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Ahmadinejad enfrenta a resistência do Parlamento para aprovar seu gabinete

Silvio Queiroz
postado em 24/08/2009 08:29
Mahmud Ahmadinejad apostou em mudanças, premiou a lealdade e até ensaiou uma questionável incursão pelo feminismo. Mesmo assim, deve ter muitas dificuldades para obter do Majlis, o movimentado Parlamento iraniano, a aprovação do gabinete que apresentou para seu segundo mandato como presidente da República Islâmica. Com 11 novatos entre os 21 ministros, inclusive três mulheres (1) - as primeiras indicadas para cargos de primeiro escalão desde a revolução de 1979 -, o time escalado por Ahmadinejad, um populista que encarna a paixão nacional pelo futebol, estará sob exame dos deputados durante a semana. No domingo, os nomes deverão ser votados, um a um, e os observadores do cenário político iraniano anteveem uma reprodução das tensões que se seguiram à polêmica reeleição de Ahmadinejad, contestada pela oposição como fraudulenta. "Um ministério não é lugar para aprendizes", alertou o presidente do Majlis, Ali Larijani, um político considerado muito próximo do líder religioso supremo, o aiatolá Ali Khamenei - que, nos termos da Constituição iraniana, exerce uma espécie de "poder moderador", acima do Executivo, Legislativo e Judiciário. "Os ministros devem ter experiência e capacidades suficientes, ou vamos desperdiçar as energias do país", completou. Mais incisivo, o vice-presidente do Parlamento, Mohammad Reza Bahonar, antecipou que a equipe escolhida por Ahmadinejad não passará integralmente: "Eu e alguns de meus colegas avaliamos que uns cinco ministros propostos por Ahmadinejad não receberão o voto de confiança". Mais do que qualquer outro fator, é a filiação política de Larijani e Bahonar que faz soar os alarmes no entorno presidencial: como o próprio Ahmadinejad, ambos são ligados à facção conservadora do regime islâmico, encabeçada pelo aiatolá Khamenei. Embora não formem um bloco monolítico, os conservadores detêm uma sólida maioria parlamentar. O presidente do Majlis, que chegou a ser cotado para disputar a Presidência por setores mais pragmáticos, tem sido um crítico contumaz do presidente. Ex-chefe da equipe que negocia com o Ocidente sobre o impasse no programa nuclear, Larijani questiona o tom estridente adotado nesse assunto pelo chefe de Estado, que em sua opinião "debilita a posição do país na frente externa". Atentados É justamente no terreno diplomático que esbarra o indicado de Ahmadinejad para um dos postos-chaves do governo, o ministério da Defesa. Ahmad Vahidi integra um grupo de funcionários e ex-funcionários iranianos que são objeto, desde 2007, de mandado internacional de prisão como responsáveis por dois atentados cometidos na Argentina nos anos 1990. Vahidi, em especial, figura na "circular vermelha" da Interpol, que lista os criminosos cuja captura é considerada prioritária. Como vários dos escolhidos, ele foi companheiro do atual presidente na Guarda Revolucionária, unidade de elite que, sob as bênçãos de Khamenei, se tornou um dos pilares do regime - o que produz tensões com o establishment religioso, sem distinção entre conservadores e reformistas. "O Irã está entrando em um período especial, depois das turbulências que se seguiram à eleição", comenta o ex-diplomata iraniano Mehrdad Khonsari, que atualmente integra a equipe de analistas do Centro de Estudos Árabes e Iranianos. "A credibilidade e a legitimidade do sistema e do governo foram colocadas sob severo questionamento", avalia, referindo-se à recusa de figuras expressivas do regime - entre elas os ex-presidentes Mohammad Khatami e Hashemi Rafsanjani - a comparecer à solenidade de posse de Ahmadinejad para o segundo mandato. No campo da oposição, as críticas ressaltam a "debilidade" do ministério, como diagnosticou o jornal reformista Mardomsalari, e a escolha dos "amigos" em lugar daqueles que manifestaram alguma independência política. Quatro titulares do primeiro mandato que criticaram a escolha de um amigo do presidente como primeiro vice - indicação derrubada por Khamenei - foram trocados por novatos cuja "única qualificação é a lealdade incondicional" a Ahmadinejad. 1- As pioneiras Doutora em filosofia e ex-vice-ministra da pasta, Sousan Keshavarz, cotada para a educação, é a que tem apoio mais forte entre os deputados, pela experiência no governo. Já a médica ginecologista Marzieh Vahid Dastjerdi (ministério da saúde), apesar de deputada em duas legislaturas, é inexperiente na administração. Doutoranda em psicologia da educação e ex- deputada em duas legislaturas do Majlis, Fatemeh Ajorlou, indicada para a pasta da seguridade social, não sofre questionamento político, mas é vista como "novata" para o cargo. Acusações pesam sobre líder religioso Não bastassem as dificuldades políticas do presidente iraniano, também a figura central do regime islâmico está sob contestação crescente e inédita. O líder religioso supremo, o aiatolá Ali Khamenei, teve suas credenciais teológicas questionadas nas últimas semanas em duas frentes. Em carta aberta, cerca de 40 ex-parlamentares, a maioria deles ligada à facção reformista, pediram que a aptidão de Khamenei para o cargo seja examinada pela Assembleia dos Peritos, órgão composto por 86 clérigos de primeiro escalão eleitos por voto popular. Uma petição semelhante foi feita, com o resguardo do anonimato, por um grupo de religiosos da cidade sagrada de Qom, sede das escolas teológicas que formam a elite religiosa do islã xiita, não apenas para o Irã mas para outros países muçulmanos. Apesar das insistências, os religiosos signatários da carta à Assembleia dos Peritos mantiveram a decisão de não publicar nomes. No texto, eles criticam o líder por ter usado o posto como uma extensão da facção conservadora e transformado a Guarda Revolucionária em uma "guarda pretoriana". Um dos ex-deputados que articularam a primeira petição revelou, depois de percorrer os seminários de Qom, que se trata na maioria de clérigos de nível intermediário, os hodjatolislãs - nome que significa, literalmente, "mestres do islã". É o grau ao qual pertence, entre outras figuras importantes, o ex-presidente reformista Mohammad Khatami. Acima desse grau está o de aiatolá ("sinal de Deus"), ao qual pertencem Khamenei e o ex-presidente Hashemi Rafsanjani, que atualmente preside a Assembleia dos Peritos. O atual líder sucedeu em 1989 ao aiatolá Ruhollah Khomeini, que comandou a revolução de 1979 e instituiu a República Islâmica. Além do carisma quase nulo, Khamenei é questionado pela pobreza de sua produção teórica e teológica, sobretudo se comparada à do grão-aiatolá Hossein Ali Montazeri, um liberal que chegou a ser o sucessor designado de Khomeini, mas caiu em desgraça por defender a integridade dos presos políticos nos primeiros anos do novo regime. Segundo os críticos, o atual líder foi promovido apressadamente a aiatolá, em 1989, apenas para obscurecer sua inadequação ao cargo.

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