postado em 27/03/2009 08:01
O relatório divulgado ontem pelo Pentágono detalhando o poderio bélico da China e denunciando falta de transparência do governo de Pequim não incomoda o historiador chinês Yong Chen. Em entrevista ao Correio, o professor da Universidade da Califórnia -- Irvine, Chen disse que China e Estados Unidos praticamente vivem uma relação simbiótica: Washington precisa de Pequim para sair da crise econômica, e Pequim precisa de Washington para exportar seus produtos. Na opinião do especialista, o governo chinês tem acenado com uma política externa cordial nos últimos meses.
Como o senhor vê a escalada de tensão entre China e Estados Unidos, depois que Pequim criticou ferozmente o relatório do Pentágono sobre sua capacidade bélica?
Eu não vejo uma escalada de tensão em um futuro previsto. Há uma necessidade urgente de os dois países trabalharem juntos na liderança mundial. A necessidade da China de ter uma relação cordial com os Estados Unidos é óbvia: Pequim depende do mercado norte-americano, apesar do profundo problema que os EUA estão enfrentando. Também é importante para os norte-americanos ficarem de fora de áreas quentes, como Taiwan e Xinjiang. Enquanto isso, não é hora de os EUA tornarem a China uma inimiga. Suas mãos e recursos estão muito atados ao Oriente Médio, ao Afeganistão e a outras regiões. Mais importante, é preciso a cooperação e assistência da China para lidarem com a Coreia do Norte e talvez até o Irã. No front econômico, os Estados Unidos estão na mais medonha crise desde a Grande Depressão. Eles não podem se permitir outro confronto militar, e também precisam trabalhar com a China para superar a crise. Nenhuma das lideranças dois lados está interessada em escalar suas diferenças.
O relatório revela que a China está desenvolvendo mísseis balísticos de longo alcance que estão "mudando o balanço de poder na região". O país realmente estaria interessado em consolidar seu potencial bélico na Ásia?
Com o governo Bush fora de cena, a velha Guerra Fria se tornou uma espécie em extinção. Os poucos guerrilheiros moribundos tentarão fazer algum barulho de tempos em tempos. Mas não acho que eles possam provocar qualquer agitação mais séria. Não há mercado para suas velhas histórias. O mundo está mudado. Eu tenho informação sobre o programa armamentista chinês. É senso comum que a China continuará a desenvolver e a atualizar seu arsenal. Na Ásia, sobre os direitos de muitas ilhas, que têm enormes implicações econômicas e estratégicas, a China enfrenta disputas com o Japão, as Filipinas e outros países. No entanto, a China não está em uma posição de consolidar seu poder militar regional. A China permanece com uma força naval fraca. Ela tem tentado evitar a imagem de um poder emergente ameaçador. Ao contrário, tem feito muito mais propostas amigáveis ao Japão e ao Sudeste da Ásia sobre como superar as disputas. Ainda que a China tivesse capacidade militar, não creio que seria do seu interesse usá-la para resolver imbróglios. Além disso, é uma economia exportadora (cerca de 70% do PIB chinês estão ligados ao comércio internacional). Recentemente, depois que as Filipinas infringiram a Linha Imaginária do Arquipélago das Filipinas, que definia os limites marítimos do país, a China enviou um barco de patrulha civil para a região. É importante notar que a China não mandou navios militares, o que evidencia um esforço para evitar confronto.
Que impactos podemos esperar nas relações entre China e EUA?
Eu não creio que esse incidente do relatório terá algum impacto a longo prazo. Recentemente, houve um episódio mais grave: o encontro entre um navio de vigilância dos EUA e cinco barcos chineses no Mar do Sul da China. Os EUA decidiram enviar uma escolta armada para proteger seus navios. Eu suspeito que isso tenha refletido nas ideias e ideologias de alguns oficiais do Pentágono. Mas não acho que isso seja um indicativo de direcionamento da política de Washington para com a China. Algumas pessoas do velho establishment amam continuar a travar a Guerra Fria. Mas, reitero, é um establishment em extinção. Não há uma doutrina Obama ainda na política externa da Casa Branca. Seria interessante vermos que pensamento estratégico emergirá no futuro próximo.