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Sandinistas voltam ao poder reciclados e divididos na Nicarágua

postado em 13/07/2009 08:29
A Nicarágua revive nesta semana os dias eletrizantes de julho de 1979, quando a guerrilha da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) se lançou à ofensiva final contra a ditadura de Anastacio Somoza, cuja família governou o país por mais de 40 anos. No próximo domingo, completam-se 30 anos da fuga de Somoza para os Estados Unidos e da entrada triunfal do governo revolucionário em Manágua. E, como naquele histórico 19 de julho, no centro do palanque - e do poder - está o mesmo personagem: Daniel Ortega, que presidiu o país até 1990, perdeu eleições sucessivas e retornou ao poder pelas urnas em 2006. Mas ele voltou mudado, no novo contexto internacional do pós-Guerra Fria. E o sandinismo está dividido, com uma dissidência que acusa Ortega e o partido de trocarem os ideais pela fome de poder. "A ditadura de Somoza se tornou referência para todos os centro-americanos, pela longevidade e pelo apoio que sempre teve dos EUA, além de ter sido exemplo da corrupção que seguiria na América Central", avalia o professor de história da Universidade da Costa Rica José Marín. Falando ao Correio por telefone, ele explicou que a ascensão da Frente Sandinista, com seu ideário de esquerda temperado pela Teologia da Libertação, significou esperança de transformações que pudesse redimir uma região marcada pela desigualdade social e por ditaduras sangrentas. Marín conta que a Revolução Sandinista passou por diferentes etapas. A primeira se caracterizou pela esperança de mudanças sociais. A segunda, pelo conflito com os Estados Unidos, que armaram e financiaram a rebelião dos "contras" (de contrarrevolucionários). A terceira, pelo processo de pacificação e abertura política para outros partidos, inclusive de direita. E a quarta, pela democratização. "Chegamos à década de 1990, quando a perspectiva neoliberal se apropriava de uma democracia em ascensão na América Central e pregava que a democracia por si só solucionaria todas as desigualdades", comenta o historiador. "Os sandinistas deixam o poder, caracterizados pelas práticas tradicionais de alianças entre grupos e clientelismo político". Desgaste De volta ao poder, o ex-revolucionário Daniel Ortega enfrenta desgaste interno. Uma pesquisa da empresa M; Consultores, divulgada pelo jornal La Prensa, indicou que 49,5% dos nicaraguenses pensam que o presidente quer instaurar uma ditadura. Mónica Baltodano, dissidente da Frente Sandinista e deputada pelo Movimento Renovador Sandinista (MRS), acusa o presidente de tentar "entronizar-se como uma nova ditadura". A ex-guerrilheira, hoje dissidente da organização que ajudou a levar ao poder pelas armas, acredita que Ortega segue os passos de Somoza, que se apoderou do aparelho de Estado como chefe do Exército e fez pactos com a oposição consentida para se garantir no poder. "Ele já tem o controle das instituições. Mas devemos dizer que ainda não controla as Forças Armadas como um aparato pessoal", disse Baltodano em um fórum de discussão com leitores do La Prensa. Marín argumenta que "não podemos dizer que só Ortega tem dentro de si elementos corruptos". O historiador ressalta que outros políticos nicaraguenses, como os ex-presidentes Arnoldo Alemán e Violeta Chamorro, também sofrem uma deterioração da imagem, acusados de corrupção e ineficácia na administração econômica. "É um quarto período de desencanto", diz. Nesse aspecto, Marín acredita que a entrada da Nicarágua de Ortega na Aliança Bolivariana para as Américas (Alba), criada pelo presidente venezuelano, Hugo Chávez, com apoio de Cuba, surge como alternativa aos projetos econômicos dos anos 1990. "O sandinismo viu na Alba um novo processo de esperança para mudar as desigualdades sociais", avalia o estudioso o costa-riquenho.

Filhos de Sandino A Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) nasceu em 1961 e reivindicou a herança de Augusto César Sandino, líder nacionalista que combateu tropas americanas nos anos 1930. Sandino foi assassinado em 1934 pelo chefe da Guarda Nacional, Anastacio Somoza García, que dois anos depois deu início à dinastia ditatorial. Inicialmente de vaga inspiração esquerdista, a FSLN teve entre seus fundadores e principais líderes Carlos Fonseca, morto em combate em 1976, e Tomás Borge, último remanescente da primeira geração sandinista. Quem te viu, quem te vê Acompanhe a trajetória de alguns dos personagens centrais da Revolução Sandinista Humberto Ortega O irmão de Daniel Ortega foi seu braço direito desde a montanha, quando delineou a estratégia insurrecional urbana que levou a guerrilha ao poder. Na fase do governo revolucionário, como ministro da Defesa, estruturou o Exército Popular Sandinista, mas não teve meios para vencer militarmente os "contras", armados e financiados pelos EUA. Manteve-se à margem da campanha vitoriosa do irmão à presidência e não participa do governo. Tomás Borge Último remanescente dos fundadores da Frente Sandinista, foi desde sempre admirador e discípulo de Fidel Castro. Ministro do Interior no governo revolucionário, manteve-se leal à legenda (e a Daniel Ortega) ao preço de romper politicamente com alguns de seus camaradas mais próximos, como Henry Ruiz, Luis Carrion e Victor Tirado, ex-integrantes da direção nacional da FSLN e hoje identificados com o dissidente Movimento Renovador Sandinista (MRS). Edén Pastora O famoso Comandante Zero do espetacular assalto ao Congresso, em 1978, que obrigou a ditadura de Somoza a libertar dirigentes sandinistas, não demorou a romper com o governo revolucionário. Denunciou a %u201Ccubanização%u201D da FSLN e se estabeleceu na fronteira com a Costa Rica à frente de um pequeno grupo guerrilheiro %u2014 mas não aceitou unir forças com os %u201Ccontras%u201D patrocinados pelos EUA. Pastora por fim desmobilizou-se e hoje mantém uma empresa de pesca. Dora María Téllez A jovem miúda, de aparência franzina, capturou a imaginação dos nicaraguenses como a Comandante Um do assalto ao Congresso. Ao contrário de Pastora, ela teve longa carreira na FSLN e no governo revolucionário. Foi nos últimos anos que se tornou crítica e logo adversária frontal de Daniel Ortega, Tomás Borge e outros veteranos, a quem acusa de terem se "aburguesado" e adeptos do "poder pelo poder". Dora é uma das líderes do MRS. Mónica Baltodano Era uma das mais respeitadas comandantes da guerrilha sandinista, protagonista de episódio emblemático da insurreição final, quando um coronel da Guarda Nacional somozista viu-se constrangido a apresentar sua rendição a uma mulher. Ligada a várias funções no governo revolucionário, aderiu também à dissidência do MRS, pelo qual se elegeu deputada. Ernesto Cardenal Sacerdote e poeta, adepto da Teologia da Libertação, é outro dos ícones da revolução sandinista. O padre-guerrilheiro foi punido pela Igreja por seu vínculo a um movimento armado e por sua decisão de integrar o governo revolucionário, como ministro da Cultura. Continuou ligado à Frente Sandinista até anos atrás, quando rompeu com Daniel Ortega e afastou-se do partido. Violeta Chamorro Viúva do jornalista Pedro Joaquín Chamorro, cujo assassinato, em 1978, foi um dos estopins da resistência civil que debilitou a ditadura somozista e abriu caminho para o triunfo da guerrilha, no ano seguinte. Pela projeção pública que ganhou, Violeta integrou o primeiro governo sandinista, mas logo dissentiu e retirou-se com o empresário Alfonso Robledo, mentor dos %u201Ccontras%u201D. Em 1990, foi ela quem derrotou Daniel Ortega na eleição presidencial que pôs fim à fase revolucionária.

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