Uma semana depois do retorno do presidente deposto, Manuel Zelaya, a Tegucigalpa e com a situação cada vez mais tensa na capital hondurenha, os Estados Unidos classificaram a decisão de voltar como ;irresponsável;. A declaração foi dada pelo representante norte-americano nas Organização dos Estados Americanos (OEA), Lewis Amselem, durante reunião extraordinária do organismo em Washington. ;O retorno do presidente Zelaya a Honduras é irresponsável e não serve nem aos interesses de seu povo nem a aqueles que buscam o restabelecimento da ordem democrática em Honduras;, afirmou o diplomata. ;Os que facilitaram o retorno (de Zelaya) têm uma especial responsabilidade para prevenir a violência e o bem-estar do povo hondurenho;, acrescentou, sem citar diretamente o Brasil. A polêmica coincide com o aumento da pressão por parte do governo de fato de Roberto Micheletti, que fechou a Rádio Globo de Tegucigalpa e a TV Canal 36, ambas da oposição. No início da noite de ontem, prometeu suspender, ;em breve;, o estado de sítio ; inicialmente previsto para durar 45 dias.
Em nova entrevista ao Correio, por celular, Zelaya desqualificou ontem as palavras do diplomata norte-americano, ao tomá-las como uma ;opinião pessoal;. ;Eu fico com as declarações de Hillary (Clinton, secretária de Estado dos EUA). Ela disse que agora teríamos uma boa oportunidade para o diálogo;, disse. ;Meu regresso a Honduras foi pacífico. Não foi um desafio, mas uma oportunidade ao diálogo;, acrescentou o presidente, com a voz denotando cansaço. Segundo Zelaya, a situação na representação do Brasil é ;difícil;. ;Estamos sendo interferidos com emissões eletrônicas. Temos que caminhar de aposento em aposento e nos esconder atrás das paredes para fazer ligações;, relatou. ;Persiste a ameaça de invasão por mercenários, que poderiam provocar assassinatos.;
Ante o recrudescimento da tensão, o presidente da Costa Rica e Prêmio Nobel da Paz, Óscar Arias, pediu que Micheletti e Zelaya assinem o Acordo de San José, para pôr fim à crise. Ele considerou ;lamentáveis as últimas medidas tomadas pelo governo de fato; ; uma referência à suspensão das garantias constitucionais e à expulsão dos enviados da OEA. Arias advertiu que as atuais condições não permitem a realização de eleições em novembro. O embaixador brasileiro na OEA, Ruy Casaes Silva, pediu uma resposta ;taxativa; da comunidade internacional diante da falta de disposição ao diálogo do governo hondurenho. Já o ministro da Defesa, Nelson Jobim, descartou o envio de tropas ao país.
Censura
David Romero preparava-se para mais uma segunda-feira de trabalho. Pelo 93; dia consecutivo, a rotina nos estúdios da Rádio Globo seria intensa, marcada por críticas ácidas a Micheletti, denúncias de assassinatos e conclamação da ;resistência;. Os microfones se calaram às 5h30 (8h20 em Brasília), meia hora após a emissora ter entrado no ar. ;Eu estava começando o programa, junto com dois jornalistas e um operador de áudio. Buscávamos conhecer as manchetes do dia quando o sistema de segurança alertou-nos que os militares e a polícia cercavam o prédio;, contou ao Correio o diretor da Rádio Globo de Tegucigalpa, por telefone. ;Imediatamente, lançamos um alerta no ar de que a rádio seria invadida. Pelo menos 200 policiais e soldados arrebentaram o portão e levaram todo o nosso equipamento: transmissores, computadores, microfones;, acrescentou Romero. Com medo de terem o destino de um colega e serem presos e torturados, o diretor e seus funcionários conseguiram fugir.
De acordo com o jornalista, os militares não portavam mandado de busca e apreensão. Em uma atitude desafiadora, Romero contou que a emissora se mantém no ar por meio da internet. ;Estamos trabalhando com outros meios para que possamos informar o povo;, comentou. Durante o assalto, a Rádio Globo transmitiu o barulho de golpes dos militares até o corte do sinal. Manuel Zelaya também não economizou críticas às medidas de Micheletti. ;Para os que tinham a mínima dúvida de que Honduras estaria numa ditadura, as recentes ações os convenceram. O povo hondurenho está tolhido, em silêncio;, lamentou ao Correio. ;Felicito ao presidente Lula (1)por ter reagido ao golpe de Estado.;
Também na Embaixada do Brasil em Tegucigalpa, José Luíz Galdamez ; repórter da mesma empresa ; estava revoltado. ;Continuam perseguindo os jornalistas. No Canal 36, eles fizeram o mesmo: forçaram a entrada, bateram nas pessoas que estavam no local e pegaram os equipamentos;, disse, referindo-se à emissora de TV. A censura à rádio e à TV oposicionistas ocorreu logo depois de Micheletti decretar estado de exceção durante 45 dias, medida ignorada pelos simpatizantes pró-Zelaya. Cerca de 5 mil deles se reuniram ontem em frente à Universidade Nacional Pedagógica, sob a liderança de Juan Barahona, coordenador-geral da Frente Nacional contra o Golpe de Estado. ;Os policiais chegaram com canhões d;água e tentaram vir para cima, mas a resistência se manteve;, comemorou. O ativista convocou novo protesto para hoje. ;Seguiremos desconhecendo e desafiando esse regime.;
Prêmio
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai receber, em 5 de novembro, em Londres, o prêmio Chatham House 2009 por ter contribuído com a ;estabilidade e integração na América Latina e por seu papel na resolução de crises regionais;, divulgou o centro de estudos britânicos. Pesquisas divulgadas ontem pela mexicana CM (Consulta Mitofsky) destacam que Lula, com 81% de apoio, é o segundo melhor avaliado entre os líderes da América. Na pesquisa, Lula aparece atrás apenas do presidente de El Salvador, Mauricio Funes, que tem 84% de aceitação.
;Meu sentimento é de indignação. Essa ditadura fascista que temos deseja se perpetuar no poder. A ditadura começou hoje (ontem). O governo de Micheletti deseja quebrar a coluna vertebral da resistência popular, cortando-lhe as comunicações. Estamos sofrendo uma repressão direta. Em 54 anos de vida, nunca imaginei que enfrentaria uma ditadura criminal e fascista;
; David Romero, diretor da Rádio Globo de Tegucigalpa
Serra e Sarney na ofensiva
As críticas à proteção dada pelo Itamaraty a Manuel Zelaya ecoaram forte entre políticos brasileiros. Um dia depois de Tegucigalpa romper as relações diplomáticas e dar um ultimato a Brasília, José Serra (PSDB-SP), governador de São Paulo e virtual candidato à Presidência, classificou de ;tremenda trapalhada; a decisão do governo de permitir que Zelaya ficasse hospedado na embaixada brasileira. ;Eu acho que o Itamaraty se meteu numa trapalhada que não vai ser fácil desfazer;, alertou o tucano. ;Já fui exilado duas vezes, no Brasil e no Chile, e o que tem lá do Zelaya não é um asilo. Porque o asilo você está em território estrangeiro, precisando sair do país;, acrescentou.
Por sua vez, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), acusou o líder deposto de ;exagero; em sua atuação dentro da embaixada brasileira em Tegucigalpa. ;Eu acho que o direito de asilo (a Zelaya) o Brasil deveria dar, não poderia deixar de dar. Mas o que está havendo agora, eu reconheço, é um certo exagero na ocupação da embaixada, uma tentativa de transformá-la em comitê político;, declarou.
A missão diplomática formada pelos deputados Raul Jungmann (PPS-PE), Ivan Valente (PSol-SP), Marcondes Gadelha (PSB-PB), Claudio Cajado (DEM-BA), Bruno Araújo (PSDB-PE) e Maurício Rands (PT-PE) monitora a situação em Tegucigalpa antes de viajar à capital hondurenha ; o embarque estava previsto para amanhã. A obtenção do visto foi garantida pelo presidente do Congresso Nacional de Honduras, Jose Alfredo Saavedra Paz. ;Falei o fim de semana inteiro com a Embaixada de Honduras (em Brasília) e com o presidente do Congresso. A autorização está dada, é só pegar o visto e ir embora;, disse Jungmann ao Correio. ;Eles asseguraram que não terá problema;, garantiu. Jose Alfredo afirmou que os simpatizantes pró-Zelaya planejam para hoje uma grande manifestação e pediu-lhes que partissem amanhã. ;Evidentemente, ninguém vai para uma aventura. Vamos analisar a situação.;
Valente, por sua vez, revelou que a Aeronáutica viabilizou toda uma estrutura para a viagem, já aprovada pela Câmara dos Deputados. ;Essa é uma missão oficial. Nosso objetivo principal é observar as condições e dar um escudo à embaixada brasileira, que foi agredida;, explicou. ;O regime golpista está recrudescendo e continua fazendo provocações à população do Brasil.; (RC e IF)