O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou ontem a uma Caracas sob racionamento de água e luz com uma boa notícia para o presidente Hugo Chávez: falta apenas mais um passo para o Brasil ratificar a adesão da Venezuela ao Mercosul. Depois de um debate acirrado, os senadores da Comissão de Relações Exteriores (CRE) aprovaram ontem, por 12 votos contra cinco, o protocolo de ingresso do país no bloco. O parecer do líder governista na comissão, Romero Jucá (PMDB-RR) vai agora ao plenário do Senado ; em uma a três semanas, na avaliação de Jucá ;, e a expectativa é de que seja aprovado. Restará apenas para Chávez esperar a ratificação do Senado paraguaio.
[SAIBAMAIS]Os argumentos dos 18 congressistas para defender ou rejeitar a entrada da Venezuela no Mercosul variaram de aspectos econômicos a político-ideológicos. O relator da comissão, Tasso Jereissati (PSDB-CE), viu seu parecer, contrário à adesão, derrotado por 11 votos a seis, com uma abstenção. No texto, ele sustentava que o governo de Caracas não cumpriria com a ;cláusula democrática; do bloco, presente no Protocolo de Ushuaya. ;Os jornalistas estão na prisão, os servidores públicos são obrigados a se filiar ao partido oficial, há presos políticos;, acusou Jereissati. O senador tucano destacou ainda que várias disputas do Brasil com vizinhos foram incentivadas pelo presidente venezuelano: com a Bolívia, pela extração de gás; com o Equador, por pagamentos de dívida externa; com o Paraguai, por energia elétrica; e, no mês passado, o presidente venezuelano teria complicado a diplomacia brasileira, obrigada a acolher o presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, na embaixada em Tegucigalpa.
Polêmica
A oposição questionou ainda se Chávez respeitará os acordos já assinados pelo Mercosul, levantando como exemplo a associação comercial com Israel, país com o qual a Venezuela rompeu relações no início do ano, por causa da guerra com os palestinos em Gaza. Em resposta, Romero Jucá ressaltou que as relações econômicas serão favorecidas com a integração da Venezuela, hoje o quinto parceiro comercial do Brasil. ;Quem está aderindo não é o atual governo venezuelano, mas o país vizinho, com o qual o Brasil sempre manteve boas relações, hoje profundamente adensadas;, argumentou. ;Não ampliamos a democracia isolando ninguém. Se existem problemas, e eu reconheço que existem problemas, o remédio é integração, abertura;, completou.
O líder da oposição, senador Arthur Virgílio (PSDB-AM), chamou a atenção dos colegas para o fato de que até os que votariam a favor da entrada da Venezuela admitiam que o governo de Chávez é um problema na região. ;Estamos antecipando a missa de sétimo dia do Mercosul;, anunciou. ;Tenho a certeza quase absoluta de que estamos dando um voto de morte para uma união que poderia superar economicamente a Alemanha, se tivesse seguido os rumos adequados;, concluiu. Ele ressaltou que as trajetórias dos ;ditadores; da América do Sul começam com o cerceamento da oposição e da imprensa e terminam com a morte do líder ou um conflito armado. Para Virgílio, a vítima de Chávez pode ser a Guiana, já que num ataque à Colômbia ou ao Brasil ele sairia ;fragorosamente derrotado;.
O ingresso da Venezuela no Mercosul seguirá para o plenário do Senado. Jucá disse ao Correio que não espera que a matéria se arraste. ;Em uma ou duas semanas teremos votado;, espera. Hugo Chávez entrou em 2006 com o pedido de adesão, já ratificado pela Argentina e pelo Uruguai. A questão continua tramitando no Parlamento paraguaio, que adiou a votação para 2010.
; Encontro em Caracas
Além de analisar a entrada da Venezuela no Mercosul, Lula e Chávez devem assinar hoje os últimos acordos para a incorporação da petroleira venezuelana PDVSA à refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. A negociação se arrasta desde 2005, e a Petrobras já deu início às obras sem a sócia. Para a estatal brasileira, a estimativa inicial era de um custo de US$ 4 bilhões, mas o cálculo já foi revisto para US$ 12 bilhões. A PDVSA, como futura detentora de 40% da empresa, deverá ajudar com o custo proporcional das ações.
A agenda prevê que Chávez e Lula visitem uma plantação de soja no vilarejo de El Tigre, cultivada com apoio da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). A ministra da Casa Civil e pré-candidata do PT à presidência, Dilma Rousseff, acompanha o presidente na cerimônia de inauguração do Consulado-Geral do Brasil e do escritório da Caixa Econômica Federal (CEF), ambos em Caracas. Outros integrantes da comitiva são os ministros das Relações Exteriores, Celso Amorim, de Minas e Energia, Edison Lobão, e das Comunicações, Hélio Costa, além da presidenta da Caixa Econômica Federal, Maria Fernanda Coelho.
Lula e Chávez planejam revisar um projeto de desenvolvimento entre os estados de Bolívar (no sul da Venezuela) e Roraima (norte do Brasil). Durante a última década, a Venezuela tem mostrado interesse em fortalecer os vínculos comerciais com o norte do Brasil, onde calcula que exista um mercado potencial de 30 milhões de habitantes. Os dois presidentes pretendem assinar também acordos da Corporação Elétrica Nacional (Corpoelec) com empresas e organismos brasileiros para a constituição de comissões técnicas, que deverão avaliar o fornecimento de materiais elétricos, com possibilidades de transferência tecnológica.
Nas últimas semanas, a Venezuela vem sofrendo cortes de eletricidade e água. Chávez chegou a pedir à população que demore apenas três minutos no banho. ;Um minuto para se molhar, outro para se ensaboar e o terceiro para se enxaguar. O resto é desperdício;, recomendou. ;A verdade é uma só: o governo não planejou, não investiu nem fez a manutenção no momento certo;, criticou a presidenta do Comitê dos Afetados pelos Apagões, Aixa López. (VV)