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Entrevista - Especialistas analisam onda de violência no Iraque

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postado em 25/04/2009 08:01

Louay Bahri é iraquiano e professor da Universidade de Bagdá. O iraniano Nader Entessar leciona na Universidade do Sul do Alabama e escreveu o livro Reconstrução e diplomacia regional no Golfo Pérsico. Já o norte-americano Stephen Biddle ocupa uma cadeira no renomado think tank Council on Foreign Relations, com sede em Washington. Em entrevista exclusiva ao Correio, eles analisaram a onda de violência que golpeia o Iraque e já fez 140 mortos entre quinta-feira e ontem.

Como o senhor vê essa recente onda de violência dentro do Iraque? Por que os xiitas são os principais alvos dos últimos atentados suicidas?


LOUAY BAHRI: O Iraque ainda está fragmentado, com três principais componentes da população puxando e empurrando um ao outro ; curdos, xiitas e sunitas. Enquanto os curdos e os xiitas parecem calmos, pelo menos por enquanto, os sunitas ainda estão divididos em várias facções, que são armadas e perigosas. A violência sunita não é dirigida exclusivamente aos xiitas; é também direcionada a outros sunitas, como a milícia Sahwa (Despertar), e os curdos. No momento, a Al-Qaeda parece ser o principal grupo sunita ativo contra os xiitas. Sua violência contra os xiitas é uma causa perdida. Enquanto eles puderem realizar atos de violência espetaculares e matara xiitas, provavelmente não serão bem-sucedidos em retomar o poder.

NADER ENTESSAR: Os ataques suicidas no Iraque têm sido sempre contra os xiitas. Eu creio que a mais recente onda de atentados se deve parcialmente ao fato de que o governo iraquiano parou de financiar os "Conselhos do Despertar" sunitas, criados pelos EUA, e suas milícias. Quando o governo Bush financiava as milícias sunitas, pretendia usá-las contra os membros da Al-Qaeda no Iraque. Graças ao extremismo de alguns membros do Despertar, foi natural que eles também dirigissem sua violência contra os xiitas e o governo central do Iraque. Esses ataques também alvejaram peregrinos iranianos. Os extremistas sunitas culparam o Irã por sua perda de poder no Iraque pós-Saddam Hussein.

STEPHEN BIDDLE: Eu suspeito que esses ataques sejam realizados pelo grupo Filhos Sunitas do Iraque como aviso ao governo do premiê xiita, Nuri Al-Maliki, de que eles ainda podem impor custos, se seus interesses não forem respeitados.


O presidente Barack Obama pretendia ter a garantia de uma estabilidade relativa no Iraque antes de retirar suas tropas. O aumento de violência pode ameaçar os planos do fim da ocupação?

LOUAY BAHRI: Eu creio que o presidente Obama continuará a retirar as tropas do Iraque, mas não será capaz de remover todos os soldados se a violência aumentar. Durante a campanha eleitoral, ele havia indicado que se a Al-Qaeda retornar, ele continuaria a combatê-la no Iraque. O premiê do Iraque, Nuri Al-Maliki, também disse que continuará a pedir a ajuda dos norte-americanos para lutar contra os insurgentes, caso ache necessário. A violência intensificada pode tornar a retirada mais lenta. Também temos de observar o que está acontecendo em Mosul e Kirkuk, que já requisitaram o deslocamento de tropas para o norte. O Exército iraquiano está construindo suas forças e sua presença é mais visível agora em áreas de conflito, como Diyala, Kirkuk e Mosul. Outro desafio para Obama é que ele enfrenta uma ameaça crescente da Al-Qaeda e do Talibã no Afeganistão e no Paquistão, o que pode exigir reforço militar.

NADER ENTESSAR: Se as forças iraquianas são incapazes de deter a recente onda de violência em seu país, tenho certeza de que a retirada das forças norte-americanos pode ser adiada. De qualquer modo, o governo Obama tem se comprometido em cortar a presença dos EUA no Iraque. Ainda assim, os EUA terão cerca de 50 mil soldados no território iraquiano por algum tempo, e isso será mais do que suficiente para fornecer apoio às forças iraquianas.

STEPHEN BIDDLE: O Iraque poderia caminhar rumo à estabilidade sustentável ou ao retorno da violência em massa. Políticas astutas, tanto pelos EUA quanto pelo Iraque, serão necessárias. Uma programação acelerada para colocar os Filhos Sunitas do Iraque nas forças de segurança do governo, por exemplo, poderia abrir um longo caminho até a estabilização da situação.

Obama também deseja uma relação mais próxima com o Irã para estabilizar o Iraque, o Afeganistão e o Paquistão. O fato de que muitos xiitas estão morrendo pode ser um obstáculo a essa aproximação?

LOUAY BAHRI: Enquanto Obama quer abrir relações com o Irã, parcialmente para ajudar a estabilizar o Afeganistão e o Paquistão, o principal tema no tabuleiro entre Washington e Teerã permanece sendo o desafio nuclear, a possibilidade de o Irã obter uma arma atômica. Desde 1979, muita desconfiança e amargor foram construídos pelos dois países. Os iranianos acham que têm sido muito maltratados pelos EUA e denunciam isolamento crescente. As importantes eleições no Irã se aproximam e podem trazer mudanças. Os iranianos poderão ser capazes de levar a relação do nível do diálogo para um estágio onde passos concretos sejam dados para restabelecer as relações diplomáticas. O Irã está se projetando como defensor dos xiitas no Oriente Médio. Naturalmente, a morte de um xiita no Iraque será tratada como assunto sério pelos iranianos. O medo real é de que tal assassinato abra um novo ciclo de violência no Iraque e renove a tensão sectária, que poderia atrapalhar a retirada dos Estados Unidos. Isso é algo que o Irã não deseja.

NADER ENTESSAR: Sim, se os xiitas continuarem morrendo em grandes números. Alguns partidos no Irã têm acusado os EUA pela recente onda de violência anti-xiita, por terem armado os sunitas.

STEPHEN BIDDLE: Eu suspeito que a atual onda de explosões no Iraque tenha importância apenas secundária nas relações entre EUA e Irã. Outros temas importam muito mais (como o programa nuclear iraniano)

Quais suas previsões para o Iraque nos próximos meses?

LOUAY BAHRI: Há muitos fatores desempenhando influências no futuro do Iraque. As eleições provinciais de janeiro trouxeram novo panorama a muitas regiões. Em províncias sunitas, os políticos eleitos podem desempenhar papel na estabilização dessas áreas, satisfazendo a população local. Nas áreas xiitas e em Bagdá, as eleições aumentaram o poder dos simpatizantes de Maliki. Em termos práticos, isso reflete a aprovação popular de sua política, marcada por um governo central forte, pelo desarmamento das milícias em todas as partes do Iraque e pela resistência ao separatismo curdo. Temos de esperar pelas eleições gerais no fim deste ano para ver se essas tendências continuarão. O governo do Iraque, de qualquer modo, será fraco. Precisa de investimentos externos, de projetos de desenvolvimento, de uma lei para o petróleo e de reconhecimento externo ; especialmente do resto do mundo árabe sunita.

NADER ENTESSAR: Não apenas a tensão anti-xiita vai aumentar, mas o papel dos curdos em lidarem com o governo central e o status de Kirkuk vão determinar o que ocorrerá no Iraque. Masud Barzani, o presidente do governo regional curdo, está assinando acordos sobre o petróleo com empresas estrangeiras, enquanto Bagdá tem alertado que tais contratos não terão validade jurídica. Nós devemos lembrar que o Iraque ainda é uma sociedade amplamente não-funcional. Os serviços básicos (eletricidade e água) ainda estão caóticos, o deemprego é extremamente alto e há 5 milhões de refugiados.

STEPHEN BIDDLE: Eu espero que a atual onda de violência seja combatida. Mas isso dependerá das políticas adotadas por Bagdá.

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