Silvio Queiroz
postado em 11/07/2009 08:49
O aiatolá Ali Khamenei, líder religioso supremo do Irã, subjugou as ruas mas se afastou dos seminários. A repressão decidida às multidões que ensaiaram um levante contra a reeleição do presidente Mahmud Ahmadinejad impediu que os protestos saíssem de controle - como aconteceu há 30 anos, quando a hesitação do xá Reza Pahlevi abriu as avenidas para a Revolução Islâmica. Mais do que Khamenei e Ahmadinejad, saiu vitoriosa a Guarda Revolucionária e seus braços paramilitares, como a milícia Basij. E a emergência de uma elite militar para o centro de poder da República Islâmica não escapou à atenção dos teólogos de Qom, a cidade sagrada que abriga as escolas teológicas do xiismo iraniano. Lá, como nos corredores do Majlis (Parlamento), fermenta inquietação quanto aos rumos do regime que o establishment religioso levou ao poder em 1979.
Foram numerosas as manifestações individuais de aiatolás, alguns com enorme prestígio, como o venerado octogenário Hossein Ali Montazeri, que por 10 anos foi o sucessor designado do fundador do regime, o aiatolá Khomeini %u2014 até ser deserdado como excessivamente crítico. Mais representativo e sintomático, porém, foi um manifesto divulgado pela Assembleia dos Estudiosos e Pesquisadores dos Seminários de Qom. A organização, ligada à corrente reformista do clero, questiona frontalmente o segundo mandato de Ahmadinejad, a despeito das bênçãos de Khamenei e do Conselho dos Guardiões, órgão supervisor dos processos eleitorais. "Como podemos aceitar a legitimidade de uma eleição só porque o conselho diz que assim é? Um governo nascido de infrações pode ser considerado legítimo", questiona o texto.
A noção de que o Irã evolui de uma república teocrática para uma espécie de autocracia militarizada não é nova para observadores e mesmo diplomatas em missão no país. Muito veem o marco inicial do processo justamente na escolha do atual líder religioso para suceder Khomeini, morto em 1989. Khamenei, premiado pela lealdade, mal reunia credenciais religiosas para ser promovido a aiatolá - título que recebeu em boa parte para legitimar-se diante do incomparável prestígio de Montazeri. Mas, na qualidade de ex-presidente, conhecia a máquina estatal e entendia o lugar central ocupado pelos militares, mais ainda depois da guerra contra o Iraque de Saddam Hussein (1980-1988).
Nos 20 anos sob a liderança de Khamenei, a Guarda Revolucionária viu seu orçamento saltar para a cada dos bilhões de dólares anuais. Seu arsenal incorpora as últimas novidades da indústria bélica iraniana, que movimenta contratos de vulto e está sob administração de antigos oficiais da guarda. A ideia de vários analistas, segundo a qual a República Islâmica passa por uma espécie de golpe militar silencioso e progressivo, é reforçada pelas declarações do próprio comandante do corpo de elite, general Mohammad Ali Jafari: "Os últimos acontecimentos nos empurraram a uma nova fase da revolução%u201D, disse o oficial, referindo-se à convocação, feita pelo líder, para que os pasdaran (guardas) controlassem a situação criada pelos protestos". "Temos de entender a completa dimensão disso", completou.
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