postado em 26/09/2009 07:00
Está nas mãos de Roberto Micheletti, presidente de fato de Honduras, a opção de ignorar por completo os apelos da comunidade internacional e arcar com as prováveis graves consequências ou ceder à pressão e abrir espaço ao diálogo. Após reunir-se por 10 minutos, no fim da manhã de ontem, o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas exigiu que as forças de segurança levantem o cerco à Embaixada do Brasil em Tegucigalpa ; o local hospeda o líder deposto, Manuel Zelaya.
;Eles (os membros) condenam atos de intimidação contra a embaixada brasileira e convocam o governo de fato de Honduras a cessar o assédio à Embaixada do Brasil e a fornecer todos os serviços necessários, incluindo água, eletricidade, comida e continuidade das comunicações;, declarou Susan Rice, embaixadora dos EUA na ONU e presidenta rotativa do Conselho, ao ler um comunicado do organismo.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) seguiu na mesma linha e ordenou o fim da ;operação; contra a representação diplomática. ;A CIDH faz um apelo urgente ao regime de fato para que interrompa esta operação imediatamente e adote todas as medidas necessárias a fim de garantir o direito à vida, à integridade e à segurança de todas as pessoas (na embaixada);, afirma uma nota da entidade.
A priori, Micheletti escolheu a primeira alternativa e ampliou o cerco à representação brasileira. Em nova entrevista exclusiva ao Correio, Zelaya relatou que soldados usaram gases tóxicos durante o dia de ontem, uma estratégia para dificultar a sobrevivência no local e forçar uma rendição (leia a matéria abaixo).
Para obter a condenação do Conselho de Segurança, o chanceler Celso Amorim fez um discurso veemente e declarou que o governo brasileiro ;está profundamente preocupado; com a possibilidade de ameaça à inviolabilidade da embaixada para a captura de Zelaya. ;Recebemos indícios concretos sobre essa possibilidade;, revelou o ministro, citando a visita de um oficial de Justiça munido de um mandado de busca ; cuja entrada foi impedida pelos funcionários ; e a mudança de tratamento formal concedido à representação por parte de Micheletti.
;Nossa embaixada tem sido submetida a atos de assédio e intimidação pelas autoridades de fato. O fornecimento de água e eletricidade foi interrompido e as linhas de telefone foram cortadas;, disse Amorim. ;O acesso a alimentos foi severamente restringido, e a circulação de veículos oficiais foi impedida.;
Hospitalidade
Um dia depois de o Itamaraty ser acusado de ;intromissão; pela chancelaria de Honduras, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva avisou que Zelaya ficará o tempo que quiser na embaixada. ;Ele ficará lá por quanto tempo for necessário para (garantir) sua segurança;, declarou o mandatário, durante viagem a Pittsburgh (EUA), onde participou da cúpula do G-20. ;O único caminho para restaurar a normalidade é Zelaya convocar as eleições, e não os líderes golpistas.; Mas a reação mais intempestiva foi de Marco Aurélio Garcia, assessor para assuntos internacionais do Planalto, que chamou o governo de fato de ;governo de mentirosos e de golpistas;.
Diante de tanto apoio, o presidente hondurenho deposto mais uma vez externou sua gratidão ao Planalto e ao Itamaraty. ;Em nome do povo hondurenho, eternamente agradeço ao povo brasileiro por ter me dado proteção;, disse. Por telefone, Zelaya também ironizou o comunicado da véspera da Secretaria de Relações Exteriores de Honduras. ;Não pode haver intromissão, pois sou o presidente que o Brasil reconhece;, explicou. ;Este é um regime que o Brasil não reconhece: são ilegais, terroristas, criminosos que tomaram o poder pela força e expulsaram o presidente.;
Zelaya desqualificou o noticiário internacional, que reportou progresso nas negociações com Micheletti ; entre a noite de terça-feira e a tarde de ontem, ele recebeu um representante do governo de fato e quatro presidenciáveis, aliados do regime. ;Não há nenhum contato com Micheletti. O representante dele veio dizer que não havia meios de restituir a democracia.; O diálogo parece distante: Óscar Arias, presidente de Costa Rica e Prêmio Nobel da Paz, já avisou que não pretende ir a Tegucigalpa.
"Este é um regime que o Brasil não reconhece: são ilegais, terroristas, criminosos que tomaram o poder pela força e expulsaram o presidente"
Manuel Zelaya, presidente deposto de Honduras, ao Correio
Zelaya denuncia ataque com gases
O alerta foi dado primeiro por Eduardo Maldonado, jornalista da Rádio Globo de Honduras. Por volta das 13h30 (10h30 em Tegucigalpa) de ontem, ele atendeu a um telefonema da reportagem aos gritos: ;Não posso falar agora. Estão atacando a embaixada;. Minutos depois, por meio de um celular, o Correio voltou a falar com exclusividade com o presidente deposto, Manuel Zelaya, que confirmou a informação. ;A Embaixada do Brasil está sendo atacada, desde a madrugada, com gases tóxicos;, disse. ;Pelo menos 60 pessoas estão passando mal aqui. O senhor (Milton) Benítez (um escritor de 32 anos) está cuspindo sangue; o senhor (Mario) Padilla (agricultor) urina sangue;, acrescentou.
;Nós estamos sentindo tontura, nossos músculos e o estômago foram afetados. Todos temos o corpo descompensado e os olhos avermelhados;, relatou Zelaya. Durante a entrevista, o líder afastado pelo golpe de Estado de 28 de junho contou que usava máscara e se mantinha perto de um duto de ar condicionado. ;Os soldados esvaziaram as casas próximas para atacarem a embaixada, violando as Convenções de Viena, a imunidade da sede diplomática e o direito de todas as pessoas que estão aqui;, comentou. Zelaya garantiu que estava com a garganta seca, sentia dores de cabeça e tinha os olhos irritados. ;Eles (os policiais) querem nos deixar desesperados e criar pressão para que nos retiremos da embaixada; estou preocupado com essa situação.; De acordo com ele, simpatizantes tiraram fotos de tubos usados para expelir os supostos gases.
Às 17h40 (15h40 em Tegucigalpa), Francisco Catunda, encarregado de negócios da embaixada e um dos quatro brasileiros retidos com Zelaya, disse ao Correio que um médico da Cruz Vermelha examinava os ocupantes do prédio naquele momento. ;Realmente houve um incidente hoje (ontem), quando um gás tóxico fez com que as pessoas passassem mal;, admitiu. O diplomata afirmou que todos estavam sentindo um ;certo cansaço, nada desesperador;. ;O mais desagradável é que ninguém sabe o que virá. Você começa a sonhar com o dia em que vai poder dormir na sua cama ou ver sua mulher.;
Autonomia
Segundo Catunda, o dia mais tenso foi na segunda-feira, quando cerca de 300 pessoas estavam dentro da representação diplomática e uma multidão se espremia do lado de fora . ;Temíamos que o portão pudesse ser derrubado;, lembra. Ele comentou que os próprios simpatizantes de Zelaya ; ;hóspede oficial; ; é que decidem quem entra no prédio. ;Os partidários do presidente controlam quem pode entrar e às vezes nos consultam, às vezes não. Ontem (quarta-feira), tínhamos 20 sacos de lixo, que foram tirados;, relatou.
O representante de negócios da embaixada e os funcionários contam com um banheiro privado. Os demais ocupantes têm à disposição dois toaletes. O acesso à água foi normalizado depois que um caminhão do Corpo de Bombeiros encheu a caixa d;água. Mas a higiene é complicada. Rasel Tomé, braço-direito de Zelaya e coordenador da ;resistência;, explicou que os banhos são divididos em três turnos. ;Há uma boa harmonia, pois estamos aqui pela mesma causa.;