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Entrevistas: Especialistas analisam crise nuclear na Península Coreana

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postado em 27/05/2009 08:01
O norte-americano Scott Snyder dirige o Centro para Política EUA-Coreia, uma entidade ligada ao instituto The Asia Foundation ; sediada em Washington. Stephen Schwartz edita o jornal The Nonproliferation Review e já ocupou o cargo de diretor executivo do Bulletin of the Atomic Scientists. Descedente de sul-coreanos, o também norte-americano Chaibong Hahm é cientista político na respeitada organização RAND Corporation e trabalha em Santa Monica, na Califórnia. Consultados pelo Correio, os três especialistas sobre a Península Coreana falaram sobre os desdobramentos da crise nuclear agravada pela explosão de uma bomba atômica por parte de Pyongyang (Coreia do Norte) na última segunda-feira. Pyongyang ameaçou hoje não apoiar iniciativas que tentem limitar a fabricação de armas nucleares. Como o senhor vê o impacto dessa ameaça nos tratados de não-proliferação? SCOTT SNYDER: O exemplo da Coreia do Norte desafia um esforço internacional para limitar a produção de materiais de fissão nuclear. Tal declaração sublinha ainda mais a posição de isolamento da Coreia do Norte frente à comunidade internacional, enquanto nação desafiadora. STEPHEN SCHWARTZ: Há uma hipocrisia inerente no chamado dos Estados Unidos e da Rússia para que outros países não produzam urânio ou plutônio para armas nucleares, enquanto se sentam sobre enormes estoques. Isso terá de ser abordado, para que um Tratado de Proibição de Material Físsel seja bem-sucedida. Por outro lado, o recente teste da Coreia do Norte pode levar mais países a apoiarem as negociações desse acordo, na tentativa de limitar as ambições de aspirantes nucleares como a Coreia do Norte. É difícil dizer o que pode ocorrer nesse momento. CHAIBONG HAHM: Isso seria um golpe no Tratado de Não Proliferação (TNP), mas não tão sério. Ao contrário de outras potências nucleares no mundo, a Coreia do Norte já deixou claro que não se deseja declarar como tal. Eles pensam que é de seu interesse estratégico afirmar que possuem armas nucleares. Isso surge de sua peculiar relação com os EUA. A ameaça de desenvolver armas nucleares confere a Pyongyang força contra um recalcitrante ou desinteressado Estados Unidos. Tal situação é única e não acho que outros países aspirantes a potências nucleares, como o Irã, seguirão o exemplo norte-coreano. Existe o risco de essa ameaça iniciar uma corrida nuclear pelo mundo, ao incentivar várias nações a recusarem a assinatura de sanções contra a proliferação nuclear? SCOTT SNYDER: O governo de Barack Obama tem expressado o desafio representado pelo Irã e pela Coreia do Norte no contexto da credibilidade de um regime internacional de não proliferação. Muitas pessoas dentro da Casa Branca estão profundamente comprometidas em apoiar esse regime, indiretamente aumentando a possibilidade de confronto entre EUA, Coreia do Norte e Irã. A preocupação imediata é que Pyongang está ajudando a socorrer a proliferação, incluindo o exemplo dos laços entre Síria e Coreia do Norte e a possível proliferação horizontal entre Coreia do Norte e Irã. Não há provas diretas, apenas suspeitas. Até o momento, o governo Obama está mostrando o comprometimento dos EUA com a não proliferação. A possibilidade de uma nova compreensão estratégica na redução do arsenal nuclear por EUA e Rússia é outro veículo que amplia a credibilidade do regime e destaca que seus desafiadores são atores periféricos do sistema internacional. STEPHEN SCHWARTZ: Não vejo o teste da Coreia do Norte despertando uma nova corrida armamentista nuclear na Península Coreana ou em qualquer lugar. Está começando a se tornar aparente que os norte-coreanos ainda não aperfeiçoaram a habilidade de fabricar armas atômicas. Também não têm meios eficientes de levá-las até alvos distantes. A Coreia do Norte posa como ameaça incipiente, não uma imediata. Eu também não acho que as ações da Coreia do Norte (ou inação) encorajará outros países a construirem armas nucleares ou a se oporem a tratados limitando armas nucleares. CHAIBONG HAHM: A única preocupação tem a ver com as respostas de Japão e Coreia do Sul. Há a possibilidade de esses países se sentirem ameaçados pelo arsenal nuclear norte-coreano e, por isso, comecem a ser armas. Dadas as capacidades militar e tecnológica de Japão e Coreia do Sul, será apenas questão de meses antes que eles adquiram armas nucleares. Isso provocaria uma perigosa corrida armamentista no nordeste da Ásia, algo que ninguém deseja. De qualquer modo, ainda é uma possibilidade remota. Antes de isso ocorrer, os Estados Unidos e seus aliados -- Japão e Coreia do Sul --, em cooperação com China e Rússia, tentarão de tudo para convencer a Coreia do Norte a desistir de seu arsenal. Isso levará alguns anos. Depois disso, Japão e Coreia do Sul podem ameaçar a desenvolver suas próprias armas nucleares. O senhor acredita que a instabilidade no controle dos arsenais nucleares pode se tornar maior durante o período de transição da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA)? SCOTT SNYDER: A instabilidade no controle dos arsenais nucleares é uma preocupação de alta prioridade para os EUA. A AIEA está encarregada do monitoramento do uso pacífico de energia atômica; a agência não monitora arsenais. Não há um regime eficiente de gerenciamento de arsenais além do amplo comprometimento de desarmamento sob o Tratado de Não Proliferação (TNP). Uma questão que virá à tona na revisão do TNP em 2010 será se os países nucleares estão fazendo o bastante para cumprir com seus compromissos de desarmamento. O governo Obama terá relativamente menos problemas com esse tema, se comparado ao de Bush. Preparações para a conferência têm feito progresso significativo, em comparação à conferência realizada em 2005. STEPHEN SCHWARTZ: Não acho que as eleições na AIEA serão um fator. Mohamed ElBaradei ainda é o secretário-geral e existe toda a razão para suspeitar que seu sucessor será eleito em junho ou julho. Não existe um vácuo de liderança na AIEA e não acho que a transição criará problemas no futuro próximo. O tema maior com a AIEA é se os países-membros estarão dispostos a atuar de modo unificado e serem duros com nações que não cumprirem com suas obrigações sob o auspício do TNP. CHAIBONG HAHM: Isso é muito um tema regional, a ser gerenciado pelo processo de conversação das seis partes ou bilateralmente entre EUA e Coreia do Norte. Não acho que isso represente um desafio imediato à AIEA como para os vizinhos da Coreia do Norte, que têm seu próprio mecanismo e sua história em lidar com o tema. Pyongyang insiste em manter o lançamento de seus mísseis, apesar das críticas internacionais. Em termos de sanções, o que seria possível fazer para punir o regime de Kim Jong-il? SCOTT SNYDER: Minha própria visão é que a imposição de sanções na Coreia do Norte é basicamente simbólica, frente ao isolamento que o regime já enfrenta. Dada às declarações da Coreia do Norte, será também importante redobrar os esforços para controlar a proliferação. Isso pode ocorrer sob a implementação de ações da Resolução 1.540 do Conselho de Segurança da ONU, mas tem sido também a preocupação primária da Iniciativa de Segurança de Proliferação, na qual a cooperação é assumida voluntariamente pelos países. STEPHEN SCHWARTZ: É difícil prever que tipo de sanções o mundo poderia impor que fariam mais do que as sanções sob as quais o país vive. Se a China se tornar mais ativa em prevenir a transferência ilícita de tecnologia para a Coreia do Norte, interceptando os carregamentos na costa norte-coreana, isso ajudaria. O aumento da retórica tem o potencial para o agravamento das tensões. CHAIBONG HAHM: Sanções serão amplamente ineficientes em mudar o comportamento da Coreia do Norte. O mundo externo tem muito pouca força quando vai à Coreia do Norte, que já está muito isolada da comunidade internacional. O único país que tem qualquer medida de influência sobre esse regime isolado é a China. De qualquer modo, a China reluta em forçar a Coreia do Norte a fazer o que não deseja fazer, e teme desestabilizar o regime. O nível de aumento das tensões dependerá de quão firmemente EUA, Japão e Coreia do Sul responderão em uníssono e do quanto a China e a Rússia vão cooperar com esses países.

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