postado em 24/03/2009 08:10
Professor emérito do Instituto de Estudos Europeus da Universidade de Paris 8, secretário-geral da Casa da América Latina de Paris, ex-diretor do jornal Le Monde Diplomatique (1996-2008) e aliado incondicional de Hugo Chávez e Fidel Castro, o francês Bernard Cassen defende a Revolução Bolivariana com unhas e dentes. Ele garante que as transformações empreendidas por Chávez independem do preço do petróleo e indaga se os brasileiros também não gostariam de ter acesso a saúde e educação gratuitas e da mesma maneira como a Venezuela oferece. Segundo Cassen, as indenizações prometidas pelo venezuelano a empresas nacionalizadas serão ;generosas;. Antes de chegar a Brasília, para fazer a palestra Contra a dolarização lingüística, uma aliança das línguas romanas ; amanhã, às 10h, no auditório da Reitoria da UnB ;, o intelectual respondeu ao Correio por e-mail.
Hugo Chávez ganhou força com a vitória da reforma constitucional que permite reeleições ilimitadas. O Sr. acredita que ele conseguirá se manter no poder até 2021?
Essa vitória foi obtida por uma maioria de 54,36%, ou seja, 1,3 ponto percentual a mais que o obtido pelo presidente francês, Nicolas Sarkozy, em sua eleição de maio de 2007, e 1,46 ponto percentual acima da votação popular conseguida por Barack Obama em novembro de 2008. E com uma taxa de participação muito elevada: 70%. Ao contrário do que muitos na imprensa escreveram, ele não quer a instauração de uma ;presidência vitalícia;, mas o direito de concorrer nos pleitos quantas vezes julgar útil. Os eleitores é que decidirão isso. Além disso, na Venezuela, os eleitores dispõem de um direito que não existe em nenhum outro lugar do mundo ; o de revogar o mandato presidencial na metade dele. Ninguém pode dizer com certeza se Chávez será candidato de novo em 2012 e 2018, mas é uma hipótese muito plausível. Em 10 anos, a Revolução Bolivariana permitiu enormes avanços sociais na Venezuela e modificou o equilíbrio de forças na América Latina. Mas 10 anos é pouco para enraizar as novas estruturas, e ninguém está mais à vontade que Chávez para torná-las irreversíveis. Se o povo assim quiser, evidentemente%u2026
A redução no preço mundial do petróleo ameaça a Revolução Bolivariana? Chávez já pensa em aumentar o preço da gasolina%u2026
Essa redução não ameaça em nada a Revolução Bolivariana. Essa revolução começou quando o barril valia menos de US$ 20, e hoje ele está na casa dos US$ 50. Não se deve reduzir as profundas transformações em curso na Venezuela a uma simples distribuição de poder aquisitivo e de assistência social graças à bonança petrolífera. A maioria da população, os pobres, ignorados, senão negligenciados pela Quarta República, conquistaram sua dignidade, ascenderam à cidadania.
Chávez manifestou interesse em implantar na Venezuela um aparato governamental e sistema partidário semelhante ao cubano. Acredita que esse modelo funcionaria na Venezuela?
Chávez nunca disse que gostaria de implantar um regime similar ao cubano. Disse exatamente o contrário, mesmo que proclame ; como Lula já o fez ; sua admiração por Fidel Castro. A Revolução Bolivariana respeita escrupulosamente todos os procedimentos da democracia representativa. Desde 1998, houve praticamente uma eleição a cada ano, e Chávez ganhou todas salvo uma, aquela da reforma constitucional, perdida por pouco em 2007. Ele acatou os resultados.
Um fuga de capitais da Venezuela pode prejudicar a Revolução Bolivariana ou Chávez já provou que ela não depende dessa ajuda internacional?
A Venezuela limitou a fuga de capital pela implantação de um controle de câmbio. Seus bancos não foram tão expostos aos créditos podres que desestabilizaram as instituições financeiras mundiais. Em breve, haverá mais bancos privados na Venezuela que nos Estados Unidos, onde daqui a pouco eles serão todos nacionalizados! A atitude de muitos investidores estrangeiros em potencial é absurda, pois há poucos países no planeta onde o setor privado pode ganhar tanto dinheiro quanto na Venezuela. Alguns investidores entenderam bem. Outros são intoxicados pela desinformação sistemática conduzida pela grande mídia.
Na América do Sul, há modelos divergentes de desenvolvimento. Há um modelo mais neoliberal e outro socialista. Essa divergência não torna inviável a integração?
Há alguns países que têm visões diferentes de desenvolvimento, mas não se pode caricaturá-los. Nenhum deles quer suprimir o mercado. A questão é saber se ele deve ser hegemônico ou se deve ser regulamentado e excluído de bens públicos como a saúde, a educação e recursos naturais. Venezuela, Bolívia e Equador decidiram privilegiar o ;reembolso; da ;dívida social; acumulada durante décadas. Mas os ricos e as transnacionais não foram expropriados. Toda nacionalização dá lugar a uma indenização bem generosa (até demais). Não vejo dificuldade em se formular políticas comuns diante de blocos comerciais estrangeiros, como a União Europeia. Penso que o modelo da Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba, que reúne Bolívia, Cuba, Dominica, Honduras, Nicarágua e Venezuela) contagiará a América Latina. A Alba é fundada sobre a solidariedade, a prioridade de doar, de lutar contra a pobreza, o desemprego, e promover o acesso à saúde e à educação. Não se trata de defender os grandes interesses financeiros. Muitos brasileiros adorariam ter atendimento médico e educação gratuitos, como é o caso da Venezuela hoje. O fato de que este país e a Bolívia erradicaram o analfabetismo constitui um modelo a ser seguido por outras nações do hemisfério. Todos os governos da América do Sul, com exceção daqueles que são submissos aos Estados Unidos (Colômbia, Peru), concordam que o continente deve se libertar da influência americana.
Lula manteve distância do Fórum Social Mundial nos últimos anos e retornou ao evento agora em 2009, acompanhado de Dilma Rousseff. Lula se distanciou dos ideais do Fórum e desta vez usou o encontro apenas para fins eleitorais?
O presidente Lula compareceu a todas as edições do Fórum no Brasil. Mas, diferentemente de outros anos, ele não foi a Davos em janeiro passado. É um sinal importante da permanência de suas convicções sociais. Em Belém, Lula convidou Chávez, Correa, Lugo e Morales para um encontro público que lhes permitiu manifestar solidariedade. Note que os esquerdistas latino-americanos, aqueles que são classificados de ;moderados; e os que são considerados ;radicais;, não são inimigos. Ao contrário. O fato de Lula ter aproveitado a ocasião para tornar Dilma Rousseff mais conhecida internacionalmente não me choca. Lula não é o único que está em campanha, apesar de não ser candidato. A grande mídia brasileira também está em campanha, mas contra ele!