Eles chegam ao Brasil pelos rios e trilhas da floresta amazônica. Caminhos sinuosos, que podem levar dias. São refugiados, deslocados e migrantes dos países vizinhos, que buscam no território brasileiro uma vida longe de conflitos armados ou com melhor condição econômica. Segundo dados de 2007 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), vivem hoje na Amazônia brasileira 25,8 milhões de pessoas. O número de estrangeiros, porém, continua invisível nos dados oficiais. ;Eles não passam por marcos migratórios nem fronteiriços formais. Entram por fronteira seca ou fluvial, e é quase impossível quantificar isso;, explica ao Correio o secretário executivo do Ministério da Justiça e presidente do Comitê Nacional para Refugiados (Conare), Luiz Paulo Barreto. O tema acabou entrando na agenda da reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizada em Manaus (AM).
Segundo Barreto, há diferentes tipos de movimento de pessoas na Amazônia. Os indígenas atravessam a região de acordo com as épocas do ano. ;Para eles, não há um limite de marco fronteiriço. Quando o rio enche, vão para um lado; quando baixa, vão para o outro;, ilustra. Há também as visitas familiares: muitas nações indígenas, como a dos ticunas, estão divididas entre Brasil, Peru e Colômbia. ;Quando existe um confronto maior entre as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), os paramilitares e o exército colombiano, há também um certo deslocamento. Depois, os conflitos cessam e eles vão embora;, afirma Barreto. O presidente do Conare explica que muitos não pedem refúgio, porque não têm interesse em fixar residência no Brasil.
Na Amazônia brasileira, os dois grupos de refugiados mais numerosos são os colombianos e bolivianos, diz à reportagem Luiz Fernando Godinho, porta-voz do Alto Comissário das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) no Brasil. ;Os colombianos, por causa do conflito no país. Ou entram por Tabatinga, que é fronteira seca com Leticia, ou chegam por outros meios até Manaus. Há também os que chegam aos estados do norte, via Venezuela;, diz.
A chefe da Delegacia de Imigração da Polícia Federal no Amazonas, Nelbe Ferraz de Freitas, recebeu neste ano cinco pedidos de refúgio ; todos de colombianos que alegam ser perseguidos pelas Farc ou pelos paramilitares.
De acordo com Godinho, a imigração boliviana é mais recente e se relaciona aos incidentes no Departamento de Pando, em setembro do ano passado, quando opositores e defensores do presidente Evo Morales se enfrentaram, deixando mortos e feridos. Barreto revela, que por causa desse conflito, o Conare concedeu refúgio a 120 bolivianos. O Peru é outro vizinho que apresenta grande número de nações indígenas na fronteira com o Brasil, e também registrou no mês passado conflitos violentos, devido a uma proposta de lei do presidente Alan García para permitir a exploração de recursos naturais na Amazônia.
O Conare tem realizado cursos com a PF para ajudar na identificação dos solicitantes de refúgio. Muitas vezes, o estrangeiro comunica à autoridade que quer ficar no Brasil e o policial precisa elucidar o motivo ; confronto armado ou dificuldades econômicas. ;Se o deslocamento ocorre por fatores econômicos, não estamos falando de refúgio, mas de imigração. O que acontece muitas vezes é que o Brasil tem uma moeda mais forte, uma economia mais desenvolvida e há um certo interesse na migração;, diz Barreto.
Nesse sentido, Godinho avalia que as demandas sem o fundado temor de perseguição, de certa maneira, tumultuam a pauta de trabalho do Conare. ;Entendemos que, com a nova lei migratória (1), muitos que pediriam refúgio têm agora a oportunidade de se beneficiar da lei e deixar o refúgio para aquelas pessoas que efetivamente necessitam daquele mecanismo de proteção internacional;, ressalta Godinho.
1 - ANISTIA AOS ILEGAIS
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou no último dia 2 uma lei de anistia para legalizar a situação de pelo menos 50 mil imigrantes que vivem no Brasil em situação irregular. Esses estrangeiros têm prazo de até seis meses para se ajustar às exigências legais. A medida vale para todos os que tenham ingressado no país até 1; de fevereiro deste ano. Lula também enviou ao Congresso Nacional um projeto de lei sobre a entrada e a permanência de estrangeiros no Brasil, que deve substituir a lei de 1980 e estabelecer o Conselho Nacional de Migração.
; ONU elogia hospitalidade
A Lei n; 9.474, de 1997, é considerada pela ONU uma das mais modernas e humanitárias do mundo entre as que disciplinam a situação dos refugiados. ;O Brasil tem um sistema interessante de refúgio, porque é um trabalho tripartite: participam a ONU, o governo brasileiro e a sociedade civil, por meio da ONG Caritas;, afirma Luiz Paulo Barreto, presidente do Comitê Nacional para Refugiados (Conare) do Ministério da Justiça.
O Brasil abriga hoje, oficialmente, 4.153 refugiados pertencentes a 72 nacionalidades. ;Não temos um número grande porque estamos longe dos grandes focos de conflito;, esclarece Barreto. Os principais confrontos armados se localizam atualmente na África, na Ásia e em alguns países do Oriente Médio. A vizinha Colômbia tem cerca de 3 milhões de deslocados no próprio país, mas um número bem menor de refugiados ; e eles se encontram principalmente em países de língua espanhola, como Equador e Venezuela.
A maioria dos refugiados acolhidos pelo Brasil vive nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro. A solicitação de refúgio costuma ser feita em postos da Polícia Federal. Mas, uma vez concedido o status, o beneficiário está livre para escolher onde quer morar. ;O refugiado tem livre trânsito no país. Tem apenas de manter a PF informada sobre seu endereço;, explica Luiz Fernando Godinho, porta-voz do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) no Brasil. Os estrangeiros acolhidos no país também recebem assistência para aprender português, capacitação profissional e atendimento de psicólogos que tratam os traumas de guerra ou conflito. (VV)