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Central sindical convoca marchas em apoio a indígenas da Amazônia

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postado em 11/06/2009 10:06
O presidente do Peru, Alan García, não escapará de ser cobrado pelos peruanos nos próximos dias. A crise iniciada no fim de semana na região amazônica, com confrontos violentos entre indígenas e tropas oficiais, ganha hoje novo ingrediente: trabalhadores realizam à tarde uma marcha em apoio às reivindicações indígenas. O protesto foi convocado pela Confederação Geral de Trabalhadores do Peru (CGTP) e será repetido em várias cidades. Só na capital, Lima, a CGTP espera reunir de 10 a 15 mil pessoas na Praça 2 de Mayo e na passeata que seguirá até o palácio de governo. ;A marcha é para exigir a revogação dos decretos legislativos que privatizam a Amazônia, a formação de uma comissão nacional para reiniciar o diálogo e uma investigação internacional sobre os acontecimentos em Bagua;, justifica a CGTP, referindo-se ao primeiro confronto na Amazônia ; as autoridades citam 35 mortos, mas organizações indígenas falam em mais de 50. José González, assessor da central sindical, disse ao Correio que os trabalhadores também querem a demissão do gabinete. O Congresso peruano suspendeu por 90 dias a vigência do decreto legislativo que regula a exploração privada nas reservas indígenas. ;O governo fez isso a fim de ganhar tempo para impor esse decreto e mantê-lo vigente;, acusou González. Já Mario Ríos, da Comissão de Povos Andinos do Congresso, considera que a suspensão servirá ;como um período para refletir sobre o tema, buscar saídas mais consensuais ou mesmo escrever uma nova lei;. Questionado se haveria consulta às comunidades indígenas, Ríos respondeu: ;Imagino que se abra um período para consultá-los e trabalhar numa mesa de diálogo crível;. Conflito Na última sexta-feira, em uma zona denominada Curva do Diabo, a polícia nacional atacou manifestantes indígenas do povoado de Bagua com bombas de gás lacrimogêneo. O incidente originou um fogo cruzado que, segundo os manifestantes, deixou 50 mortos e desaparecidos. ;Há muita dor. Há muita gente que não viu seus filhos e esposos regressarem. Eles foram protestar (na sexta-feira) e ainda não voltaram;, denunciou Gustavo Mallma, da Associação Interétnica da Selva Peruana. ;(O conflito) é responsabilidade completa do governo. Não pode ser que um protesto dure 55 dias e não haja nenhum tipo de discussão, nenhuma luz no fim do túnel;, protestou. O assessor lamenta que o tema tenha entrado na pauta do governo apenas depois dos confrontos. Ele afirma que a legislação sobre a exploração das riquezas em áreas de reserva deveria ter sido negociada com os indígenas um ano atrás. ;O governo deveria ter consultado os povos para saber se isso também lhes convém e interessa, de acordo com as convenções da OIT (Organização Internacional do Trabalho) assinadas pelo Peru;, destacou. ;Isso não foi cumprido, então tudo o mais é considerado inconstitucional.; Ríos alegou que ;houve consultas importantes; com os indígenas. E o Ministério da Justiça informou que uma comissão ministerial viajará nos próximos dias a Bagua para dialogar com comunidades nativas, recolher suas demandas e elaborar um plano de desenvolvimento para a região. ;Estamos vivendo momentos difíceis, mas a obrigação das autoridades é recuperar o diálogo. Devemos ter uma vocação de maior convocatória e dar espaço à conciliação, sem diferenças políticas;, disse a ministra da Justiça, Rosario Fernández. Gustavo também destaca que as comunidades nativas consideram que o investimento indiscriminado de indústrias ; de mineração, petróleo e madeira ; vai prejudicar o meio ambiente. ;Eles já têm experiências desse tipo com indústrias: quanto mais riquezas elas extraem do solo, mais pobres e desiguais tornam-se as cidades. Além disso, os lucros acabam centralizados em Lima e nos países-sede das empresas que exploram esses recursos;, ressaltou. Embaixador justifica refúgio O embaixador da Nicarágua no Peru, Tomás Borge Martínez, explicou a concessão de refúgio político ao líder indígena, Alberto Pizango, acusado pelo governo peruano de sedição, conspiração, rebelião e motim no conflito de sexta-feira. ;Ele se sentia ameaçado, perseguido e buscava refúgio para sua proteção pessoal. Por isso, o governo da Nicarágua lhe outorgou asilo;, declarou Martínez à Rádio Programas do Peru (RPP). Martínez explicou que a Embaixada da Nicarágua não levou Pizango até o consulado para refugiá-lo. Segundo o diplomata, o indígena chegou sozinho e entrou facilmente na delegação porque não havia ;nenhuma suspeita; contra ele. Pizango dirige a Associação Interétnica de Desenvolvimento da Selva Peruana (Aidesep)e continua refugiado na embaixada nicaraguense em Lima. Sobre um possível deslocamento de Pizango a Manágua, capital nicaraguense, o embaixador afirmou que tudo dependerá da rapidez com que o governo peruano lhe outorgará o salvo-conduto. O presidente peruano, Alan García, disse ter aceitado a decisão do governo de Daniel Ortega. ;Três países, antes da Nicarágua, recusaram o asilo porque dizem que aqui, sim, há condições para que as pessoas sejam julgadas;, alfinetou García. ;Um país que está caminhando bem, caso se deixe vencer por pequenos grupos que não representam o que há de mais avançado, é uma nação condenada a estagnar-se ou retroceder;, justificou-se. (VV) Entenda o caso Medidas da violência As origens do conflito entre o governo peruano e os indígenas remontam ao ano passado, quando o presidente Alan García promulgou decretos ; no marco do Tratado de Livre Comércio (TLC) com os Estados Unidos ; que regulamentam a exploração dos recursos florestais e hídricos na Amazônia peruana e permitem às empresas estrangeiras (entre elas, Repsol, Perenco e Petrobras) fazer prospecção de gás e petróleo em terras indígenas, sem consulta prévia às comunidades. A legislação é considerada inconstitucional pelos indígenas, pois foi criada pelo Executivo sem negociar com as comunidades. Os protestos começaram em 9 de abril, quando os indígenas bloquearam vários cursos d;água, inclusive o Rio Napo, usado por empresas no Amazonas para transportar bens de consumo e máquinas. Pistas de aterrissagem e estradas no centro e no norte do país também foram interditadas, além de estações de bombeamento de oleodutos do Amazonas à costa do país. A região dos protestos fica próxima ao vale do Rio Huallaga, onde voltaram a crescer os cultivos da folha de coca, matéria-prima da cocaína. Nos anos 1980, a área cocaleira da Amazônia peruana foi uma das bases de operação da guerrilha maoísta Sendero Luminoso, que deu sinais de retorno à atividade nos últimos meses. No ano passado, o Peru cresceu 9,84%, e o governo argumenta que precisa dos decretos para cumprir os acordos com os EUA e atrair investimentos. (VV)

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