postado em 19/03/2009 08:05
Mais de 100 mil mortos, a infraestrutura devastada, a política lançada no limbo da falta de representatividade, a instável segurança à mercê de insurgentes da rede Al-Qaeda e de milicianos xiitas. Tudo isso valeu a pena, na opinião do iraquiano Nabeel Avci, morador de Kirkuk. O engenheiro de 25 anos contou ao Correio que soube das notícias sobre a invasão anglo-americana a Bagdá, a 290km ao norte, por meio da TV Shabab, emissora monitorada pelo governo de Saddam Hussein. Era madrugada de 20 de março de 2003 (noite de 19 de março em Brasília). ;Fiquei feliz e com medo ao mesmo tempo.;
Quando as primeiras bombas despencaram sobre a cidade de 600 mil habitantes, a TV e o telefone pararam de funcionar. ;Um dos mísseis caiu bem perto daqui, sacudiu minha casa. O segundo arrebentou os vidros;, disse Avci. Seis anos depois, ele acredita que a guerra foi um mal necessário. ;Antes não podíamos falar, não podíamos dizer ao governo que não tínhamos eletricidade ou água. Apenas um partido (Baath, de Saddam) controlava todo o país;, acrescentou.
O Baath se dispersou, Saddam foi executado e o Iraque está longe de ser um modelo de democracia. Em entrevista à reportagem, por telefone, o iraquiano Louay Bahri, professor de ciência política da Universidade de Bagdá, afirmou que o governo de Nuri Al-Maliki e o sistema político implantado no Iraque ; com a colaboração dos Estados Unidos ; não são ideais. ;Tivemos uma melhora na situação da segurança, mas o governo não controla todo o país, o que é inaceitável;, comentou o especialista.
John Brimley, porta-voz dos soldados dos EUA no Iraque, revelou que as mortes de soldados em combate atingiram o menor nível desde a invasão. Os ataques às tropas da coalizão também caíram 90% em dois anos. Bahri vê com preocupação o cenário delineado no norte do Iraque, na região que abriga as cidades de Kirkuk e Mossul. ;Os curdos estão em conflito constante com Bagdá e mantêm total independência em relação ao governo central.;
Bahri defende a redefinição do conceito de federalismo nos meandros da Constituição iraquiana. ;Os partidos religiosos detêm hoje o controle do Parlamento e das instâncias governamentais. Em tese, o Iraque deveria ser um governo multinacional. Um determinado grupo não pode controlar o poder;, declarou o analista políticos. Ele acredita que o país tem apenas uma escolha, se desejar gozar de um futuro estável: estabelecer partidos políticos plenos, sem características sectárias ou religiosas. ;É preciso a visão de um Iraque governado por um líder democraticamente eleito.;
O professor da Universidade de Bagdá não vislumbra um panorama estável para seu país. Segundo Bahri, embora o sul não esteja mais sob domínio do clérigo xiita Moqtada Al-Sadr ; resultado concreto das eleições provinciais de janeiro passado ;, norte ainda tem bolsões controlados pela rede Al-Qaeda.
A ameaça do terrorismo islâmico ficou evidente em uma declaração divulgada anteontem por Abu Omar Al-Baghdadi, suposto chefe do Estado Islâmico no Iraque, como é chamada a facção de Bin Laden na região. ;O que o líder da ocupação anunciou não passa de um novo exemplo do engodo do imperialismo. Eles esperam que os ;idiotas; e os ;imbecis; aceitem a ocupação de nossa terra e a humilhação de nossa dignidade durante mais três anos;, disse o extremista.
Retirada
Na certeza de que o Iraque ao menos engatinha por si só, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ordenou o fim das operações de combate até agosto do próximo ano e uma completa retirada militar até 2011. Depois de 2010, uma força interina de 35 mil a 50 mil soldados ajudará os iraquianos nas ações contra-terrorismo e nos treinamentos de guerrilha. Mais de 140 mil norte-americanos permanecem no território ocupado e a grande questão é o que será do país depois que eles se forem. Louay Bahri prefere nem pensar na resposta. De acordo com ele, é impossível o cumprimento do cronograma até o fim de 2010. ;O próprio governo de Bagdá admitiu não desejar a retirada imediata dos invasores e pede às tropas que fiquem;, lembrou.