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À espera de diálogo, prisões e repressão em Honduras

Tropas do Exército e da polícia invadem prédio e detêm 55. Policiais dispersam protesto contra o fim da liberdade de expressão

postado em 01/10/2009 08:23
O mesmo decreto de estado de exceção que respaldou o fechamento de uma rádio e de um canal de TV partidários do presidente deposto, Manuel Zelaya, serviu de base ontem para a prisão de, pelo menos, 55 pessoas que estavam acampadas no edifício do Instituto Nacional Agrário (INA) há três meses. A ação conjunta da Polícia Nacional e das Forças Armadas se deu por volta das 5h30 da manhã (hora local) na cidade de Choluteca, a 140km de Tegucigalpa, e poderá ser repetida em outras ocupações de prédios públicos. A Frente Nacional de Resistência condenou as detenções e acusou o governo interino de se converter em uma "ditadura". "Estão desesperados, estão aplicando um decreto que é ilegal, que não foi aprovado pelo Congresso. Esse é um ato fascista", afirmou o dirigente camponês Rafael Alegria, um dos coordenadores da Frente. "O INA é utilizado por camponeses, é um edifício de camponeses que foi criado para impulsionar a reforma agrária. Eles têm todo o direito de defender sua instituição", disse. De acordo com a agência France Presse, mais de 100 militares e policiais participaram da invasão ao prédio. O porta-voz da Polícia Nacional, Orlin Cerrato, explicou aos jornalistas que os detidos - entre eles, seis mulheres - só foram levados para "verificar se cometeram algum delito". Horas depois, a promotora hondurenha dos direitos humanos, Gabriela Gallo, assegurou que os camponeses não foram agredidos e que, se for necessário, eles passarão aos cuidados da Justiça. Os militares hondurenhos também usaram a força para conter uma manifestação em frente ao prédio da Rádio Globo, que foi retirada do ar pelo governo interino na última segunda-feira. A tropa de choque usou bombas de gás e cassetetes para reprimir os manifestantes, que interromperam parcialmente uma das principais ruas de Tegucigalpa. Arrependimento O presidente interino Roberto Micheletti se sentiu satisfeito com as declarações do presidente da Costa Rica, Óscar Arias, que disse que a comunidade internacional não deve isolar Honduras, mas entrar em contato com o governo hondurenho "para que escute nossos conselhos". "Eu sinto que estão se arrependendo da atitude que tomaram contra um país que só quer viver em democracia e respeitando a Constituição da República", disse Micheletti. Ontem, o presidente interino se reuniu com os representantes do Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) para discutir o decreto que instituiu o estado de sítio. Para o magistrado David Matamoros, é preciso que o decreto seja eliminado, para que não haja "nenhuma dúvida, nenhum questionamento sobre a legitimidade dos comícios". Ao lado de Matamoros em uma entrevista coletiva, Micheletti aceitou analisar o pedido e voltou a dizer que o decreto "será eliminado de maneira oportuna". Apesar do aparente acirramento do conflito nos últimos três dias, John Biehl, o único do grupo de representantes da Organização dos Estados Americanos (OEA) que conseguiu entrar em Honduras, disse que o diálogo "provavelmente começará" quando os chanceleres da OEA chegarem a Tegucigalpa, na próxima semana. "Dessa vez, encontramos mais boa vontade em ambos os lados", disse. O bispo auxiliar de Tegucigalpa, Juan José Pineda, concorda que o diálogo está "avançando". "Há três pontos específicos sobre os quais está se dialogando e agora tentamos responder às inquietações de ambas as partes", afirmou. Na internet Os jornalistas da Rádio Globo conseguiram uma maneira de continuar transmitindo a programação: pela internet. Segundo o diretor da rádio, David Romero, quase 400 mil pessoas acessaram o site na terça-feira, quando começaram as atividades na web. "Estamos tentando normalizar a programação e vamos continuar transmitindo pela internet, mas queremos recuperar as transmissões na rádio", afirmou Romero. O jornalista da rádio Eduardo Maldonado lembra que grande parte da população hondurenha não tem acesso fácil a um computador. "A internet permite que a resistência continue viva, mas é um círculo muito fechado. Ela não chega às favelas, aos povoados". Dia de faxina e de festa O dia foi de limpeza e comemoração ontem na embaixada do Brasil em Tegucigalpa, onde se hospedam o presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, e vários seguidores. "Um dia diferente aos que temos vivido, de medo e intimidação dos militares que rodeiam totalmente a embaixada", disse ao Correio José Luis Galdámez, da Rádio Globo de Honduras, único jornalista hondurenho que continua dentro da representação diplomática. O presidente deposto celebrou o aniversário da esposa Xiomara e a chegada do novo neto, Juan Manuel Melara Zelaya, que nasceu às 8h em um hospital da capital. Por essa razão, seu filho mais novo, José Manuel Zelaya Castro, deixou a embaixada brasileira ontem. "Ele tinha que ir para casa e cuidar da irmã, Zoe, que está sozinha", revelou Galdámez. Outra atividade que manteve os novos convidados ocupados foi uma grande faxina na representação diplomática brasileira. "Todo mundo se juntou para fazer uma operação de limpeza interna e externa da embaixada. Podamos os jardins, lavamos as paredes... Agora a embaixada reluz, bonita e limpa", conta Galdámez. Segundo o radialista, o número de abrigados caiu de 60 para 55 pessoas. Do total, há 10 jornalistas estrangeiros e cerca de 25 pessoas são assessores e guarda-costas de Zelaya. Galdámez revela que a comida tem chegado pelo defensor de Direitos Humanos da ONU, Andres Pavón. "Mas a embaixada não reúne as condições necessárias para receber tanta gente. Não há quartos, estamos dormindo no chão. Alguns conseguiram colchões infláveis", disse. Outro jornalista da Rádio Globo, Eduardo Maldonado, avalia que o fato de o Brasil ter acolhido Zelaya foi visto por muitos hondurenhos como um ato de respeito e apoio à democracia. "O que não foi correto é que houvesse tantas pessoas na embaixada, impedindo que a representação pudesse seguir funcionando normalmente", opina Maldonado. Galdámez diz que só pode sair da embaixada em segurança quem tem autorização do presidente interino, Roberto Micheletti. "Mas os diplomatas brasileiros aqui estão nos apoiando e entenderam que é uma luta pela paz", conclui. 1 - Novo embaixador O Ministério das Relações Exteriores informou ontem que o Brasil terá um novo embaixador em Honduras. O Itamaraty afirmou que a troca não ocorreu por causa da crise política no país. Mario Roiter, que trabalhava na embaixada brasileira no Kuwait, vai ocupar o posto do embaixador Brian Michael Fraser Neele, que terminou o tempo de serviço em Tegucigalpa. Neele estava de férias no Brasil quando houve o golpe de Estado e agora representará o Brasil em Antigua e Barbuda, no Caribe. Segundo o Itamaraty, o novo embaixador só deve viajar a Honduras depois que a crise terminar.

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