Silvio Queiroz
postado em 03/07/2009 08:35
Entrou mais uma vez em compasso de espera a complicada aproximação diplomática entre Brasil e Irã, um processo ao qual o Itamaraty empresta grande importância no âmbito de sua política de consolidar eixos de convergência com países em desenvolvimento e multiplicar o peso de sua intervenção no cenário mundial. Falando no Senado sobre as turbulências que se seguiram à controversa eleição presidencial iraniana, com a morte de pelo menos 20 manifestantes em confronto com as forças de segurança, o embaixador Roberto Jaguaribe, subsecretário-geral do Itamaraty responsável pelo Oriente Médio (entre outras áreas), revelou que ainda não foram retomados contatos com o presidente Mahmud Ahmadinejad - reeleito sob alegações de fraude(1) por parte dos concorrentes - para remarcar a visita que ele faria a Brasília em maio último, e que foi adiada em nome das exigências da reta final de campanha.
[SAIBAMAIS]"O presidente Lula não voltou a falar com Ahmadinejad desde o anúncio dos resultados", disse Jaguaribe a jornalistas depois de ter respondido a questões sobre a violência pós-eleitoral e a situação política no Irã em audiência convocada pela Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional. O diplomata não deixou dúvidas sobre a determinação do governo em adotar com o Irã "uma estratégia de engajamento e diálogo, em vez de isolamento e confronto", a exemplo do que tem sido, segundo observou, a atitude do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. "Esse é o ponto de vista de vários países, inclusive porque o engajamento e o diálogo favorecem o aparecimento de fissuras em um sistema político que já foi muito mais fechado", argumentou.
Jaguaribe ponderou que as "limitações" do sistema eleitoral iraniano, entre elas o poder conferido ao Conselho dos Guardiões para vetar a inscrição de candidatos, não impediram que tenha ocorrido "um processo eleitoral real, com disputa de verdade, tanto que gerou essa reação dos candidatos não eleitos". Na avaliação do Itamaraty, essa "exposição de fissuras", reflexo da "vigorosa participação pública", caracteriza "uma vitalidade do processo político" no país - algo que deve ser estimulado até como contraponto à repressão por parte das facções mais conservadoras que dominam o regime islâmico. "São esses setores que temem o diálogo e o engajamento. Uma política de confrontação e isolamento (por parte dos demais países) só favorece uma aglutinação maior em torno deles". Quanto aos reformistas, sua presença no cenário indicaria que "parte não desprezível do sistema político dá atenção aos anseios de mudança da sociedade, e isso é novo".
Visitas
A controvérsia sobre a reeleição de Ahmadinejad, contestada em especial pelo candidato reformista Mir Hossein Moussavi, que alega ter sido o vencedor legítimo, complicou um cenário que poderia ter limpado caminho para a troca de visitas presidenciais entre Brasil e Irã - as negociações começaram há mais de dois anos e a data chegou a ser marcada para a primeira semana de maio passado, cerca de um mês antes do pleito no Irã. Durante a campanha, os três adversários criticaram duramente o presidente por sua ofensiva diplomática na América Latina, iniciada a partir da aliança com o presidente venezuelano, Hugo Chávez.
"Do ponto de vista iraniano, a aproximação com o Brasil, por seu peso próprio no cenário internacional, representa um aval considerável para o regime islâmico", ponderou Jaguaribe. Quando cancelou repentinamente sua vinda a Brasília, a dois dias da data prevista, Ahmadinejad indicou que uma nova data poderia ser negociada após a eleição, fosse qual fosse o resultado, mas o lado brasileiro sempre assumiu que o processo seria mais fácil com a vitória de Ahmadinejad. De acordo com o subsecretário-geral do Itamaraty, esse era "o prognóstico que tínhamos como mais provável", com base em "sondagens informais com governos dos países vizinhos" - não são feitas no Irã pesquisas eleitorais nos moldes em que são realizadas na maioria dos países.
À parte a importância geopolítica que Brasil e Irã se atribuem, a disposição de ambos os governos à aproximação traz embutida também a ambição de ampliar e equilibrar o comércio bilateral. O volume total das trocas é da ordem de US$ 2 bilhões, mas apenas US$ 200 milhões correspondem a produtos iranianos importados pelo Brasil.
1- DESAFIO À AUTORIDADE
O resultado oficial da eleição, referendado pelo Conselho dos Guardiões, deu 63% dos votos para o presidente Mahmud Ahmadinejad e 34% para o candidato reformista Mir Hossein Moussavi. O anúncio oficial, no dia seguinte ao pleito, desatou uma onda de manifestações que levou milhares de iranianos às ruas, principalmente jovens e mulheres. Por mais de uma semana eles desafiaram a repressão policial e esquadrões paramilitares, com um saldo de pelo menos 20 mortos - organizações internacionais falam em dezenas. O regime censurou a imprensa internacional e conseguiu silenciar os protestos, mas Moussavi e outros expoentes da facção reformista continuam se referindo ao desfecho do processo como "um golpe contra o povo iraniano".
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Atrito com a Europa
O presidente reeleito Mahmud Ahmadinejad parece decidido a dar uma pausa no enfrentamento com os Estados Unidos e voltar as atenções à União Europeia (UE). Irritado com as críticas do bloco sobre sua atuação diante dos protestos pós-eleição, Ahmadinejad exigiu um pedido de desculpas dos países europeus pela "intromissão" antes de considerar a retomada de qualquer conversa sobre o controverso programa nuclear iraniano. A UE, por sua vez, cogita suspender totalmente as relações diplomáticas com Teerã, em retaliação a ações arbitrárias do governo de Ahmadinejad, como a prisão de funcionários da embaixada britânica.
Os chanceleres dos 27 integrantes da UE estiveram reunidos ontem em Estocolmo para estudar a proposta britânica de fechar as representações de seus países no Irã - o debate continuará hoje. A principal dúvida é se uma resposta dessa envergadura não isolaria ainda mais a República Islâmica e aprofundaria o impasse nuclear. A Suécia, que estreou hoje na presidência rotativa do bloco europeu e é a anfitriã do encontro, defende uma "resposta equilibrada" ao governo iraniano. Segundo o primeiro-ministro Fredrik Reinfeldt, os argumentos de Ahmadinejad no conflito pós-eleição são "completamente infundados", mas é preciso ter cautela para que o apoio aos manifestantes não leve "à mesma situação de antes, quando o Irã ficou isolado do mundo e acabou utilizando a violência e a repressão".
Até agora, o único comunicado emitido pelos chanceleres reunidos na Suécia pede a libertação dos dois últimos funcionários da embaixada britânica detidos em Teerã. "Vamos fazer as coisas aos poucos. No momento, esperamos para ver como as autoridades iranianas vão reagir. A bola está com elas", disse o chanceler sueco, Carl Bildt.
A possível suspensão das relações diplomáticas entre os países europeus e o Irã significa um imenso retrocesso na inserção internacional atingida pelo antecessor de Ahmadinejad, o reformista Mohammad Khatami. No poder entre 1997 e 2005, ele normalizou relações com países como Reino Unido, Alemanha e França, que voltaram a enviar embaixadores para Teerã e a receber representantes iranianos. O alinhamento foi tão próximo que alguns governos europeus passaram a questionar os EUA por punir empresas de terceiros países que negociem com o Irã.