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Eleições regionais deste domingo definirão o tabuleiro para a disputa pelo governo federal na Alemanha no próximo mês

Silvio Queiroz
postado em 30/08/2009 10:07
O alerta estará hoje no nível máximo nas sedes dos dois principais partidos alemães, sócios em uma coalizão que governou por quatro anos sobre a base de um difícil meio-termo, mas rivais na eleição que renovará o Parlamento federal, daqui a quatro domingos. No fim da tarde, o resultado dos pleitos em três estados ditará os termos e o clima das últimas semanas de campanha para a União Democrata Cristã (CDU), da chanceler (chefe de governo), Angela Merkel, e o Partido Social-Democrata (SPD), do ministro das Relações Exteriores, Frank-Walter Steinmeier. Mais, até: a contagem dos votos poderá obrigar os partidos a experimentar, nos estados, novas fórmulas de coalizão para o novo quadro partidário que se desenha desde a última eleição federal, em 2005.

;Conto com o apoio de vocês para mantermos o SPD forte em 27 de setembro;, apelou Steinmeier no comício de encerramento da campanha de seu companheiro Heiko Maas para capturar aos democratas-cristãos o governo de Saarland. Na menor das unidades da federação, a social-democracia joga sua tradição de século e meio e ensaia um salto para o desconhecido: Maas só terá chance de chegar ao poder com apoio da Esquerda, o partido que reuniu dissidentes do SPD com remanescentes do Partido Comunista da extinta Alemanha Oriental. As duas forças mantêm parcerias no leste, mas até este ano uma aliança na antiga Alemanha Ocidental era tabu.

Não por acaso, é esse flerte na esquerda do espectro político que domina paulatinamente o discurso do campo conservador na reta final das campanhas estaduais e federal. A própria chanceler, criada na antiga metade comunista do país dividido (1)que saiu da Segunda Guerra, chamou para si a polêmica. ;Saarland não pode em hipótese nenhuma cair sob governo dos vermelhos, e digo isso por motivos pessoais;, disparou Angela Merkel. Tanto ela quanto o rival social-democrata projetam suas intervenções para o complexo tabuleiro político que emergirá na próxima legislatura do Bundestag (Congresso Federal).

Cinco partidos
Foi precisamente o ingresso da Esquerda no Parlamento federal como bancada plenamente constituída, após a eleição de 2005, que obrigou a CDU e o SPD a trocarem os aliados tradicionais ; respectivamente, liberais e verdes ; por uma ;grande coalizão;. De lá para cá, o sucesso dos neocomunistas nos Parlamentos de vários estados ocidentais selou o fim do sistema de quatro partidos estabelecido na década de 1990.

A aritmética de ;dois para lá, dois para cá;, segundo a qual obrigatoriamente um dos dois campos teria maioria, se desfez nos últimos quatro anos, começando pelo próprio Bundestag. ;O resultado disso serão partidos mais flexíveis e programas mais substanciais;, arrisca o prestigiado semanário Die Zeit em sua edição online. ;Governos de um partido só serão a exceção, coalizões a dois serão cada vez mais raras, e a norma passará a ser as coalizões de três forças, com as variações possíveis.;

A afirmação dos esquerdistas, paralelamente ao crescimento dos liberais e verdes ; tendência captada tanto nos estados quanto nas pesquisas nacionais ;, se fez à custa dos dois partidos que deram cartas na Alemanha (na Ocidental, inicialmente) no pós-guerra. O SPD, rebaixado à posição de terceira força nos estados do leste, poderá festejar hoje a reconquista de Saarland e a captura da Turíngia, mas no último caso precisará de um ;favor; da Esquerda: como maior partido de uma maioria parlamentar, caberia a ela indicar o chefe de governo. Quanto à CDU, ainda que mantenha o comando dos três estados, está dizendo adeus à maioria absoluta com a qual governa sozinha, nos últimos anos, em Saarland e na Saxônia.

1 - Campo da Guerra Fria
A Alemanha saiu da Segunda Guerra não apenas derrotada e fisicamente arrasada, mas politicamente ajoelhada, partida entre as potências ocupantes. Em 1949, a divisão se formalizou com a criação da República Federal, capitalista, no Oeste, e a República Democrática, socialista, no Leste. Berlim, a histórica capital, foi rasgada por um muro que se tornou a fronteira concreta da Guerra Fria. Até que sua queda, em 4 de novembro de 1989, precipitou o fim do bloco soviético e a sonhada reunificação alemã, celebrada em 1; de outubro de 1990.

Vitória e lamento no SPD

O declínio tem sido paulatino, porém constante. Teve momentos mais acentuados, como no governo do chanceler Gerhard Schr;der, e por vezes focos mais definidos, como tem sido com os estados da antiga Alemanha Oriental. Em Saarland, contudo, o SPD vive uma situação que resume a gravidade de sua crise e reúne os paradoxos do momento atual da vida do partido mais tradicional da Alemanha ; com raízes no movimento socialista do século 19 e nos escritos de Karl Marx. Os social-democratas podem entrar a noite de domingo celebrando a conquista do governo estadual, mas nem por isso deixarão de amargar um dos piores resultados da história.

No patamar de 20%, o SPD ficará cerca de 10 pontos atrás da democracia cristã, mas será beneficiado pelo desempenho da Esquerda ; na faixa dos 15%, quase o triplo da média que tem obtido em estados ocidentais. ;O SPD deixou de ser um partido de massas;, tripudia o responsável por ambos os fenômenos. Oskar Lafontaine, governador de Saarland nos anos 1980 e ministro das Finanças no início do governo Schr;der, foi um dos artífices da fusão entre a dissidência social-democrata e os neocomunistas. Em 1990, foi o nome do SPD nas eleições federais que consagraram o projeto de reunificação do democrata-cristão Helmut Kohl.

Com Lafontaine, o partido teve então seu pior resultado em Saarland, mas mesmo assim seu prestígio faz hoje da Esquerda um aliado indispensável para a social-democracia. E não apenas em nível estadual: a primeira coalizão entre os dois partidos no oeste (o SPD governa em Berlim e Brandenburgo, ambas no leste, com apoio dos neocomunistas) seria o laboratório para uma experiência no âmbito federal, por ora descartada.

Saarland ilustra também o momento contraditório da democracia cristã. O governador Peter Müller pode renovar o mandato, mas com votação na casa dos 30% ; longe da maioria absoluta que lhe permitiu governar sem coalizão nos últimos cinco anos. O quadro é semelhante nacionalmente: Angela Merkel é favorita, mas as intenções de voto no partido não chegam aos 40%.

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