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Tribunal de Haia manda prender líder do Sudão

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postado em 05/03/2009 07:42
Pela primeira vez um chefe de Estado em exercício recebe uma ordem de prisão do Tribunal Penal Internacional (TPI). O mandado foi emitido contra o presidente do Sudão, Omar Hassan Ahmad Al-Bashir, por sua atuação na Guerra de Darfur, que desde 2003 já matou 300 mil pessoas. ;A qualidade oficial de chefe de Estado não exonera Al-Bashir de sua responsabilidade penal e não lhe oferece nenhuma imunidade perante o tribunal;, explicou ao Correio a assessora do TPI Laurence Blairon, de Haia (Holanda), sede da corte. Al-Bashir, por sua vez, disse que a instituição internacional ;pode comer; a ordem de captura. A recomendação de detenção do presidente foi feita em 14 de julho pelo promotor-chefe do tribunal, Luis Moreno Ocampo, e entre os juízes que emitiram a ordem está a brasileira Sylvia Steiner. Al-Bashir é acusado de cinco crimes contra a humanidade (assassinato, extermínio, deslocamento forçado da população, tortura e estupro) e dois de guerra (dirigiu os ataques contra as etnias de agricultores fur, massalit e zaghawa e promoveu saques). O governante sudanês utilizou as Forças Armadas e milícias paramilitares de origem árabe ; os janjaweed ; contra os rebeldes (leia o Para Saber Mais). O desafio é a execução do mandado. O TPI não possui corpo policial nem exército. Conta apenas com a cooperação internacional. ;Os Estados devem executar o mandado, principalmente o Sudão;, disse Laurence. O Sudão não é membro do TPI, e o ministro da Justiça, Abdel Baset Sedrat, ressaltou que o país se recusa a entregar o presidente. ;A ordem de detenção é uma decisão política. O TPI não tem competência nem poderes no Sudão. Al-Bashir continuará seus trabalhos habituais;, afirmou Sedrat. O assessor da Presidência, Mustafa Ozman Ismail, garantiu que vizinhos como Líbia, Egito e Eritreia descumpririam a decisão do tribunal e que o país tem o apoio da União Africana e da Liga Árabe. Depois de receber o mandado de prisão, o governo sudanês decidiu expulsar 10 organizações de assistência humanitária britânicas, francesas e norte-americanas de Darfur. Os Estados Unidos, apesar de não serem membros do TPI, apoiaram a sentença. ;Os EUA acreditam que aqueles que cometeram atrocidades devem ser levados à Justiça;, declarou o porta-voz do Departamento de Estado, Robert Wood. Já o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, pediu ao Sudão que garanta a segurança dos civis e funcionários da organização. O fato de a nação de origem do acusado não ser signatária do TPI não impede a condenação na corte. Laurence disse que caberá à história julgar se um mandado contra um presidente criminoso constitui um grande passo para a jurisdição universal. Para o diretor-associado do Centro de Estudos Africanos da Universidade da Pensilvânia (EUA), o sudanês Ali B. Ali-Dinar, ;a questão é que tipo de ação está sendo tomada em Darfur desde 2005;. Ele enfatiza que o governo sudanês teve quatro anos para mudar de comportamento perante sua própria população, e o tribunal levou um tempo considerável para julgar Al-Bashir. ;Quatro anos se passaram e ainda estamos tentando levar a paz ao Sudão;, afirmou ao Correio. O Brasil assinou em 2000 o Estatuto de Roma, que regula o TPI, e o ratificou em 2002. Em 2007, quando a ONU reunia contingente para as forças de paz em Darfur, o Itamaraty declarou a preocupação do Brasil com o conflito no Sudão, mas priorizou a atuação no Haiti por causa da proximidade regional e da limitação de recursos. ;Poderemos dar outro tipo de contribuição, no momento adequado, mas não estamos contemplando enviar tropas ao Sudão;, disse o ministro Celso Amorim à época. Argentino destemido Luis Moreno Ocampo, argentino que atua como promotor-chefe do Tribunal Penal Internacional, começou a trabalhar na corte de Justiça em 2003. Foi ele quem pediu a prisão do presidente Omar Al-Bashir. Antes de desembarcar em Haia, Ocampo deu aulas em Harvard e Stanford.
Revolta contra o governo central A região de Darfur, no oeste do Sudão ; maior país do continente africano ;, sempre foi cenário de conflitos por conta de sua população. Enquanto o restante do território é dominado por sudaneses de origem árabe e seguidores do islã, em Darfur os moradores são principalmente de etnias centro-africanas, muitos deles nômades. Alegando descaso do governo central, representantes desses grupos étnicos começaram a se organizar para exigir melhores condições de vida. Dois grupos se uniram para compor a Frente de Redenção Nacional. Os combates nessa região desértica e pobre se intensificaram em 2003, quando os rebeldes passaram a atacar instituições governamentais. Em resposta, os militares empreenderam uma violenta ofensiva contra os opositores. Bombardearam vilarejos inteiros e, apoiados por membros das milícias janjaweed ; também muçulmanos árabes ;, invadiram as localidades massacrando a população local. Pilhagens, execuções sumárias e sequestros de mulheres para servirem como escravas sexuais dos janjaweed fazem parte dos relatos de observadores internacionais na região. Hoje, estima-se que mais de 2 milhões de sudaneses vivam em campos de refugiados devido ao conflito. Um acordo de paz chegou a ser assinado em 2006, mas nem o governo, nem organizações rebeldes, respeitam a trégua. Na tentativa de estabilizar o país, a União Africana mandou um contingente de militares ao Sudão. A força é insuficiente para deter a violência. O regime de Cartum se recusa a aceitar o envio de soldados das Nações Unidas ao território. Descaso das autoridades A ordem de prisão contra Omar Al-Bashir é a 13ª desde que o Tribunal Penal Internacional foi criado para julgar aqueles que cometeram graves violações dos direitos humanos, em 2002. Todos os outros 11 mandatos expedidos pela corte, sediada na Holanda, são contra cidadãos de países africanos: Congo, Uganda, Sudão e República Centro-Africana. ;É onde ocorre o maior número de atrocidades contra civis no mundo;, explicou à reportagem o diretor-associado do Centro de Estudos Africanos da Universidade da Pensilvânia (Estados Unidos), o sudanês Ali B. Ali-Dinar. ;Os governos locais não estão cuidando da população civil como deveriam. É por isso que vemos a intervenção do TPI;, completou. Na capital sudanesa, Cartum, milhares de pessoas saíram às ruas para apoiar o presidente. ;Continua, Al-Bashir. Estamos contigo, guia;, cantavam. No entanto, Dinar avalia que essas ações são orquestradas pelo governo. ;Os sudaneses não são livres para expressar o que pensam. Essa não é a vontade da maioria.; Outras personalidades políticas do Sudão já receberam ordem de detenção pelo tribunal: o ministro de Assuntos Humanitários, Ahmad Harun, e o comandante da milícia janjaweed, Ali Kushayab. Sobre a situação no Congo, o TPI ordenou em abril de 2008 a prisão do chefe militar Bosco Ntaganda, por crimes de guerra e recrutamento de crianças para conflitos armados. O líder da guerrilha Força de Resistência Patriótica em Ituri (FRPI), Germain Katanga, e o coronel do exército do Congo, Mathieu Ngudjolo Chui, foram julgados pelo tribunal internacional por assassinatos, escravidão sexual e por convocar menores de idade para as hostilidades. O líder da União Patrótica do Congo (UPC), Thomas Lubanga Dyilo, foi condenado pelos mesmos crimes e, em março de 2006, foi a primeira pessoa a ser presa por um mandado do TPI. Uganda No caso de Uganda, o tribunal emitiu parecer contra Joseph Kony e mais quatro líderes do Exército de Resistência do Senhor (LRA, na sigla em inglês). A guerrilha tenta estabelecer violentamente um Estado teocrático, massacrando pessoas e sequestrando crianças. Em um caso referente aos crimes na República Centro-Africana, o Tribunal Penal Internacional deverá conseguir cumprir a sentença em breve. O político Jean-Pierre Bemba, vice-presidente do país entre 2003 e 2006, recebeu ordem de prisão em maio do ano passado e foi detido pelas autoridades da Bélgica, que devem entregá-lo ao TPI neste ano.

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