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Fim de conflito exige mudança de atitude

postado em 02/08/2009 09:46
Rio de Janeiro %u2014 Israelenses e palestinos querem a paz, mas meios para alcançá-la são controversos e impõem questões que há décadas pairam sobre os dois povos. As propostas para um avanço nas negociações de paz tropeçam em problemas e divergências tão arraigados que deixam desconfiados até os mais otimistas. As dificuldades de abordar o conflito ficaram explícitas no Seminário internacional de mídia sobre o processo de paz no Oriente Médio, organizado pela Organização das Nações Unidas (ONU), com o apoio do Ministério das Relações Exteriores do Brasil. O seminário ocorreu no Rio de Janeiro por dois dias, no início da semana passada. Embaixadores, autoridades, jornalistas e representantes da sociedade civil de vários países debateram temas referentes ao conflito. A discussão sobre o papel da mídia, foco do evento, já deixou clara a dificuldade de se avançar sobre o problema. Jornalistas palestinos e israelenses fazendo acusações mútuas de parcialidade na cobertura dos fatos e das questões políticas, e as censuras internas %u2014 de Israel, do Hamas, da Autoridade Nacional Palestina (ANP) %u2014 só evidenciam que outros consensos são árduos de se obter e desacreditam as tentativas de diálogo. Além das críticas, por vezes ásperas, houve, porém, uma relativa concordância sobre a importância da mídia no processo e sobre a necessidade de buscar formas de se evitar estereótipos, demonizações do lado oposto, de usar terminologia adequada ao se referir aos fatos. Também foi ressaltada a falta de espaço dada às muitas histórias de parceria, solidariedade e coexistência pacífica. Brasil O assessor especial da Presidência da República para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, afirma que a persistência do impasse não só penaliza as populações envolvidas, como alimenta outros focos de conflito. Garcia também defende que a perpetuação do problema no Oriente Médio fortalece mecanismos antidemocráticos e que uma resolução pacífica desse conflito, por outro lado, impulsionaria as ideias de paz e democracia. A maioria da população dos dois lados está convencida de que a solução de dois Estados é necessária para se alcançar a paz. Os pontos de discórdia que travam o processo são bem conhecidos: os assentamentos judaicos na Cisjordânia; o direito ao retorno dos refugiados palestinos expulsos em 1948, ano de fundação do Estado de Israel; a partilha de Jerusalém, dividida em dois, mas ocupada por Israel desde a Guerra dos Seis Dias, em 1967; reconhecimento mútuo de soberania e direito de existir e limites das fronteiras entre Israel e Palestina. Assentamentos Apesar de todos esses pontos serem fundamentais para a resolução do impasse, atualmente, a questão dos assentamentos está em maior evidência. Boa parte dessa exposição se deve à postura da administração de Barack Obama de exigir o congelamento da expansão das colônias judaicas nos territórios ocupados que são, segundo resoluções da ONU, de direito dos palestinos. O atual primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, vive um sério dilema entre a pressão dos Estados Unidos, fundamental aliado de Israel, e as promessas de campanha, baseadas em posturas radicais de expansão das colônias e de negociar com os palestinos depois de uma evolução econômica nos territórios ocupados, dependentes de ajuda externa. Para o colunista político do jornal israelense Yediot Ahenorot Nahum Barnea, a pressão americana deve falar mais alto. %u201CHouve momentos na história em que tivemos diferenças reais com a administração americana, mas, toda vez que isso ocorreu, Israel não conseguiu abrir mão dos EUA como aliado.%u201D Danny Nishlis, diretor da Rádio Haifa, considera as colônias o maior obstáculo para a paz. %u201CO governo, finalmente, não pode se postar diante de Barack Obama. Sem o apoio americano, talvez Israel não existisse.%u201D Nishlis acredita ser possível o fim dos assentamentos, como ocorreu na Faixa de Gaza, em 2005, e diz que esse fato vai dar confiança aos palestinos para um maior engajamento nas negociações. Um dos maiores críticos à política de assentamentos de Israel, o colunista do jornal israelense Haaretz Gideon Levy faz uma metáfora sobre a necessidade de se chegar a uma solução: %u201CO Brasil é o país do futebol e não sou especialista em futebol, mas sei que, depois de 90 minutos de jogo, os árbitros dão alguns minutos a mais. Acho que estamos nesses acréscimos para a solução dos dois Estados. A chance de evacuar 300 mil colonos é quase impossível e, sem isso, não há saída. Estamos nos últimos momentos da solução de dois Estados. Se não acontecer isso, os assentamentos vão ficar lá e Israel vai se tornar para sempre um Estado para dois povos e injusto. Não é tempo para pequenos passos%u201D. Destruição ainda ecoa na Faixa de Gaza A recente ofensiva de Israel em Gaza, com o objetivo de interromper os ataques de foguetes feitos por militantes do Hamas contra território israelense, ainda ecoa nos dois lados envolvidos no confronto. Para o embaixador e subsecretário-geral para Cooperação e Promoção do Comércio do Brasil, Ruy Nogueira, %u201Ca guerra só veio agravar uma crise não resolvida%u201D. Logo depois do conflito, a situação na Faixa de Gaza foi descrita pelo Conselho de Segurança da ONU como %u201Cinsustentável%u201D. Hoje, ainda é caótica, com 25% da população de 1,4 milhão vivendo desempregada. Há 26 meses, desde que o Hamas tomou o controle da região e expulsou integrantes do movimento moderado Fatah, ligado à Autoridade Palestina (AP), a população está sob um duro bloqueio israelense. Depois da operação de janeiro, apenas medicamentos, alimentos e produtos de necessidade básica são autorizados a entrar em Gaza. Esse fato foi condenado pela ONU e outras organizações humanitárias, por impedir a reconstrução da região, cuja infraestrutura foi seriamente destruída. O diretor da Agência da ONU para Refugiados Palestinos (UNRWA, na sigla em inglês), Andrew Whitley, diz que entre 65% e 70% da população de Gaza é considerada refugiada e reclama do bloqueio israelense, que faz com que US$ 3 milhões doados para a reconstrução do território estejam parados, porque materiais de reconstrução não podem entrar. Nogueira declara que o bloqueio também faz com que doadores internacionais sejam reticentes em dispor de milhões para uma causa que não pode ser completamente efetivada. Whitley, porém, também diz que o Hamas, que controla a faixa litorânea, tem interesse em manter o bloqueio porque controla os túneis por onde entram todos os tipos de produto %u2014 inclusive armas. Com isso, o grupo fundamentalista islâmico mantém um controle econômico, além do militar. Na última quarta-feira, o governo israelense aprovou a entrada de materiais de construção. Eli Dayan, prefeito da cidade israelense de Ashkelon, vizinha da Faixa de Gaza e alvo de foguetes do Hamas, diz não estar satisfeito com o bloqueio. Ele sugere que os dois lados apresentem ideias criativas para tentar destravar as negociações de paz, destacando que é necessária uma %u201Cautocrítica de Israel, mas também dos palestinos e dos que os apoiam unilateralmente%u201D. (PPF) O número 65% É a porcentagem de pessoas consideradas refugiadas em Gaza, que reclama do bloqueio israelens

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