postado em 12/10/2009 10:52
Daqui a 49 dias, a balconista Marina Morazán pretende ir às urnas na capital hondurenha, Tegucigalpa, para escolher o novo presidente, além do prefeito e deputado de sua região. "Estou acompanhando a propaganda política dos principais partidos políticos na TV", disse ao Correio, por telefone. Apesar da proximidade das eleições, ela admite que a propaganda começou há pouco tempo (em 31 de agosto) e afirmou não se importar com o não reconhecimento do processo eleitoral por outros governos. "Honduras é o país mais lindo que há e vamos continuar trabalhando para isso", disse Marina, que trabalha numa farmácia no centro da cidade.
A comunidade internacional exige a restituição do presidente Manuel Zelaya, deposto em 27 de junho, e o retorno do país à estabilidade política como condições para considerar as eleições legítimas. Mesmo sem o reconhecimento de outras nações, o governo interino de Honduras liderado por Roberto Micheletti organiza a votação para 29 de novembro.
Segundo o calendário do Tribunal Supremo Eleitoral (TSE), as pesquisas de opinião só poderão ser divulgadas até 29 de outubro, um mês antes das eleições. Na última consulta realizada em julho pelo instituto CID Gallup, os dois principais candidatos à presidência eram Porfirio Lobo, do Partido Nacional, com 42% das intenções de voto; e Elvin Santos, do Partido Liberal, que ganhou as primárias do Partido Liberal contra Micheletti e acenou com 37%. Ambos esperam que a comunidade internacional mude de ideia e não tenha dúvidas sobre quem sair vitorioso.
"Preocupa-me que muitos países não enviarão observadores e isso é um problema porque precisamos de pessoas independentes para olhar as eleições e declará-las legítimas ou não", disse Ileana Ross, deputada norte-americana do Partido Republicano que visitou o país na semana passada, acompanhada dos colegas Lincoln Díaz Balart e Mario Díaz Balart. Os três defenderam a realização do sufrágio, apesar da negativa do governo de Barack Obama em reconhecer o processo. Segundo eles, o povo hondurenho deseja "eleições livres, independentes, transparentes e sem fraude". "E para isso, necessitamos de ajuda mundial", disse Ross, em uma coletiva junto com Roberto Micheletti.
Organização
Porfirio Lobo revelou que o partido já está organizado em comitês para defender as urnas no dia das eleições, se necessário. "Vamos defender o direito do povo de votar e escolher suas autoridades, sabemos que existem pessoas que vão querer boicotar este processo, por isso pedimos que se organizem e defendam a democracia de Honduras", disse em comunicado.
Por outro lado, Betty Matamoros, delegada do Movimento de Resistência contra o Golpe de Estado em Honduras, disse que a população não participará do processo eleitoral. "O povo que hoje resiste de maneira pacífica rejeita ser submetido a uma ditadura e não participará de um processo eleitoral sob o domínio das armas. Não temos condições de uma participação livre", afirmou.
Segundo a lei, não pode haver eleições em um ambiente de suspensão de garantias individuais. Por isso, tanto Lobo quanto Elvin Santos criticam o estado de sítio imposto por Micheletti, que continua vigorando enquanto sua derrogação não for publicada no Diário Oficial. Mesmo com a medida, Micheletti diz que as eleições serão realizadas. De acordo com ele, "só uma invasão" poderia impedi-las.
Nos últimos dias, os candidatos vêm se reunindo com Zelaya e Micheletti para pedir o diálogo e que assinem o Acordo de San José. Apesar de não aceitar as eleições enquanto não for restituído ao poder, Zelaya (ex-partido Liberal e atualmente sem filiação) apoiaria um terceiro candidato, César Ham, da Unificação Democrática (UD), que o apoiou contra o golpe. Segundo o presidente deposto, César Ham é "o moreno que vale ouro".
Corrida pelo poder
Quem são os principais candidatos à Presidência de Honduras
Porfirio Lobo - Partido Nacional
Aos 61 anos, Lobo concorrerá pela segunda vez às eleições presidenciais. Em 2005, ele perdeu o pleito para Zelaya por apenas 73.763 votos - cerca de 3%. Sobre a crise política no país, ele justifica que sua bancada votou no Congresso para que Micheletti assumisse a presidência depois de Zelaya ter sido deposto em junho, mas alega que o apoio foi condicionado "ao diálogo". Promete anistia para todos os setores, se eleito
Elvin Santos - Partido Liberal
Foi o vice-presidente de Zelaya entre 2006 e 2008, mas nunca concordou com sua aproximação ao presidente venezuelano, Hugo Chávez, e tratou de se afastar do líder deposto para não ficar mal-visto dentro do partido. No fim de 2008, ganhou as eleições internas contra Micheletti. É o diretor da empresa Construcción, que mantém 1,2 mil funcionários e vários contratos com a Secretaria de Obras Públicas e Habitação. Essa posição lhe custou a acusação de conflito de interesse
César Ham - Unificação Democrática (UD)
É o coordenador da Frente Nacional de Resistência, que pede a restituição de Zelaya para terminar o mandato para o qual foi eleito. Junto com Carlos H. Reyes, foi o único candidato que se opôs ao golpe de Estado contra Zelaya, o que lhe valeu o título de "moreno que vale ouro", segundo o presidente deposto. O partido de esquerda também respaldou Zelaya quando propôs a quarta urna para realizar uma consulta sobre a Constituinte
Carlos H. Reyes - Independente
Reyes é um antigo líder sindicalista e aparece pela primeira vez como candidato à presidência. Junto com Ham, integra a Frente Nacional de Resistência, pedindo que sejam cumpridas três condições básicas: a volta de Manuel Zelaya ao poder, a desmilitarização da sociedade e o fim das violações contra os direitos humanos. Ele propõe a instalação de uma Assembleia Constituinte, projeto defendido pelo presidente deposto
Medida contra a mídia
Rodrigo Craveiro
A casa de um colega, em Tegucigalpa, foi transformada em mais um foco de resistência, depois que soldados invadiram o estúdio da Rádio Globo e levaram equipamentos da emissora, em 28 de setembro. As máquinas foram devolvidas, mas o estúdio improvisado continua montado para o caso de necessidade. David Romero, diretor da empresa de comunicação famosa por se opor ao governo interino de Roberto Micheletti, sabe que a liberdade de expressão em Honduras está suspensa e critica as últimas ações da Casa Presidencial. Na sexta-feira, Micheletti conferiu às autoridades o poder de revogar as licenças para o funcionamento e fechar emissoras de rádio e TV que incitarem "à anarquia social" ou "ódio nacional".
"A pretensão desse senhor Roberto Micheletti é uniformizar o pensamento aqui em Honduras", criticou Romero, em entrevista ao Correio, por telefone. "Outros meios se calaram e têm sido cúmplices dessa ameaça. Micheletti trata de calar efetivamente a imprensa deste país, limitando a liberdade de expressão", acrescentou. Segundo o radialista, o Acordo Executivo nº 124/2009 teria sido firmado na última quarta-feira pela Casa Presidencial, mas se tornou público apenas dois dias depois. Romero prometeu desafiar o governo interino.
"Vamos continuar informando e estamos desafiando os golpistas. Se for o caso, vamos sair em outra frequência. Não vamos nos calar", avisou.
Ele relatou que a situação em Honduras continua tensa. "Não pode haver tranquilidade em um país quando os setores populares organizados da resistência continuam se manifestando todos os dias. Querem nos impôr uma eleição arranjada", desabafou. "Esse decreto é uma medida desesperada para tentar calar os meios de comunicação, definitivamente".
Oscar Matute, ministro do Interior, discorda e afirma que aplica regras previstas pelo direito internacional. "Isso não representa qualquer tipo de controle da mídia", disse à agência Reuters. "Nenhum jornalista e nenhum veículo de imprensa pode fazer a apologia do ódio e da violência na sociedade". Nas últimas semanas, no entanto, o próprio presidente deposto, Manuel Zelaya, tem feito declarações consideradas perigosas pelo governo interino desde a Embaixada do Brasil em Tegucigalpa - onde se encontra refugiado há 22 dias. Logo no primeiro dia de estada na representação diplomática, ele havia avisado: "A partir de agora, ninguém voltará a nos tirar daqui. Por isso, nossa posição é pátria, restituição ou morte".
Avanços
No meio diplomático, a Organização dos Estados Americanos (OEA) admitiu ontem que o diálogo entre Zelaya e Micheletti avança "seriamente", mas ainda falta o mais difícil. Assessor do secretário-geral, José Miguel Insulza, John Biehl revelou que o ponto delicado é a restituição de Zelaya ao poder. Segundo a agência de notícias France-Presse, os três negociadores de ambas as partes se reunirão novamente amanhã, após uma pausa no fim de semana para consultas em separado. "Nas reuniões informais de ontem e de hoje, aproximamos muitos pontos para encontrar soluções na terça-feira (amanhã)", comentou o emissário de Insulza.