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Entrevista - Kevin Trenberth: Meteorologista defende ação global contra mudanças climáticas

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postado em 30/05/2009 07:01
Com a experiência de quem escreveu um dos relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o meterologista neozelandês Kevin Trenberth -- cientista do Centro Nacional de Pesquisas Atmosféricas dos EUA -- afirmou ao Correio que ainda não é tarde para conter os efeitos das mudanças climáticas. De acordo com ele, o Brasil será afetado pelo aquecimento global, com uma estiagem mais rigorosa que a de 2005. O relatório do Fórum Humanitário Global prevê 500 mil mortes por ano até 2030, com 600 milhões de pessoas afetadas pelo clima anualmente. O senhor considera essa uma estimativa exagerada? Seria possível evitar essa catástrofe humanitária? Com uma população do planeta ultrapassando os 6 bilhões de pessoas, se a média de expectativa de vida é de 60 anos (considerada alta), então 100 milhões morreriam a cada ano. Não sei o que representam 500 mil mortes, mas as pessoas vivem suas vidas e morrem. Para as mudanças climáticas, a questão é se as vidas são prematuramente curtas e se qualidade de vida é afetada. O clima está mudando a partir das atividades humanas, e todas as pessoas já são afetadas de um modo ou outro. Então, 600 milhões de pessoas é um cálculo subestimado. Nós temos duas opções: uma é tentar parar ou desacelerar as mudanças climáticas, e a outra é reconhecer que está ocorrendo e se preparar para ela. A terceira opção é não fazer nada e, nesse caso, sofrer as consequências. Os conflitos humanos e a perda de vidas aumentarão, consequências do planejamento pobre. Em termos de refugiados, é possível estimar o número de desalojados ao redor do mundo por causa das mudanças climáticas nos próximos anos? A situação poderia provocar um colapso econômico em algumas nações, sem condições de abrigarem tantas pessoas? Sim, para ambas as questões. Isso pode ocorrer na próxima década. Os principais efeitos vêm das enchentes e secas, e da disponibilidade de água. Recentemente, temos experimentado dois anos de fenômeno La Niña, em que condições em muitas partes dos trópicos e subtrópicos são mais úmidas, com inundações. O próximo El Niño trará de volta secas desordenadas e escassez de água, com incêndios florestais. Haverá mortes. O tufão Nargis, em Miamar, causou grandes perdas de vidas e por pouco derruba o governo. Quantas pessoas se tornarão refugiadas vai depender da habilidade das pessoas em reconhecer o problema e ver que a migração é um caminho. As secas já estão disseminadas e as migrações em pequenas distâncias poderão não ajudar. Como o senhor vê a posição do Brasil nesse contexto? Somos um país vulnerável? Essa é uma questão multifacetada. Em primeiro lugar, as mudanças climáticas afetarão o Brasil, não há dúvidas disso. As secas no Nordeste sempre ocorreram. Condições ainda mais áridas em 2005 são outro exemplo, e aumentam o risco de incêndios. Chuvas torrenciais também, podem ocorrer. Os efeitos se tornarão mais intensos. Em segundo lugar, é fato que o Brasil contribui para o problema por meio do desmatamento. Em terceiro lugar, o Brasil tem desenvolvido um componente de energia renovável baseado em etanol. Mas ele pode ser considerado bastante sustentável? A produção de etanol exige a degradação do solo? Em quarto lugar, o comércio internacional será afetado por qualquer solução que vier da Conferência do Clima de Copenhague, de 6 a 18 de dezembro de 2009. Eu creio que os países desenvolvidos deveriam tomar a liderança, e um sistema de créditos de carbono deve surgir. Mas isso precisará ser global, ou será um fracasso. Medidas individuais não ajudam e afetam a economia dos países. Alguma forma de sistema de penalidade tem de ser implementada pelos países que não participarem. Isso inclui tarifas e outros meios de punição, para que a indústria não migre para o país com poucas normais ambientais. Se a humanidade deseja evitar essa catástrofe, o que é necessário ser feito? A única solução é praticar a mitigação? Não. O uso da energia é uma grande parte do clima, principalmente pelo fato de os combustíveis fósseis não serem renováveis. Mas é muito mais um problema per capita. A população e os padrões de vida são um grande tema. Estamos sobrecarregando a capacidade do planeta. Tudo bem para China e Índia dizerem que têm emissões per capita muito baixas, mas elas têm populações maiores. A mitigação é uma parte-chave do problema, mas não o resolverá. A adaptação (planejamento) também é essencial.

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