Mundo

Líder supremo fará sermão na universidade do Irã

Silvio Queiroz
postado em 19/06/2009 08:13
Está marcado para hoje o encontro ; nada intencional ; entre o líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, e um dos cenários onde se trava a mais séria luta de poder nos 30 anos de República Islâmica. Com a legitimidade da eleição presidencial da sexta-feira passada sob questionamento da oposição reformista, que rejeita a vitória do presidente Mahmud Ahmadinejad (um conservador, como Khamenei), o líder decidiu subir ao púlpito da Universidade de Teerã nas orações do meio-dia para pronunciar o sermão. No câmpus, ainda se veem as marcas das noites de violência que se seguiram ao pleito, quando milicianos leais ao líder e ao presidente invadiram os dormitórios, atacaram os estudantes e levaram alguns detidos. O sétimo dia desde a eleição marcará mais um lance na disputa travada nas ruas pelos dois campos em que o país se dividiu, inclusive nas escolas religiosas. Ontem, dezenas de milhares de simpatizantes do candidato reformista Mir Hossein Moussavi, que se proclama vencedor das eleições, desfilaram por Teerã, Ispahã, Shiraz e outras grandes cidades, em silêncio e com adereços negros, para homenagear os mortos em confrontos nos últimos dias ; oficialmente, são sete vítimas. Para o sermão de hoje, a convocação parte de duas fortalezas de Khamenei: a milícia Basij e a Guarda Revolucionária, ambas leais não apenas ao líder, mas pessoalmente ao presidente reeleito. As apostas, em todo o país e no exterior, giram em torno do tom que o aiatolá vai adotar. O líder nunca esteve em posição tão incômoda, diante de seguidos desafios à autoridade estatal e da exposição pública das fraturas entre o alto clero xiita. Mais ainda por ter se alinhado com Ahmadinejad nos últimos anos e referendado sua reeleição antes mesmo de concluída a apuração. ;Uma das questões é quem está à frente (dos acontecimentos) e quem vem a reboque. Os desdobramentos dos últimos dias sugerem que é possível que seja Khamenei quem segue, de maneira relutante, a liderança de Ahmadinejad, ao contrário do que seria o comum;, comenta o estudioso Arang Keshavarzian, iraniano radicado nos Estados Unidos, professor associado da Universidade de Nova York na cadeira de Oriente Médio e islã. Keshavarzian retornou do Irã na última segunda-feira, depois de acompanhar o processo eleitoral. Ele e outros especialistas em Irã apontam alguns sintomas fortes de que o líder supremo sente, como nunca nos 20 anos em que ocupa a posição dominante no regime, o peso de seu opaco currículo religioso. Ontem, o grão-aiatolá Abdolkarim Moussavi Ardabil pediu ao Conselho dos Guardiões, orgão supervisor dos processos eleitorais e legislativos, que examine ;de forma imparcial; as queixas dos rivais de Ahmadinejad e apresente ;um veredicto convincente;. Aiatolás Talvez mais sério foi o pronunciamento da Assembleia dos Peritos, formada por 86 religiosos eleitos por voto direto e presidida por um poderoso desafeto de Ahmadinejad, o ex-presidente (e aiatolá) Hashemi Rafsanjani. Comentando a eleição, o organismo saudou ;a participação épica de 85% do povo revolucionário;, mas não se referiu ao resultado, ao contrário do que seria normal, uma vez que o próprio líder reconheceu a vitória de Ahmadinejad. Rafsanjani, que durante a campanha pediu publicamente ao líder para censurar o atual mandatário, passou os últimos dias consultando veneráveis aiatolás na cidade sagrada de Qom. Ele preside a Assembleia, que tem teoricamente o poder de destituir o líder, e circulam rumores intensos de que Rafsanjani pretende convocar uma sessão extraordinária do organismo. ;A elite do poder no Irã está extremamente dividida;, diagnostica o especialista Ali Ansari, da Universidade de Saint Andrews, no Reino Unido. ;Os conservadores decidiram remodelar a República Islâmica à sua própria imagem, e isso criou sérios atritos.; Arang Keshavarzian endossa a análise. ;A crise não é simplesmente entre Moussavi e Ahmadinejad: é sobre se as leis da República Islâmica, inclusive sobre eleições, devem ser seguidas também pelos militares e paramilitares.; Ex-presidente sob pressão Na onda de represálias contra personalidades da facção reformista e aliados do candidato presidencial Mir Hossein Moussavi, o último alvo (indireto) foi o ex-presidente Hashemi Rafsanjani, desafeto notório do vencedor da eleição, o presidente Mahmud Ahmadinejad. Mehdi e Faezeh, respectivamente filho e filha de Rafsanjani, foram impedidos de sair do país. A agência de notícias Fars, semioficial, não esclareceu os motivos da represália nem mencionou qual o órgão que teria expedido a ordem. Faezeh Hashemi foi vista na terça-feira discursando para simpatizantes de Moussavi diante de uma emissora de TV em Teerã. Em vez de dissensões políticas, porém, o texto da Fars menciona outro possível viés para a represália: as suspeitas generalizadas de enriquecimento ilícito que pesam sobre a família do ex-presidente, um dos elementos que contribuíram para a derrota de Rafsanjani diante de Ahmadinejad na eleição de 2005. A agência iraniana mencionou uma concentração realizada ontem diante da promotoria pública, em Teerã, na qual cerca de 300 pessoas teriam reclamado a prisão de Faezeh e do irmão Mehdi. Desde o início dos protestos contra o resultado oficial das eleições, foram detidas mais de uma centena de personalidades ligadas a Moussavi e aos reformistas. Entre os atingidos estão o ex-vice-presidente Ali Abtahi, o ex-ministro da Justiça Ibrahim Yazdi e o irmão mais novo do ex-presidente Mohammad Khatami, Reza Khatami, que lidera a Frente de Participação do Irã Islâmico, principal partido reformista.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação