postado em 22/04/2009 08:10
O país que conheceu eleições livres somente 15 anos atrás volta hoje às urnas para escolher seu quarto presidente sob o regime de democracia racial. Mas, apesar da mobilização e de um suave fortalecimento da oposição, o candidato do partido governista, Jacob Zuma, deverá vencer com grande folga. As pesquisas mais recentes mostram o representante do Congresso Nacional Africano (CNA) com 60% das intenções de voto. Se a previsão for confirmada, serão mais cinco anos de governo do partido, que monopoliza o poder na África do Sul desde o fim do regime segregacionista do apartheid, em 1994. A expectativa é de que a participação seja recorde, com mais de 20 milhões de votantes.
A popularidade de Zuma se concentra especialmente entre a grande parcela de negros que vivenciaram a exclusão em um país dividido e ainda louvam o CNA pelo fim do apartheid. Segundo uma pesquisa do Ipsos Markinor, divulgada recentemente, 79% dos eleitores negros votarão no partido do governo. O apoio do ex-presidente Nelson Mandela, figura quase mítica entre os sul-africanos, reforça ainda mais as chances de o polêmico Zuma (leia ao lado) chegar ao poder.
Mas se entre essa parcela negra o discurso que remete ao passado ; com direito a hinos da época da luta armada ; funciona, os brancos, mestiços e eleitores jovens alegam que é preciso muito mais do que um currículo de militância para fazer um bom governo. Esses últimos, que representam quase um terço do total de inscritos, têm sido o alvo de Zuma nas últimas semanas. Em um discurso feito ontem, na sede do CNA, o candidato conclamou os maiores de 18 anos a votar pela primeira vez e ;garantir um grande futuro; ao partido. ;Temos confiança em obter uma boa porção do voto dos jovens;, disse com convicção.
Os concorrentes, no entanto, não parecem se intimidar com a derrota quase certa. A candidata Helen Zille, da Aliança Democrática, principal partido da oposição, e Mvume Dandala, do Congresso do Povo (Cope, dissidência do CNA), continuam em campanha para evitar, ao menos, que o partido do futuro presidente obtenha também dois terços do Parlamento. ;É possível que a Aliança e o Cope recebam, respectivamente, cerca de 16% e 15% dos votos, o que já representa uma oposição mais forte e mais consolidada do que em 1999 e 2004. Mas não há possibilidade de que Zuma e o CNA não vençam;, afirmou ao Correio o diretor do Departamento de Ciência Política da Universidade da África do Sul (Unisa), Dirk Kotze.
Hegemonia
Para Kotze, a vitória inevitável de Zuma com uma boa vantagem e a manutenção do CNA por mais cinco anos no poder exigem atenção, embora atendam à vontade da população expressa nas urnas. ;A dominação do CNA não é boa para uma democracia jovem, mas também não é antidemocrática. A mesma situação existe no Japão, na Índia, no México e também em Botsuana ; uma das mais antigas democracias da África;, compara. Ele destaca, porém, que ;uma oposição forte não é, necessariamente, uma indicação de qualidade da democracia;. Contudo, a oposição representada por Zille e Dandala terá de mostrar pulso firme para garantir que Zuma tenha sempre no centro de sua agenda os principais problemas que afligem a sociedade sul-africana hoje: a Aids, o desemprego, a criminalidade e a desigualdade social persistente.
Saiba mais sobre as eleições da África do Sul Como funcionam as eleições no país? O governo sul-africano funciona segundo um sistema parlamentar, com a peculiaridade de o presidente ser, ao mesmo tempo, chefe de estado e chefe de governo. Este é eleito numa sessão conjunta do parlamento, que tem duas casas, a Assembléia Nacional, com 400 assentos, e o Conselho Nacional de Províncias (semelhante a um Senado), com 90 assentos. A eleição, no entanto, tem por base o pleito realizado com toda a população, que acontece nesta quarta-feira, dia 22. Qual é a diferença dessas eleições? O crescimento do partido Congresso do Povo (Cope), uma dissidência do Congresso Nacional Africano (CNA), há 15 anos no poder, deu mais fôlego ao cenário eleitoral e ameaça agora o CNA a não conseguir uma maioria de dois terços no parlamento ; que o permitiria modificar a Constituição do país. Com menos de um ano de existência, o Cope ficou conhecido por ter se esforçado em fazer uma campanha efetiva e ter mantido o partido unido, mas as pesquisas de intenção de voto mostram que eles só conseguirão cerca de 10% dos votos. Já o CNA deve manter a sua maioria no parlamento. Quais são os principais temas dessa corrida à presidência? O CNA embasou sua campanha destacando o crescimento gradual da economia e a melhoria dos sistemas de serviço, como habitação, água e eletricidade para as populações pobres, durante seu governo. No entanto, alguns criticam o governo por não ter feito o suficiente para os mais pobres. Eles dizem que o crescimento econômico tem beneficiado apenas um seleto grupo e destacam que o desemprego continua elevado. O programa de empoderamento negro, um dos principais do governo, foi manchado por acusações de que os principais beneficiários têm boas ligações com o partido do governo. A oposição também se valeu das acusações de corrupção contra Zuma, candidato do governo, que recentemente foram retiradas pela Justiça e criticou a ineficiência do governo de lidar com a criminalidade. O antigo governo do presidente Thabo Mbeki, do qual Zuma foi vice, ainda foi fortemente criticado por não ter feito mais para ajudar os 5,7 milhões de infectados com o HIV ; a maior incidência da doença no mundo. Zuma, por sua vez, se comprometeu a reduzir a expansão da educação e do país, que apresenta altos níveis de analfabetismo. Quais são os principais partidos? De acordo com o Comissão Eleitoral Independente, 156 partidos políticos se registraram para essas eleições, sendo 117 em nível nacional e 37, nas províncias. Os mais importantes são: Congresso Nacional Africano (CNA) O CNA é o atual partido no governo e ocupa 297 assentos dos 490 no parlamento. Foi fundado em 1912 como uma organização de luta pelos interesses negros e tem mais de 621 mil membros. Partido de Nelson Mandela, o CNA está diretamente associado com a luta durante o período de segregação racial e, em grande parte por isso, se mantém no governo desde o fim do apartheid e estabelecimento de eleições livres, em 1994. Candidato: Jacob Zuma Aliança Democrática (DA) A Aliança foi criada em 2000 quando o Partido Democrata e o Novo Partido Nacional se juntaram. Hoje, ele é o principal partido de oposição, com 47 assentos na Assembléia Nacional. É visto como o partido das minorias branca e mestiça. A Aliança teve um papel importante durante as denúncias de corrupção que custaram o cargo de vice-presidente de Zuma, em 2005. Candidata: Helen Zille Congresso do Povo (Cope) Dissidência do CNA, o Cope foi fundado em novembro de 2008 pelo ex-ministro da Defesa Mosiuoa Lekota e pelo ex-primeiro-ministro da província de Gauteng (onde fica Johannesburgo) Mbhazima Shilowa. Sua criação foi uma resposta às "ameaças à ordem constitucional que emerge do CNA". Candidato: Mvume Dandala.