postado em 29/10/2009 08:00
Os chefes de Estado e governo da União Europeia (UE) se reúnem hoje em Bruxelas com expectativas bem mais baixas do que quando a cúpula foi convocada. O objetivo era de que o encontro de dois dias se realizasse com o Tratado de Lisboa, que reforma as instituições do bloco, ratificado pelos 27 países-membros ; o que possibilitaria avançar em temas como a escolha do futuro presidente do bloco e do alto representante para Política Externa, cargos instituídos (ou reformados) pelo acordo. No entanto, a renitência da República Tcheca, único país que ainda não ratificou o texto, limitará as discussões a encontrar uma solução para o impasse e a temas menos espinhosos, como o combate às alterações climáticas.Nos bastidores, contudo, governos já começarão a se articular para eleger seus prováveis candidatos aos portos mais importantes. O mais cobiçado é, certamente, o de presidente da UE, para o qual circulam os nomes do ex-premiê britânico Tony Blair e do atual primeiro-ministro de Luxemburgo, Jean-Claude Juncker. ;Os governos não poderão fazer lobby aberto, já que o tratado ainda não foi aprovado. Mas nos corredores haverá muita conversa;, afirma a pesquisadora Clara Marina O;Donnell, do Centro para a Reforma Europeia, em Londres.
Fontes de Downing Street, de fato, revelaram à rede BBC que o premiê britânico, Gordon Brown, pretende defender a candidatura do antecessor ao posto de presidente. Ao Correio, o governo negou, por meio da embaixada em Brasília, que Brown fará campanha agora, mas admitiu que no futuro dará ajuda a Blair. ;O primeiro-ministro já deixou claro que, se e quando estiver certo que o tratado entrará em vigor, e desde que Tony Blair opte por se candidatar, ele terá total apoio.;
O ex-premiê, entretanto, encontrará resistência até mesmo em seu país. O líder do Partido Conservador, David Cameron, expressou nesta semana rejeição a uma eventual candidatura de Blair e à própria criação do cargo de presidente. Entre os sócios do bloco, o britânico enfrentará oposição pela visível inaptidão em conciliar governos e posições divergentes. Para O;Donnell, Blair poderá ser uma boa opção se o objetivo for ter uma figura política forte e reconhecida à frente do principal posto da UE. ;Se o foco for criar consenso, em temas internos e externos ao bloco, então seria melhor uma outra opção;, pondera a estudiosa.
Entrave tcheco
O primeiro-ministro sueco, Fredrik Reinfeldt, que ocupa a presidência rotativa da UE, declarou que a cúpula servirá para que os líderes europeus discutam as exigências do presidente tcheco, Vaclav Klaus, quanto a uma exceção para o país na aplicação da Carta de Direitos Fundamentais. O tratado, já aprovado pelo Parlamento tcheco, precisa ser ratificado pela presidente, que chegou a convencer um grupo de senadores de direita a apresentar uma reclamação contra o texto na Corte Constitucional do país.
Para a professora Raquel Patrício, do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa, o impasse com a República Tcheca será resolvido como no caso da Irlanda, que só ratificou o tratado neste mês. O;Donnel, por sua vez, espera que a República Tcheca ratifique o tratado na próxima semana. ;A Corte deverá descartar logo essa reclamação. O problema maior é o presidente Klaus;, afirma.
Clima de pressão
Bruxelas foi ;decorada; por ambientalistas com mensagens para os dirigentes europeus sobre a urgência de assegurar um acordo sobre o combate às mudanças climáticas na conferência internacional de Copenhague, em dezembro. A UE leva uma meta que considera ousada, mas os militantes cobram mais.
; A diplomacia mais numerosa do mundo
;Para quem eu devo ligar quando quiser falar com a Europa?;, questionava-se nos anos 1970 o secretário de Estado americano, Henry Kissinger. Com a assinatura do Tratado de Lisboa, os europeus finalmente poderão responder a célebre pergunta. O documento prevê a criação do Serviço Europeu de Ação Externa (Seae): a maior rede de diplomatas do mundo, com mais de 5 mil integrantes espalhados por cerca de 130 países. O titular será o alto representante da UE para política externa, que passará a acumular o cargo de vice-presidente da Comissão Europeia (CE).
Tanto o início de funcionamento do novo órgão quanto a aprovação de suas competências deverão ocorrer durante a presidência rotativa da UE, a cargo da Espanha, no primeiro semestre de 2010. Um diplomata espanhol consultado pelo Correio confirmou que o desenho final do Seae está previsto para abril. ;A criação é certa, mas falta dar-lhe conteúdo;, diz ele. ;O que não se sabe ainda é quais funções realmente terá. Há países, como o Reino Unido, que querem que o Seae tenha muito poucas funções, enquanto outros querem que tenha também um perfil político;, explica.
João Vale de Almeida, chefe de gabinete do presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, concorda. ;O Seae e o alto representante não vão substituir as diplomacias nacionais. O objetivo é complementar, reforçar a capacidade de todas essas diplomacias com a criação de um sistema integrado, capaz de projetar a imagem da União;, garante Almeida em entrevista ao semanário português Expresso.
O novo órgão deverá ser responsável pela ação externa do bloco, além de temas de segurança e defesa ; os temas consulares e comerciais, a princípio, ficariam fora da área de competência. Para realizar as tarefas, o Seae terá orçamento próprio, estimado em 50 bilhões de euros entre 2010 e 2013, e absorverá as representações exteriores da CE. O corpo diplomático será integrado por funcionários da Direção Geral de Relações Externas da CE, do Conselho de Ministros da UE e por diplomatas dos ministérios de relações exteriores dos 27 países-membros.