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Entrevistas: Pyongyang tenta jogada para reafirmar regime

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postado em 29/05/2009 07:55
Dois especialistas consultados pelo Correio afirmam que, apesar da troca de escaramuças verbais, a crise nuclear norte-coreana dificilmente vai descambar para um conflito armado. O dinamarquês Hans Kristensen, diretor do Projeto de Informação Nuclear da Federação dos Cientistas dos Estados Unidos, defende o corte de suprimento financeiro ao regime de Kim Jong-il. Ele afirma que uma guerra hipotética deixaria um banho de sangue na Península Coreana, criando "terríveis perdas civis", e representaria o suicídio da própria ditadura norte-coreana. Por sua vez, o chinês Yong Chen, historiador da Universidade Califórnia-Irvine (nos EUA), afirmou que a China, importante aliada histórica de Pyongyang, enfrenta um difícil dilema: não deseja um Leste Asiático instável e não pretende ter um vizinho com armas nucleares, mas também teme receber um grande número de refugiados, se a Coreia do Norte fosse literalmente devastada por uma campanha militar. A Coreia do Sul e os Estados Unidos aumentaram o nível de alerta. Por sua vez, a Coreia do Norte ameaça com um conflito militar e prometeu ignorar o armistício assinado depois da Guerra da Coreia. Como o senhor vê o aumento das tensões na Península Coreana? HANS KRISTENSEN: É certamente infeliz que Pyongyang tenha aumentado a tensão, mas como o principal interesse do regime da Coreia do Norte parece ser sua sobrevivência, eu ficaria muito surpreso se eles atacassem algo. Mas é importante que a Coreia do Sul e os EUA não façam nada militarmente que possa ser mal-interpretado pela Coreia do Norte ou usado como desculpa para uma ação militar. Aumentar o nível de alerta parece aceitar as ameaças bélicas de Pyongyang. YONG CHEN: Nesse momento, não acho que a liderança norte-coreana fale sério sobre iniciar um conflito militar com os EUA ou a Coreia do Sul. Ela o fez depois da Segunda Guerra Mundial, com o apoio de União Soviética e China. Agora, tanto a China quanto a Rússia se opõem a qualquer agressão por parte da Coreia do Norte. Especialmente importante é a atitude da China, firmemente contra a aposta política da Coreia do Norte. Sem o apoio da China, a Coreia do Norte não pode sustentar qualquer atividade militar depois de poucos dias. Seria uma ação suicida para a Coreia do Norte provocar uma guerra. Não acho que a liderança norte-coreana seja insana. Esse é um movimento muito calculado. Qualquer confronto militar com os EUA ou a Coreia do Norte não beneficiaria Pyongyang. A Rússia pediu ao mundo que seja paciente com Pyongyang, mas as Nações Unidas estudam um pacote de sanções contra a Coreia do Norte%u2026 HANS KRISTENSEN: É difícil pressionar um regime a fazer algo, pois a pressão externa é a base da continuidade do regime. Mas algumas sanções, como o corte de suprimento financeiro para a liderança norte-coreana, podem ter potencialmente um efeito direto. Mas todas as sanções e as ações da ONU devem ser honestamente analisadas para assegurar que nós não apenas impomos sanções para demonstrar que fazemos algo; tem que ser algo que funcione%u2026 YONG CHEN: A ONU já tem o mecanismo legal para iniciar uma sanção. O papel da China, nesse sentido, é mais importante que o da Rússia. Ainda não está claro se a China apoiaria uma sanção da ONU. É uma situação muito difícil para Pequim. Por muitas razões, China não gosta da direção que a Coreia do Norte está tomando. Ela não quer o Leste Asiático instável. Não quer uma potência nuclear como vizinho. Também não espera ver uma corrida armamentista na região. Por outro lado, não deseja destruir a Coreia do Norte, pois isso criaria um problema de refugiados. Mais importante ainda, Pequim perderia uma importante cartada política, e uma área-tampão entre China, EUA e Japão. A Coreia do Norte também elevou o seu nível de alerta. No caso de um conflito militar, qual o provável cenário? HANS KRISTENSEN: Ninguém pode honestamente afirmar que entende Pyongyang ou que é capaz de ler as intenções da Coreia do Norte. É muita confusão e frenesi. Não acho que a Coreia do Norte atacará, mas haveria um banho de sangue se isso ocorresse. A proximidade de centenas de milhares de soldados com artilharia e mísseis em ambos os lados da fronteira, capazes de atacar rapidamente Seul e Pyongyang, criaria terríveis perdas civis. Um ataque militar seria o fim da Coreia do Norte. YONG CHEN: Todos os sinais indicam que a região, especialmente a Coreia do Norte, está se tornando menos estável. O governo norte-coreano cairá num futuro próximo ; os fundamentos políticos e ideológicos estão falindo, e o governo dirige uma economia incapaz de alimentar sua população. Nesse sentido, o teste nuclear se transforma na criação de uma ilusão psicológica de grandeza. Qual seria a real intenção de Pyongyang, à medida que escala as tensões? HANS KRISTENSEN: A intenção real é provavelmente a mesma que das outras vezes. Eles têm ameaçado e demonstrado pose. O regime quer demonstrar à população interna que se levanta contra uma ameaça externa, além de pretender obter concessões dos Estados Unidos e de outros países na região. YONG CHEN: Muitos repórteres têm especulado sobre a meta doméstica do teste nuclear. Como eu já disse, esse teste cria uma ilusão psicológica de grandeza. Poderia haver outra razão: os norte-coreanos querem se mover para além da dependência da China. Mas há muitas razões pelas quais os Estados Unidos não poderiam negociar com a Coreia do Norte diretamente. Pyongyang não retrocederia a esse ponto. O trem saiu da estação. A escalada de tensão continuará.

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