láctea e concentram o maior número de estrelas. Para encontrar vários planetas, será preciso olharmos para muitas estrelas. Portanto, o Kepler olha para uma única região do céu cheia de estrelas e constantemente a vasculha, para não perder o trânsito dos planetas cruzando as estrelas (fotometria).

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