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Criadora do smart power explica o conceito adotado por Hillary Clinton

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Na sabatina para a confirmação no cargo, a nova secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, disse que o país pautaria suas ações no mundo pelo smart power (poder inteligente). Depois de oito anos de uso intensivo do hard power (poder militar) pelo ex-presidente George W. Bush, a política externa seria amenizada. Mas não cairia no seu extremo oposto, o soft power (poder suave), termo cunhado pelo especialista Joseph Nye. Jr, professor da Kennedy School of Government da Universidade de Harvard. O smart power é uma espécie de terceira via. Utiliza tanto a força bruta de tanques, caças e bombas como táticas de convencimento por meio da cultura, economia, ideais, diplomacia e autoridade moral. Segundo Hillary, o recurso a uma ou outra faceta da nova política, ou às duas, dependerá do caso. A ideia é pôr em prática a estratégia que traga melhores resultados. Imediatamente, observadores da política externa de Washington reviraram os arquivos em busca da edição de março de 2004 da revista Foreign Affairs. Num artigo, a cientista política Suzanne Nossel criou e desenvolveu o conceito apropriado por Hillary. De uma hora para outra, Suzanne se transformou em guru das relações internacionais. Suas palavras estão se reproduzindo na academia e nas entidades multilaterais. Ex-vice-embaixadora da missão dos EUA na Organização das Nações Unidas (ONU) no governo Bill Clinton, Suzanne tem fortes ligações com o Partido Democrata. No artigo, ela chegou mesmo a fundar as bases de uma nova política externa progressista. Em entrevista ao Correio por e-mail, Suzanne defende o poder inteligente como melhor forma de combater o terrorismo. ;A luta contra o terror é um bom exemplo do tipo de problema que não pode ser resolvido por meio ou do poder militar ou do poder suave aplicados de forma isolada;, diz. Chefe de Operações da organização não-governamental Human Rights Watch e fundadora do site Democracy Arsenal, ela acredita que o novo governo terá o desafio de retirar as tropas do Iraque sem afetar a segurança ou destruir a acomodação política no país. Qual é a diferença entre o poder militar empregado pela administração de George W. Bush e o poder inteligente que o presidente Barack Obama pretende utilizar? São muitas. Elas já ficaram evidentes, por exemplo, com o anúncio do fechamento da prisão de Guantánamo. Entre as principais diferenças, posso citar uma relação mais cooperativa e efetiva com os aliados, um uso mais extensivo de instituições e fóruns internacionais e uma melhor integração dos vários elementos de poder e influência, com uma pesada ênfase na diplomacia. Esse não é apenas um outro nome para o poder suave? Não. São conceitos diferentes. O poder suave fala apenas do apelo da diplomacia, da cultura, laços econômicos e outros elementos não coercitivos. O poder inteligente é um reconhecimento de que essas dimensões nem sempre podem substituir o uso da força. Como é possível lutar contra o terrorismo usando o poder inteligente? A luta contra o terror é um bom exemplo do tipo de problema que não pode ser resolvido por meio do poder duro ou poder suave aplicados de forma isolada. Simplesmente perseguir terroristas mundo afora não vai impedir as forças adversárias de arregimentar novos recrutas para o terror. Ao mesmo tempo, a diplomacia e os esforços para ganhar corações e mentes não vão subjugar grupos terroristas como a Al-Qaeda. Essa nova política vai ajudar os Estados Unidos a mudar sua imagem no mundo islâmico? Acredito que sim. A entrevista do presidente Obama para o canal de televisão Al-Arabiya, na primeira semana de mandato, já foi uma tentativa de obter uma nova forma de engajamento. Os Estados Unidos não poderão renunciar ao uso da força em áreas de preocupação no mundo muçulmano, mas podemos alargar nossas políticas para incluir muitos outros elementos. Com que frequência o presidente Obama fará uso da força? Ele já deixou claro que o fará quando isso for necessário. Acredito que veremos tentativas sérias e comprometidas de assegurar o mais amplo apoio internacional possível para as ações militares, por meio das Nações Unidas e outras organizações. Obama deve construir uma relação muito mais forte e eficiente com essas entidades, inclusive para legitimar o uso da força quando for preciso. Quais seriam os primeiros alvos militares dos Estados Unidos nessa nova era? Iniciativas diplomáticas de maior fôlego já estão encaminhadas no Paquistão, no Afeganistão e no Oriente Médio. Um dos primeiros desafios a enfrentar será o uso da força, em pequena escala, nas áreas tribais do Paquistão, onde os Estados Unidos têm usado aeronaves não tripuladas para lançar ataques a grupos combatentes que desempenham um papel importante no Afeganistão. A administração deixou claro seu desejo de ampliar a participação internacional, especialmente a europeia, nessa guerra. Isso deve acontecer. O poder inteligente pode ajudar os Estados Unidos a sair do Iraque de forma digna? O desafio é retirar as tropas do Iraque sem causar um declínio na segurança ou destruir o grau de acomodação política que existe hoje no país. Acredito que a tarefa será planejar e executar esse processo de uma forma ditada pelas condições reais. Espero que o povo americano permita alguma liberdade de movimento para assegurar que avanços obtidos com muito esforço não sejam minados por uma retirada ditada por algo mais que a estratégia no campo de batalha. Essa estratégia finalmente vem mostrando alguns sinais de sucesso. Como a nova administração deve se comportar perante o Irã? O novo governo já sinalizou uma abertura para a construção de um relacionamento diferente com o Irã, o que já é um bom começo. Isso não significa que as sérias preocupações no que diz respeito ao programa de construção de armas iraniano desapareceram. Os Estados Unidos devem continuar a agir como a polícia do mundo? Sim, mas não de forma unilateral. Os Estados Unidos carregam nos ombros parte de uma obrigação compartilhada internacionalmente de promover a paz, a segurança e os direitos individuais. A tônica das relações com a América Latina será a dos direitos humanos? Os direitos humanos devem ser um importante elemento na política dos Estados Unidos em relação a todas as regiões onde há sérias preocupações com esse tema. O desrespeito a esses direitos básicos alimenta a instabilidade política e conflitos, debilitando outros interesses políticos e econômicos dos Estados Unidos. De maneira geral, a nova administração deverá ter um foco considerável em estreitar as relações com a América Latina.