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Entrevista Mustafa Kibaroglu: "A total desnuclearização do planeta certamente não é utopia"

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postado em 31/05/2009 06:30
Professor de Desarmamento e Controle de Armas no Departamento de Relações Internacionais da Universidade Bilkent, em Ancara, o turco Mustafa Kiraborglu afirmou ao Correio que a desnuclearização do mundo esbarra nas divergências de interpretação do Tratado de Não Proliferação Nuclear. Segundo o especialista, sanções contra os chamados países párias, que insistem em ir na contramão do uso pacífico da energia atômica, apenas prejudicam a população vulnerável dessas nações. Mustafa acredita que a completa desnuclearização do planeta não é uma meta utópica. Por que há muito impasse na ONU no momento de impor o regime de não proliferação no mundo? Por que é tão difícil integrar todos os países em um esforço para desmantelar os arsenais nucleares no mundo? A dificuldade em impor os princípios e normais fundamentais, bem como as regras do regime de não proliferação nuclear, parte das diferenças na interpretação dos países-membros da ONU em relação a seus direitos e obrigações ao participarem do Tratado de Não Proliferação Nuclear. As obrigações dos Estados não-nuclearizados que os mantêm afastados de desenvolver a capacidade de fabricação de armas atômicas são balanceadas por seus direitos de fabricar tecnologia nuclear com propósitos pacíficos, como estipulado no Artigo 4 do TNP. De qualquer modo, o mecanismo de inspeção original do TNP conferido pela Agência Internacional de Energia Atömica (AIEA), segundo o disposto no Artigo 3, não consegue garantir que a linha tênue entre capacidades militares e pacíficas no campo nuclear não seja ultrapassada pelos países. Para evitar essa situação, um Protocolo Adicional é desenvolvido junto à AIEA para fortalecer o regime de salvaguardas. Como não é obrigatório dos Estados-membros do TNP assinar ou ratificar esse documento, é difícil assegurar que as atividades suspeitas dos países sejam efetivamente monitoradas. As nações mais poderosas da ONU deveriam se unir com a meta de impor o procedimento de inspeção do Protocolo Adicional a cada membro do TNP, sem levar em consideração suas conexões políticas, econômicas ou militares com esses outros países. Eles devem todos reconhecer que a proliferação de armas de destruição em massa talvez seja o único mais importante desafio para a sobrevivëncia de nossa civilização, considerando que consequências essas armas teriam nas mãos de organizações terroristas. Temos observado uma série de esforços para desmantelar as armas nucleares existentes desde o fim da Guerra Fria. Se observarmos a situação da perspectiva do número de armas, é possível dizer que um grande trabalho tem sido feito. Mas a questão é: "tem sido o bastante?" E a resposta é, obviamente, "não". As armas nucleares são ainda consideradas como a garantia de sobrevivência do Estado que as detém. Essas armas estão também associadas ao prestígio. Antes de um ataque terrorista com armas de destruição em massa, os países devem formular políticas que, por um lado, controlem a proliferação desse arsenal pelo mundo e, por outro lado, eles mesmos tomem medidas concretas para começar a desmantelar suas armas. Um mundo livre de todos os tipos de armas de destruição em massa não é apenas um sonho. Não existe ainda um consenso para punir a Coreia do Norte. Algumas nações apenas consideram que sanções contra Pyongyang serão sem efeito, já que o regime está isolado do mundo. Como o senhor vê esse argumento e o que seria possível fazer contra os chamados "governos párias", que insistem em desafiar a comunidade internacional e não têm interesse em assinar tratados de não proliferação? Eu pessoalmente não acredito no mérito de sanções. As sanções provocam danos à população do país e os governantes jamais são afetadas por elas. No caso da Coreia do Norte, as punições podem tornar a situação ainda pior. Já existe pobre e uma péssima condição de vida na Coreia do Norte. De qualquer modo, os membros permanentes da ONU podem e devem concordar em impor sanções à Coreia do Norte com a meta específica de limitar a aquisição de tecnologia e materiais que podem ser usados diret ou indiretamente em seus projetos de desenvolvimento de mísseis e armas nucleares. A Rússia e a China têm responsabilidade particular em atingir essa meta, porque esses países tiveram contribuições significativas para esses programas no passado. Além disso, esses dois membros do Conselho de Segurança da ONU têm fornecido forte apoio político a Pyongyang. Essa política precisa ser revisada por eles. O Irã testemunha a Coreia do Norte desafiando o mundo com o teste nuclear e sabe que nada ocorreu com a Índia e Paquistão, que também já explodiram suas bombas. Teerã poderia se sentir estimulado a produzir a bomba atômica, diante desse cenário? Ainda que haja semelhanças entre o Irã e a Coreia do Norte a respeito do ritmo de desenvolvimento de seus programas nucleares, eu creio que os dois países devem ser tratados diferentemente. O Irã tem uma tradição duradoura de nação administrada por líderes experientes, incluindo clérigos e políticos. Há poderosos grupos de influência na sociedade, especialmente no círculo acadêmico. Os diplomtas iranianos podem perceber os sentimentos dos diferentes países do mundo. Creio que a liderança iraniana tem se comportado de modo mais responsável. O Irã tem ou está muito próximo de ter capacidades científicas e tecnológicas para desenvolver armas nucleres. Alguns analistas creem que, se a liderança iraniana tivesse atuado de forma irresponsável como a Coreia do Norte, o Irã já teria testado um dispositivo nuclear. Acho que ainda há chances de mantermos o Irã longe de detonar um dispositivo de explosivo nuclear ou de fabricar bombas. Se o Irã serguir o caminho da Coreia do Norte, abandonar o TNP e desenvolver armas nucleares, será extremamente difícil confencer outros Estados no Oriente Médio de que o regime de não proliferação nuclear vai garantir sua segurança. Mais chances devem ser dadas à solução diplomatica sustentável. O TNP foi formulado prevendo-se a total desnuclearização do mundo. Essa proposta não seria utópica e irreal? A total desnuclearização do planeta certamente não é uma meta utópica ou irreal. Devemos também reconhecer que não há apenas obstáculos políticos para atingir essa nobre meta, mas também problemas tecnológicos e técnicos. Ainda não há um modo de descartar o plutônio procedente do desmantelamento das armas. O plutônio é um material altamente tóxico e radioativo e deve ser mantido em repositórios seguros por milhares de anos. Também é preciso ter certeza de que ele não seja reaproveitado para fins militares a longo prazo. Se toda nação com plutônio decidisse abandonar sua utilização e descartar o material, não haveria espaço suficiente nos depósitos de lixo nuclear. Isso é um sério desafio que requer mais trabalho. Também sempre existe o risco de o plutônio ou o urânio altamente enriquecido passar para as mãos de organizações terroristas que provavelmente não hesitariam em usar essas armas em seus ataques. É verdade que o TNP se abriga sobre uma delicada barganha entre os detentores de armas nucleares e os não detentores. De qualquer modo, essa foi a única maneira de termos um tratado que preveniria a proliferação dessas armas. O contexto da Guerra Fria forneceu o pretexto para que países mantivessem suas armas nucleares como preocupação de segurança e desde então não tomaram medidas satisfatórias rumo ao total desarmamento. Estamos vivendo agora em um mundo totalmente diferente e ninguém pode se sentir seguro com centenas de armas nucleares armazenadas. O maior perigo é o terrorismo com armas de destruição em massa. Aqueles que por algum motivo acreditam na capacidade dissuasiva de suas armas nucleares devem reconhecer que estão errados, diante do desafio imposto pelas redes terroristas, e devem se lamentar por não terem cooperado antes com o desmantelamento nuclear.

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