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Entrevista - Stefano Sannino, emissário a União Europeia

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postado em 15/05/2009 08:00
Na semana passada, Brasília recebeu discretamente a visita de um emissário que ocupa função chave na União Europeia (UE): o italiano Stefano Sannino, diplomata de carreira, que responde pelas relações com a América Latina e ocupa interinamente a Direção Geral de Relações Exteriores. Sannino teve reuniões com o chanceler Celso Amorim, o ministro Guido Mantega e os presidentes da Câmara e do Senado, com o propósito de explorar caminhos para colocar em prática o plano de ação da parceria estratégica Brasil-UE, lançado na cúpula bilateral de dezembro passado. Em entrevista ao Correio, o alto funcionário europeu foi enfático na aposta do bloco europeu em uma relação que, pela perspectiva de Bruxelas, ;nunca foi tão bem; ; apesar dos ruídos que persistem, com toda a América Latina, em torno do delicado tema da imigração. Quais foram os objetivos da sua visita? Essencialmente, foi dar seguimento à reunião de cúpula (entre União Europeia e Brasil) de dezembro passado, quando concordamos em lançar o plano de ação da parceria estratégica. Fizemos um balanço do trabalho feito até aqui e preparar os próximos encontros que temos em vista, começando pelo comitê conjunto, que se reunirá em julho em Bruxelas, e chegando à cúpula de outubro em Estocolmo. Também tratamos de avaliar o andamento das coisas nos vários diálogos setoriais que iniciamos com o Brasil e colocar em perspectiva a preparação dos passos futuros. Como são as perspectivas para a relação Brasil-UE, com a crise financeira como pano de fundo? Minha apreciação é de que nunca tivemos um nível tão saudável de relações com o Brasil, e com expectativas tão promissoras. Começamos a dialogar em várias áreas de interesse comum, como meio ambiente, energia, transportes aéreos, medidas fitossanitárias e muitas outras. E vamos abrir outras. O comissário Fiegel virá para falar de cultura e educação. No fim de junho teremos o diálogo no campo macrofinanceiro, que será extremamente interessante, à luz da crise econômica. Temos uma relação muito sólida, diversificada, extremamente ampla em termos de assuntos cobertos, uma relação que tem muita vitalidade e nos permite trabalhar juntos em muitas áreas. O que está em andamento? Eu gostaria de ressaltar uma iniciativa em particular, que é a cooperação em programas de desenvolvimento para terceiros países, especialmente na África. Eles se estendem a vários setores, e um que interessa claramente ao Brasil é o dos biocombustíveis, mas também cobrem saúde e educação, que são muito importantes. Isso faz do Brasil um parceiro quase único no contexto das nossas relações externas, certamente um dos principais parceiros estratégicos da União Europeia. O senhor vê possibilidades de avanço nas negociações comerciais, mesmo com a crise alimentando tendências protecionistas? É verdade que a crise está atingindo duramente, e de alguma maneira obriga todos os países, especialmente os atores mais importantes, a encontrar uma resposta comum. Desse ponto de vista, a cúpula do G-20 financeiro em Londres foi muito importante na busca de elementos para essa resposta, para uma nova arquitetura na governança global das instituições financeiras. Um dos pontos de acordo na cúpula foi que o protecionismo não é resposta, e acredito fortemente de que é isso mesmo, que a ideia de erguer barreiras para tirar um país da crise é uma ilusão. Você pode obter vantagens em um prazo muito curto, mas isso logo deixa de funcionar. A ideia de seguir adiante com a Rodada de Doha (da Organização Mundial do Comércio) é algo que apoiamos com muita força. O presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, deixou muito claro que faremos grandes esforços para que se rompa o impasse nas negociações. Nesse terreno, as posições da UE e do Brasil estão bem alinhadas, ambos tentamos promover a abertura comercial. O chanceler Amorim defende que se retomem as negociações a partir do pacote proposto em julho passado pelo diretor da OMC, Pascal Lamy. A UE concorda? Não foi a UE nem o Brasil quem esteve na origem do impasse, naquela altura. O pacote de Lamy era a nossa opção, e certamente estamos mais do que prontos a recomeçar a partir desse ponto. Se Doha não avançar, as negociações comerciais entre UE e Mercosul podem ser a alternativa? Acho que devemos considerar seriamente de que maneira recriar as condições para as negociações sobre o acordo de associação (livre comércio) entre UE e Mercosul. Nos últimos meses, em particular, demos alguns passos importantes nessa direção. Tivemos encontros preparatórios que nos permitiram esclarecer um certo número de questões, aprofundar o diálogo político, discutir a cooperação. Acho que existe uma abertura para checarmos reciprocamente as posições no terreno comercial. Estou confiante de que existe um movimento, que pode seguir paralelamente à Rodada de Doha, e temos de ver como evoluirá cada um dos processos. Sinto em ambas as partes abertura e vontade para explorar essa via. A imigração tem sido outro tópico central nas relações da Europa com a América Latina. Que impacto a crise pode ter nessa questão? Temos tentado olhar para esse fenômeno por ambas as perspectivas, a dos países de origem dos imigrantes e a dos países de destino, porque há problemas de ambos os lados. A migração é provocada, em um sentido mais geral, pelas dificuldades econômicas, portanto temos de levar em consideração esse fator. Os imigrantes são pessoas que sofrem e estão em busca de uma vida melhor. Por outro lado, é importante também compreender que a Europa se tornou um ímã para ondar migratórias vindas de rodas as partes do mundo ; não apenas da América Latina, mas da África, do Oriente Médio, da Europa Oriental. Existem problemas quanto às condições em que essa migração se desenvolve. Por essas razões, a UE tenta estabelecer uma política que seja relativamente simples e baseada, em linhas gerais, na ideia de favorecer fluxos migratórios regulares, combater a imigração irregular e tentar responder às raízes do fenômeno, que ligam a migração ao desenvolvimento. Qual é a perspectiva da UE? A Europa quer continuar sendo um continente aberto, mas também quer assegurar que os imigrantes que chegam possam ser bem recebidos pela sociedade, conseguir um emprego e desfrutar dos mesmos direitos que nossos cidadãos têm. E sabemos que, para isso, temos de organizar os grandes fluxos. Esse é o ponto para nós: como administrar? Precisamos da ajuda dos países em desenvolvimento. Ao mesmo tempo, a imigração ilegal tem de ser combatida, pois cria uma situação muito difícil para a Europa e para os próprios imigrantes, que não podem assim assegurar os mesmos direitos dos cidadãos europeus e serão explorados, contrabandeados como mercadorias. Por isso as medidas que tomamos a esse respeito. Estamos há praticamente um ano discutindo isso com a América Latina, para esclarecer as condições, nossas políticas e iniciativas. Espero que logo possamos ter um marco concertado para que esse diálogo se torne mais concreto e substancial, e possamos atacar essa questão específica nas três linhas que mencionei: imigração regular, irregular e o desenvolvimento. Se chegarmos ao ponto de estabelecer uma verdadeira cooperação, teremos atingido um objetivo importante, e o assunto como um todo começará a ser visto de uma maneira bem menos tensa. Isso nos permitirá encontrar soluções concretas para os problemas específicos que surjam. Soluções que não se encaminhem para a criminalização da imigração irregular, como na Itália%u2026 Esse foi um projeto de lei apresentado por alguns partidos, de exigir o certificado de residência dos imigrantes que vão matricular filhos nas nas escolas, por exemplo, mas isso foi rejeitado pelo Parlamento. Eu entendo essa preocupação, a atenção que a América Latina dá ao assunto, mas se você olhar para o que há de substância, para o que está realmente acontecendo nos países europeus, você não encontrará nada em termos de criminalização, deportação em massa. É importante ver a realidade, ver como as coisas funcionam na prática. A América Latina emergiu da cúpula realizada na Bahia, no ano passado, como um bloco político. Como a UE vê esse movimento? A Europa foi sempre muito favorável à integração latino-americanas. Quanto mais a região avançar, tanto maior serão a segurança, a estabilidade, a prosperidade. Saudamos essa evolução e tentaremos colocar sobre a mesa, em futuro bem próximo, propostas concretas para ajudar nesse processo e também no desenvolvimento econômico integrado da região. Para nós, essa é uma tendência muito positiva. Como a Europa vê a pressão latino-americana para reintegrar Cuba ao sistema interamericano? A União Europeia está se reunindo com o Grupo do Rio, pela primeira vez com a participação de Cuba ; a mudança está aí, está acontecendo. O lado europeu tem sido muito determinado a criar condições para uma melhor relação com Cuba. O comissário de Cultura, Louis Michel, foi muito ativo nesse processo de diálogo que reiniciamos, e a apreciação na UE é que esse diálogo está dando resultados positivos. Ainda não decidimos sobre como seguir adiante, mas sinto que as coisas estão indo na direção certa. Mas claro que não se trata de dialogar por dialogar: esperamos chegar a uma melhor compreensão recíproca e ver evoluções na situação interna de Cuba. Qual o papel que o Brasil pode desempenhar nas relações desse bloco com o resto do mundo? O papel do Brasil é essencial, como o maior país da região, e o mais rico. A influência que pode exercer é enorme. O governo do presidente Lula pode ter um papel muito importante entre seus colegas. Pudemos ver isso recentemente durante a crise na Bolívia, foi um exemplo do quanto se pode fazer com a determinação política e a capacidade de congregar o continente em torno de uma ideia. O Brasil está iniciando uma aproximação com o Irã, um país com o qual a UE vem lidando há algum tempo, nem sempre com facilidade. Como o senhor vê essa iniciativa? Não é meu papel comentar as escolhas de política externa do Brasil, tentarei responder em termos mais gerais. Acho que tentar jogar um papel conversando inclusive com países ;difíceis; é, por si, uma atitude construtiva. Talvez seja necessário fazer algumas distinções, mas em geral promover o diálogo é mais positivo do que negativo.

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