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Governo opta por candidato egípcio para órgão das Nações Unidas

Ministro Celso Amorim nega pretensão a agência atômica

postado em 13/05/2009 07:55
Até o fim deste mês, o governo brasileiro pode se ver diante da situação incômoda de ter um brasileiro candidato a um cargo internacional de enorme visibilidade e prestígio ; o de diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) ; sem o apoio do país. No último dia 30, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva definiu com o chanceler Celso Amorim a adesão à candidatura do egípcio Hosni Farouk, ministro da Cultura, apontado como antissemita e por isso rejeitado por países como Estados Unidos e França. Um de seus adversários poderá ser o atual diretor-geral adjunto do organismo, Marcio Barbosa, que já foi diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e tem a simpatia da comunidade científica e acadêmica. O prazo para apresentação de candidaturas expira no próximo dia 31, mas a eleição deve ocorrer apenas em setembro. Falando por telefone ao Correio, de Paris, sede da organização, Barbosa desmentiu que já tenha aceitado o lançamento de seu nome por outro país ; embora não esconda sua ;frustração; e o desacordo frontal com a avaliação do Itamaraty e a decisão ;precipitada e equivocada; de apoiar o egípcio. ;Começaram a circular rumores (sobre a candidatura), mas é um assunto até desagradável para mim, porque sou brasileiro, tenho um compromisso com o país, uma carreira na direção de órgãos do governo brasileiro;, disse o número 2 da Unesco. ;Eu torço muito para que o presidente Lula reverta essa posição, com base em outras avaliações que mostram que minha candidatura é viável. Do contrário, darei outros passos: não sei se volto para o Brasil, se fico por aqui, não sei se vou ser tentado por outros países a encarar uma briga dessas.; A decisão do governo de não apoiar Barbosa nem o senador Cristovam Buarque (PDT-DF), cujo nome também estava sendo cogitado, causou controvérsia crescente e levou Amorim a convocar a imprensa para desmentir que o motivo fosse uma pretensão sua de se apresentar para a sucessão da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). ;Não fui, não sou nem serei candidato à agência atômica, da mesma maneira como eu não era e não fui candidato à Organização Mundial do Comércio;, disse o ministro. A opção pelo candidato egípcio para o comando da Unesco obedeceria, segundo o chanceler, à mesma lógica pela qual o país ;apoia desde o início e continuará apoiando; o sul-africano Abdul Saba Minty: trabalhar por uma candidatura capaz de unir os países em desenvolvimento e fortalecer a cooperação Sul-Sul, um dos pilares da política externa do governo Lula. Amorim manifestou ;respeito; por ambos os pretendentes brasileiros, ressaltou que o Brasil ;tem bons candidatos para qualquer cargo internacional que se queira citar;, mas contradisse ;a premissa de que algum deles teria ;vitória líquida e certa;. ;As sondagens que fizemos não mostram isso, mostram que um brasileiro teria chance, mas seria uma disputa bastante renhida;, argumentou. Segundo o ministro, a opção pelo ministro Hosni Farouk responde ;à política forte de aproximação com os países árabes;, expressa pela realização de duas cúpulas entre dirigentes da região e da América do Sul, por iniciativa brasileira. ;É um candidato que tem apoio da Liga Árabe e da União Africana, que somam 20 votos no Conselho da Unesco;, justificou. Diálogo O ministro contornou uma questão sobre posições antissemitas atribuídas a Farouk ; ;na página dele (na internet) você lê que um lado acusa de uma coisa e o outro lado, de outra; ; lendo um trecho da carta na qual comunicou o apoio. Na passagem, o ministro manifesta confiança em que o egípcio ;se emprenhará em fomentar o diálogo entre civilizações, no espírito de tolerância; ; compromisso que teria sido assumido pelo candidato. Segundo Amorim, a decisão foi tomada ;no mais alto nível; do governo, após o presidente Lula ter ouvido emissários da Liga Árabe e do Egito, e com base em sondagens que não teriam identificado fissuras no apoio árabe. ;Não acredito nessa tese de que ele une o mundo em desenvolvimento;, contesta Marcio Barbosa, apoiado no corpo a corpo diário entre os representantes dos 58 países que decidirão a disputa. ;Acabam de ser lançados um argelino e um tanzaniano.; Esse cenário, ele garante, foi passado ao Itamaraty e transmitido ao presidente Lula também pelo governador de Minas Gerais, Aécio Neves, que esteve na Unesco, em Paris, com os deputados Nárcio Rodrigues (PSDB-MG) e Arlindo Chinaglia (PT-SP). ;Eu repito: torço muito para que o governo reconsidere em tempo essa posição inexplicável e apoie um candidato brasileiro, reconheça que a Unesco é importante. O Brasil nunca chegou pelo voto à direção de um organismo das Nações Unidas.; » Áudio: Ministro das Relações Exteriores desmente sua possível candidatura à vaga na Unesco
Análise da notícia Cenário de armadilha A sucessão na Unesco ameaça tornar-se uma armadilha para a diplomacia brasileira. Basta que a candidatura de Márcio Barbosa seja apresentada por algum dos países ; não são poucos nem desimportantes ; que resistem ao controverso ministro egípcio apoiado por decisão do Planalto e do Itamaraty. Depois de ter-se comprometido com Hosni Farouk, e por tabela com a Liga Árabe e a União Africana, o Brasil não terá escolha senão votar com ele, ainda que contra o pretendente brasileiro. Nos cálculos do Planalto, entraram considerações estritamente políticas: com o senador Cristovam Buarque na parada, o governo quis evitar atritos ; Barbosa, tem a seu lado o governador Aécio Neves. Do ponto de vista do Itamaraty, descartada a opção brasileira, a aliança com árabes e africanos pareceu a saída de menor risco. Reservadamente, diplomatas com bom trânsito no gabinete do chanceler respondem aos críticos lembrando que nos últimos anos, quando o país disputou (e perdeu) a OMC e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, foi chamado de ;fominha; pelos mesmos que agora se indignam pela Unesco. Que, na avaliação dessas fontes, tem apelo simbólico bem maior que o peso real dos organismos econômicos. (SQ)

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